EXORTAÇÃO APOSTÓLICA PÓS-SINODAL
AMORIS LÆTITIA
DO SANTO PADRE
FRANCISCO
AOS BISPOS AOS PRESBÍTEROS E AOS DIÁCONOS
ÀS PESSOAS CONSAGRADAS AOS ESPOSOS CRISTÃOS E A TODOS
OS FIÉIS LEIGOS SOBRE O AMOR NA FAMÍLIA
CAPÍTULO VII
REFORÇAR A EDUCAÇÃO DOS FILHOS.
Os pais incidem sempre, para
bem ou para mal, no desenvolvimento moral dos seus filhos. Consequentemente, o
melhor é aceitarem esta responsabilidade inevitável e realizarem-na de modo
consciente, entusiasta, razoável e apropriado. Uma vez que esta função
educativa das famílias é tão importante e se tornou muito complexa, quero
deter-me de modo especial neste ponto.
Onde estão os filhos?
A família não pode
renunciar a ser lugar de apoio, acompanhamento, guia, embora tenha de
reinventar os seus métodos e encontrar novos recursos. Precisa de considerar a
que realidade quer expor os seus filhos. Para isso não deve deixar de se interrogar
sobre quem se ocupa de lhes oferecer diversão e entretenimento, quem entra nas
suas casas através dos écrans, a quem os entrega para que os guie nos seus
tempos livres. Só os momentos que passamos com eles, falando com simplicidade e
carinho das coisas importantes, e as possibilidades sadias que criamos para
ocuparem o seu tempo permitirão evitar uma nociva invasão. Sempre faz falta
vigilância; o abandono 206 nunca é sadio. Os pais devem orientar e alertar as
crianças e os adolescentes para saberem enfrentar situações onde possa haver
risco, por exemplo, de agressões, abuso ou consumo de droga. 261. A obsessão,
porém, não é educativa; e também não é possível ter o controlo de todas as
situações onde um filho poderá chegar a encontrar-se. Vale aqui o princípio de
que «o tempo é superior ao espaço», isto é, trata-se mais de gerar processos
que de dominar espaços. Se um progenitor está obcecado com saber onde está o
seu filho e controlar todos os seus movimentos, procurará apenas dominar o seu
espaço. Mas, desta forma, não o educará, não o reforçará, não o preparará para
enfrentar os desafios. O que interessa acima de tudo é gerar no filho, com
muito amor, processos de amadurecimento da sua liberdade, de preparação, de
crescimento integral, de cultivo da autêntica autonomia. Só assim este filho
terá em si mesmo os elementos de que precisa para saber defender-se e agir com
inteligência e cautela em circunstâncias difíceis. Assim, a grande questão não
é onde está fisicamente o filho, com quem está neste momento, mas onde se
encontra em sentido existencial, onde está posicionado do ponto de vista das
suas convicções, dos seus objectivos, dos seus desejos, do seu projecto de
vida. Por isso, eis as perguntas que faço aos pais: «Procuramos compreender
“onde” os filhos verdadeiramente estão no seu caminho?
Sabemos onde está
realmente a sua alma? E, sobretudo, queremos sabê-lo?».[i]
Se a maturidade fosse
apenas o desenvolvimento de algo já contido no código genético, quase nada
poderíamos fazer. Mas não é! A prudência, o recto juízo e a sensatez não
dependem de factores puramente quantitativos de crescimento, mas de toda uma
cadeia de elementos que se sintetizam no íntimo da pessoa; mais exactamente, no
centro da sua liberdade. É inevitável que cada filho nos surpreenda com os
projectos que brotam desta liberdade, que rompa os nossos esquemas; e é bom que
isto aconteça. A educação envolve a tarefa de promover liberdades responsáveis,
que, nas encruzilhadas, saibam optar com sensatez e inteligência; pessoas que
compreendam sem reservas que a sua vida e a vida da sua comunidade estão nas
suas mãos e que esta liberdade é um dom imenso. A formação ética dos filhos
263. Os pais necessitam também da escola para assegurar uma instrução de base
aos seus filhos, mas a formação moral deles nunca a podem delegar totalmente. O
desenvolvimento afectivo e ético duma pessoa requer uma experiência
fundamental: crer que os próprios pais são dignos de confiança.[ii]
Isto constitui uma
responsabilidade educativa: com o carinho e o testemunho, gerar confiança nos
filhos, inspirar-lhes um respeito amoroso. Quando um filho deixa de sentir que
é precioso para seus pais, embora imperfeito, ou deixa de notar que nutrem uma
sincera preocupação por ele, isto cria feridas profundas que causam muitas
dificuldades no seu amadurecimento. Esta ausência, este abandono afectivo
provoca um sofrimento mais profundo do que a eventual correcção recebida por
uma má acção.
A tarefa dos pais inclui
uma educação da vontade e um desenvolvimento de hábitos bons e tendências
afectivas para o bem. Isto implica que se apresentem como desejáveis os comportamentos
a aprender e as tendências a fazer maturar. Mas trata-se sempre de um processo
que vai da imperfeição para uma plenitude maior. O desejo de se adaptar à
sociedade ou o hábito de renunciar a uma satisfação imediata para se adequar a
uma norma e garantir uma boa convivência já é, em si mesmo, um valor inicial
que cria disposições para se elevar depois rumo a valores mais altos. A
formação moral deveria realizar-se sempre com métodos activos e com um diálogo
educativo que integre a sensibilidade e a linguagem própria dos filhos. Além
disso, esta formação deve ser realizada de forma indutiva, de modo que o filho
possa chegar a descobrir por si mesmo a importância de determinados valores,
princípios e normas, em vez de lhos impor como verdades indiscutíveis.
Para agir bem, não basta
«julgar de modo adequado» ou saber com clareza aquilo que se deve fazer, embora
isso seja prioritário. Com efeito, muitas vezes somos incoerentes com as nossas
próprias convicções, mesmo quando são sólidas. Há ocasiões em que, por mais que
a consciência nos dite determinado juízo moral, têm mais poder outras coisas
que nos atraem; isto acontece, se não conseguirmos que o bem individuado pela
mente se radique em nós como uma profunda inclinação afectiva, como um gosto
pelo bem que pese mais do que outros atractivos e nos faça perceber que aquilo
que individuamos como bem é tal também «para nós» aqui e agora. Uma formação
ética válida implica mostrar à pessoa como é conveniente, para ela mesma, agir
bem. Muitas vezes, hoje, é ineficaz pedir algo que exija esforço e renúncias,
sem mostrar claramente o bem que se poderia alcançar com isso.
(cont)
(revisão da versão
portuguesa por AMA)
[i] 291 Francisco,
Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de Novembro de 2013), 222: AAS 105 (2013),
1111
[ii] Idem, Catequese (20
de Maio de 2015): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 21/V/2015),
20.