2. A Sagrada Escritura,
testemunho da Revelação
O
povo de Israel, sob inspiração e mandato de Deus, ao longo dos séculos registou
por escrito o testemunho da Revelação de Deus na sua história, relacionando-a directamente
com a revelação do único e verdadeiro Deus feita aos nossos Pais. Através da
Sagrada Escritura, as palavras de Deus manifestam-se com palavras humanas, até
assumir, no Verbo Encarnado, a própria natureza humana. Além das Escrituras de
Israel, acolhidas pela Igreja e conhecidas como Antigo ou Primeiro Testamento,
os apóstolos e os primeiros discípulos registaram também, por escrito, o
testemunho da Revelação de Deus tal como se realizou plenamente no Seu Verbo,
de cuja passagem pela Terra foram testemunhas, de modo particular, do mistério
pascal da Sua morte e ressurreição, dando, assim, origem aos livros do Novo
Testamento.
A
verdade de que o Deus, de quem as Escrituras de Israel dão testemunho, é o
único e verdadeiro Deus, criador do céu e da terra, põe-se em evidência, em
particular, nos “livros sapienciais”. O seu conteúdo supera os confins do povo
de Israel para suscitar o interesse pela experiência comum do género humano
diante dos grandes temas da existência, desde o sentido do cosmos ao sentido da
vida do homem (Sabedoria); desde as interrogações sobre a morte e do que vem a
seguir a ela, até ao significado da actividade humana sobre a terra (Qoh);
desde as relações familiares e sociais à virtude que deve regulá-las para viver
de acordo com os planos de Deus criador e alcançar, assim, a plenitude da
própria humanidade (Provérbios, Ben Sirá, etc.).
Deus
é o autor da Sagrada Escritura, que os autores sagrados (hagiógrafos), também
eles autores do texto, redigiram sob a inspiração do Espírito Santo. Para a sua
composição, Deus «escolheu e serviu-se de homens, na posse das suas faculdades
e capacidades, para que, agindo Ele neles e por eles, pusessem por escrito,
como verdadeiros autores, tudo aquilo e só aquilo que Ele queria» 6
(cf. Catecismo, 106). Tudo o que os escritores sagrados afirmam pode
considerar-se «afirmado pelo Espírito Santo, por isso mesmo se deve acreditar
que os livros da Escritura ensinam com certeza, fielmente e sem erro a verdade
que Deus, para nossa salvação, quis que fosse consignada nas sagradas Letras» 7.
Para
compreender correctamente a Sagrada Escritura há que ter presente o sentido da
Escritura – literal e espiritual; este último reconhecível também no alegórico,
moral e analógico – e os diversos géneros literários em que foram redigidos os
diferentes livros ou partes dos mesmos (cf. Catecismo, 110, 115-117). Em
particular, a Sagrada Escritura deve ser lida na Igreja, ou seja, à luz da sua
tradição viva e da analogia da fé (cf. Catecismo, 111-114): a Escritura deve ser
lida e compreendida de acordo com o mesmo Espírito com que foi escrita.
Os
diversos estudiosos que se esforçam por interpretar e aprofundar o conteúdo da
Escritura propõem os seus resultados a partir da autoridade científica pessoal.
Ao Magistério da Igreja compete a função de formular uma interpretação
autêntica, vinculativa para os fiéis, baseada na autoridade do Espírito que
assiste ao ministério docente do Romano Pontífice e dos Bispos em comunhão com
ele. Graças a esta assistência divina, a Igreja, já desde os primeiros séculos,
reconheceu os livros que continham o testemunho da Revelação, no Antigo e no
Novo Testamento, formulando assim o “cânon” da Sagrada Escritura (cf.
Catecismo, 120-127).
Uma
recta interpretação da Sagrada Escritura, reconhecendo os diferentes sentidos e
géneros literários nela presentes, é necessária quando os autores sagrados
descrevem aspectos do mundo que pertencem também ao âmbito das ciências
naturais: a formação dos elementos do cosmos, a aparição das diversas formas de
vida sobre a terra, a origem do género humano e, em geral, os fenómenos
naturais. Deve evitar-se o erro do fundamentalismo, que não se separa do
sentido literal e do género histórico, quando seria lícito fazê-lo. Também deve
evitar-se o erro de quem considera as narrações bíblicas como formas puramente
mitológicas, sem nenhum conteúdo de verdade a transmitir sobre a história dos
acontecimentos e a sua radical dependência da vontade de Deus 8.
Catecismo da Igreja Católica, 50-133.
Concílio Vaticano II, Const. Dei
Verbum, 1-20.
João Paulo II, Enc. Fides et Ratio,
14-IX-1988, 7-15.
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Dei na Internet
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6
Concílio Vaticano II, Const. Dei Verbum, 11.
7
Concílio Vaticano II, Const. Dei Verbum, 11.
8
Podem encontrar-se elementos interessantes para uma correcta interpretação da
relação com as ciências em Leão XIII, Enc. Providentissimus Deus, 18-XI-1893;
Bento XV, Enc. Spiritus Paraclitus, 15-IX-1920 e Pio XII, Enc. Humani Generis,
12-VII-1950.