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Leitura Espiritual
Cristo que passa |
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Respeito e caridade
Surpreendia-nos ao princípio
a atitude dos discípulos de Jesus diante do cego de nascimento.
Estavam na linha daquele
rifão infeliz: pensa mal e acertarás.
Depois, quando conhecem
melhor o Mestre, quando se apercebem do que significa ser cristão, as suas
opiniões são inspiradas pela compreensão.
Em qualquer homem -
escreve S. Tomás - existe algum aspecto pelo qual os outros podem considerá-lo
como superior, conforme as palavras do Apóstolo: "levados pela humildade,
julgai-vos uns aos outros como superiores" .
De acordo com isto, todos
os homens devem honrar-se mutuamente. A humildade é a virtude que nos faz
descobrir que as manifestações de respeito pela pessoa - pela sua honra, pela
sua boa-fé, pela sua intimidade - não são convencionalismos exteriores, mas as
primeiras manifestações da caridade e da justiça.
A caridade cristã não se
limita a socorrer o necessitado de bens económicos; leva-nos, antes de mais
nada, a respeitar e a defender cada indivíduo enquanto tal, na sua intrínseca
dignidade de homem e de filho do Criador.
Por isso, os atentados à
pessoa - à sua reputação, à sua honra - provam, em quem os comete, que não
professa ou não pratica algumas verdades da nossa fé cristã e, sempre, a
carência de um autêntico amor de Deus.
A caridade com que amamos
a Deus e ao próximo é a mesma virtude, porque a razão de amar o próximo é
precisamente Deus e amamos a Deus quando amamos o próximo com caridade.
Espero que sejamos capazes
de tirar consequências muito concretas deste bocado de conversa na presença do
Senhor, principalmente o propósito de não julgar os outros, de não os ofender
sequer com a dúvida, de afogar o mal em abundância de bem, semeando ao nosso
redor a convivência leal, a justiça e a paz, e a decisão de nunca nos entristecermos
se a nossa conduta recta for mal entendida por outros, se o bem que - com a
ajuda contínua do Senhor - procuramos realizar, for interpretado
retorcidamente, atribuindo às nossas intenções, através de um processo ilícito,
maus desígnios próprios de uma conduta dolosa e simuladora.
Perdoemos sempre, com um
sorriso nos lábios.
Falemos com clareza, sem
rancor, quando pensarmos em consciência que devemos falar.
E deixemos tudo nas mãos
do Nosso Pai, Deus, com um divino silêncio - Iesus autem tacebat, Jesus, porém, estava calado -, se se trata de
ataques pessoais, por mais brutais e indecorosos que sejam.
Preocupemo-nos apenas em
fazer boas obras, pois Ele encarregar-se-á de que elas brilhem diante dos
homens.
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Como toda a festa cristã,
esta que agora celebramos é especialmente uma festa de paz.
Os ramos, com o seu antigo
simbolismo, evocam aquela cena do Génesis: depois de ter esperado outros sete
dias, novamente deitou a pomba fora da arca.
E ela voltou a ele pela
tarde trazendo no bico um ramo de oliveira com folhas verdes.
Entendeu, pois, Noé que as
águas tinham cessado sobre a terra.
Agora recordamos que a
aliança entre Deus e o seu povo é confirmada e estabelecida em Cristo, porque
Ele é a nossa paz.
Nessa maravilhosa unidade
e recapitulação do velho no novo, que caracteriza a liturgia da nossa Santa
Igreja Católica, lemos no dia de hoje estas palavras de profunda alegria: os
filhos dos hebreus, levando ramos de oliveira, saíram ao encontro do Senhor,
aclamando e dizendo: glória nas alturas.
A aclamação a Jesus Cristo
une-se, na nossa alma, com aquela que saudou o seu nascimento em Belém.
E, à sua passagem,
conta-nos S. Lucas, as multidões estendiam os seus mantos no caminho. E, quando
já ia chegando à descida do monte das Oliveiras, toda a multidão dos seus
discípulos começou alegremente a louvar a Deus em altas vozes por todas as
maravilhas que tinham visto, dizendo: Bendito o Rei que vem em nome do Senhor.
Paz no Céu e glória nas alturas.
Paz na terra
Pax in coelo, paz no céu.
Mas olhemos também o
mundo: porque é que não há paz na terra? Não, não há paz.
Há somente aparências de
paz, equilíbrio de medo, compromissos precários.
Nem sequer há paz na
Igreja, sulcada por tensões que retalham a branca túnica da Esposa de Cristo.
Não há paz em muitos
corações que tentam em vão compensar a intranquilidade da alma com a distracção
contínua, com a pequena satisfação dos bens que não saciam, porque deixam
sempre o travo amargo da tristeza.
As folhas de palma, escreve Santo Agostinho, são
o símbolo da homenagem, porque significam vitória.
O Senhor estava a momentos
da vitória, morrendo na Cruz.
Ia triunfar, no sinal da
Cruz, sobre o Diabo, príncipe da morte.
Cristo é a nossa paz
porque venceu; e venceu porque lutou, no duro combate contra a maldade
acumulada pelos corações humanos.
Cristo, que é a nossa paz,
é também o Caminho. Se queremos a paz, temos de seguir os seus passos.
A paz é consequência da
guerra, da luta, dessa luta ascética, íntima, que cada cristão deve sustentar
contra tudo aquilo que, na sua vida, não é de Deus: contra a soberba, a
sensualidade, o egoísmo, a superficialidade, a estreiteza do coração.
É inútil clamar pelo
sossego exterior se falta tranquilidade nas consciências, no fundo da alma,
porque é do coração que saem os maus pensamentos, os homicídios, os adultérios,
as fornicações, os furtos, os falsos testemunhos, as blasfémias.
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Luta, compromisso de amor
e de justiça
Mas não parece antiquada
esta linguagem?
Porventura não foi
substituída por um vocabulário de moda feito de claudicações pessoais
encobertas com uma roupagem pseudo-científica?
Não existirá hoje um
acordo tácito em que os bens reais são apenas o dinheiro que tudo compra, o
poder temporal, a astúcia para ficar sempre por cima, a sabedoria humana que se
autodefine como adulta e pensa ter superado o sagrado?
Não sou nem nunca fui
pessimista, porque a fé me diz que Cristo venceu definitivamente e nos deu,
como prémio da sua conquista, um mandato, que é também um compromisso: lutar.
Nós, cristãos, temos um
empenho de amor, que aceitamos livremente com a chamada da graça divina: uma
obrigação que nos anima a lutar com tenacidade.
Sabemos que somos tão
frágeis como os outros homens, mas também não podemos esquecer-nos de que, se
usarmos os devidos meios, seremos o sal, a luz e a levedura do mundo.
Seremos o consolo de Deus.
O nosso empenho de
perseverar com firmeza neste propósito de Amor é, além disso, um dever de
justiça.
E a matéria desta
exigência, comum a todos os fiéis, traduz-se numa batalha constante.
A tradição da Igreja
sempre se referiu aos cristãos como milites
Christi, soldados de Cristo; soldados que dão serenidade aos outros
enquanto combatem continuamente contra as suas próprias más inclinações.
Às vezes, por falta de
sentido sobrenatural, por uma descrença prática, não querem compreender de
forma alguma como milícia a vida na Terra.
Insinuam maliciosamente
que, se nos consideramos milites Christi,
há o perigo de utilizarmos a fé para fins temporais de violência, de sedições.
Esse modo de pensar é um
triste e pouco lógico simplismo, que costuma andar unido ao comodismo e à
cobardia.
Nada há de mais estranho à
fé católica do que o fanatismo.
Este conduz a estranhas
confusões, com os mais diversos matizes, entre o que é profano e o que é
espiritual.
Tal perigo não existe, se
a luta se entende como Cristo no-la ensinou, isto é, como guerra de cada um
consigo mesmo, como esforço sempre renovado por amar mais a Deus, por desterrar
o egoísmo, por servir todos os homens.
Renunciar a esta contenda,
seja com que desculpa for, é declarar-se de antemão derrotado, aniquilado, sem
fé, com a alma caída e dissipada em complacências mesquinhas.
Para o cristão, o combate
espiritual diante de Deus e de todos os irmãos na fé é uma necessidade, uma
consequência da sua condição. Por isso, se alguém não luta, está a trair Jesus
Cristo e todo o Corpo Místico, que é a Igreja.
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Luta incessante
A guerra do cristão é
incessante, porque na vida interior dá-se um perpétuo começar e recomeçar, que
impede que, com orgulho, nos pensemos já perfeitos.
É inevitável que haja
muitas dificuldades no nosso caminho; se não encontrássemos obstáculos, não
seríamos criaturas de carne e osso. Havemos de ter sempre paixões que nos puxem
para baixo e sempre precisaremos de nos defender desses delírios mais ou menos
veementes.
Sentir no corpo e na alma
o aguilhão do orgulho, da sensualidade, da inveja, da preguiça, do desejo de
subjugar os outros, não deveria ser uma descoberta.
É um mal antigo,
sistematicamente confirmado pela nossa experiência pessoal.
É o ponto de partida e o
ambiente habitual para ganhar a nossa corrida para a casa do Pai, neste
desporto tão íntimo.
Por isso ensina S. Paulo: quanto a mim corro, não como à aventura;
combato, não como quem açouta o ar; mas castigo o meu corpo, e reduzo-o à
escravidão, para que não suceda que, tendo pregado aos outros, eu mesmo venha a
ser réprobo.
Para começar ou sustentar
esta contenda, o cristão não deve esperar manifestações exteriores ou
sentimentos favoráveis.
A vida interior não é uma
questão de sentimentos, mas de graça divina e de vontade, de amor.
Todos os discípulos foram
capazes de seguir Cristo no seu dia de triunfo em Jerusalém, mas quase todos O
abandonaram à hora do opróbrio da Cruz.
Para amar de verdade é
preciso ser forte, leal, com o coração firmemente engastado na fé, na esperança
e na caridade.
Só as pessoas levianas
mudam caprichosamente o objecto dos seus amores, que não são amores, mas
compensações egoístas.
Quando há amor, há
integridade: capacidade de entrega, de sacrifício, de renúncia.
E no meio da entrega, do
sacrifício e da renúncia, juntamente com o suplício da contradição, a
felicidade e a alegria, uma alegria que nada nem ninguém nos poderá tirar.
Neste torneio de amor não
devem entristecer-nos as quedas, nem sequer as quedas graves, se recorremos a
Deus no Sacramento da Penitência, com dor e com um bom propósito.
O cristão não é um maníaco
coleccionador de folhas imaculadas de bons serviços.
Jesus Cristo Nosso Senhor
comove-se tanto com a inocência e a fidelidade de João como, depois da queda de
Pedro, se enternece com o seu arrependimento.
Jesus compreende a nossa
debilidade e atrai-nos a Si como em plano inclinado, desejando que saibamos
insistir no esforço de subir cada dia um pouco.
Procura-nos, da mesma
forma que procurou os discípulos de Emaús, ou seja, saindo-lhes ao encontro;
como procurou Tomé e lhe mostrou e lhe fez tocar com os seus dedos as chagas
abertas nas mãos e no peito. Jesus Cristo sempre está à espera que voltemos
para Ele, precisamente porque conhece a nossa fraqueza.
(cont)