20/04/2023

Publicações em Abril 20

 


 

Dentro do Evangelho

 

Re Jo III, 31-36

 

31 Aquele que vem do Alto está acima de tudo. Quem é da terra à terra pertence e fala da terra. Aquele que vem do Céu está acima de tudo 32 e dá testemunho daquilo que viu e ouviu, mas ninguém aceita o seu testemunho. 33 Quem aceita o seu testemunho reconhece que Deus é verdadeiro; 34 pois aquele que Deus enviou transmite as palavras de Deus, porque dá o Espírito sem medida. 35 O Pai ama o Filho e tudo põe na sua mão. 36 Quem crê no Filho tem a vida eterna; quem se nega a crer no Filho não verá a vida, mas sobre ele pesa a ira de Deus.

 

Comentários:

 

O Evangelista São João ocupa praticamente um capítulo – o XIII - do Evangelho que escreve a discorrer sobre a conversa de Jesus com o fariseu Nicodemos. É muito importante que o faça para que fique bem claro que o Senhor não Se exime a discorrer em termos e com argumentação de cariz mais elevado – por assim dizer – mas que é o mais indicado para a cultura do ouvinte. Também nós, seguidores de Cristo encarregados por Ele de disseminar por todas as partes a Sua Palavra, temos de fazer um verdadeiro esforço para nos adaptarmos quer às circunstâncias quer às audiências e não nos limitarmos a “papaguear” frases feitas e argumentos genéricos. Uma homilia, palestra ou conferência, tem de ser preparada e pensada detidamente sem o que se estará a faltar ao respeito aos ouvintes como, talvez, as nossas palavras não tenham o impacto e acolhimento que deveriam ter. Não temos que ser “doutores” nem ter qualidades oratórias especiais, bastará sermos honestos, sinceros e pedir a assistência do Espírito Santo.

Há um pormenor interessante na declaração inicial de Nicodemos: ‘sabemos que foste enviado por Deus». Este "sabemos" permite-nos pensar que haveria outros Fariseus e outros principais entre os judeus que partilhavam a mesma opinião que Nicodemos a respeito de Jesus Cristo. É uma conclusão que além de lógica nos deve alegrar muito e, sobretudo, a não aceitar a opinião que TODOS estes estavam contra Cristo.

Não sabemos porque prevaleceu a vontade de dar a morte ao Senhor se por maioria, por temor, ou outra razão qualquer, seja como for, pelo menos dois – José de Arimateia e Nicodemos – demonstraram uma coragem e desassombro que de alguma forma “redime” a atitude dos outros. Ao pedirem a Pilatos o corpo do Senhor e dar-lhe sepultura condigna, obtiveram um lugar entre os que o Senhor consideraria Seus amigos.

Renascer! A resposta de Jesus a Nicodemos que não a compreende de imediato. As pessoas estão mais habituadas a falar das coisas temporais que das do espírito e, portanto, vêm com maior facilidade com os olhos do corpo que com os olhos da alma. O que se trata aqui é do chamado "homem novo" que aparece, por assim dizer, com a ressurreição de Cristo, assumindo com pleno direito a filiação divina. Mas, argumenta-se, antes o homem não era filho de Deus? Realmente, antes, o homem era uma criatura pertencente a Deus, depois, com a Ressurreição, assume o estatuto de Filho deixando de ser uma "posse" para passar afazer parte de uma família: a Família Divina.

Nicodemos não entende que Cristo lhe fala de uma vida nova, a vida dos filhos de Deus. E, naturalmente, fala-lhe da fé imprescindível para acreditar e para, acreditando, renascer. Garante-lhe que o Seu sacrifício na Cruz será o sinal e o penhor dessa nova vida.

A conversa de Jesus com Nicodemos não pode ser mais esclarecedora. O fariseu é, sem dúvida, uma pessoa bem-intencionada e com evidente vontade de conhecer em profundidade a doutrina de Jesus e a Sua Pessoa. Por isso mesmo o Senhor o esclarece num tom e com argumentos que deixam antever uma especial relação entre os dois. Nicodemos é um homem sereno e justo e, para Jesus Cristo, estas são qualidades absolutamente necessárias a quem quer intimar com Ele. Podemos legitimamente presumir que as conversas entre os dois foram inúmeras e que Jesus se comprazia em atender e acolher aquele homem bem-intencionado que O procurava com honestidade intelectual e sinceros desejos de compreender para poder acreditar.

A Cruz – a Cruz de Cristo – ficará para todo o sempre como o sinal do Amor Maior, da Doação Suprema. Não se pode separar Cristo da Cruz porque foi nela que deu a Sua Vida para redenção dos homens e salvação da humanidade. No deserto, os que eram mordidos por serpentes olhavam para a serpente de bronze que Moisés colocara no alto de um poste e ficavam curados, nesta nossa vida corrente, olhamos para a Cristo na Cruz e ficamos curados das nossas dúvidas e medos, sentimos a tranquila certeza de que Ele vela por nós. Ninguém, seja quem for, fica imune ou indiferente a Cristo na Cruz, atrai o olhar de todos, todos têm de O ver.

Esta afirmação de Jesus Cristo: «Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele» contém toda a razão que moveu a Vontade de Deus em enviar o Seu Filho Unigénito ao mundo. O Criador via a que, a criatura humana estava irremediavelmente perdida depois do pecado de Adão e Eva, por si só, fizesse o que fizesse, não poderia salvar-se porque o “fosso” aberto pelo pecado original lhe era impossível de transpor. O Amor de Deus pelas criaturas é de tal ordem que unicamente prevê a sua salvação, ou seja, a sua companhia por toda a eternidade. Mas, esta “decisão” do Senhor tem, talvez, um objectivo principal: teria de ser de tal forma grandiosa, excedendo todo o amor de forma total e definitiva que, a partir desse momento, acontece uma clivagem tão profunda e marcante que a criatura jamais será a mesma. Mantendo a sua liberdade dá-lhe a possibilidade se ser Seu filho verdadeiro e com Ele gozar a bem aventurança eterna.

A Bíblia relata que Deus mandara Moisés colocar no alto de um poste uma serpente de bronze de modo a que quantos fossem mordidos por serpentes a olhassem e ficassem curados. Aqui, Jesus Cristo faz como que uma analogia entre este episódio e a Sua própria crucificação. «Et ego, si exaltatus fuero a terra, omnia traham ad meipsum.» O Crucificado atrai o olhar de toda a humanidade, contemplar a Cruz de Cristo onde nos salvou e redimiu, é um acto de fé e de amor, de gratidão e confiança, é como que o “emblema” que o cristão transporta consigo onde quer que vá, onde quer que esteja. Tal como a tradição refere, “com este sinal… vencerás”, é o estandarte que nos guiará sempre à vitória final que é a conquista do Reino dos Céus.

Já o dissemos, mas, repetimos: Cristo e a Cruz são inseparáveis. Parece que alguns arquitectos ou decoradores de Igrejas, ignoram esta afirmação e, então, vemos imagens de Cristo pendendo de uma parede ou uma Cruz simples, sem o Crucificado. Não pode ser e NUNC COEPI chama a tenção para este assunto. Junto do altar onde se celebra a Santa Missa, - seja de lado, em cima do próprio altar ou atrás deste – tem de existir um Crucifixo bem visível por toda a assembleia.

Também a nós o Senhor nos diz constantemente:
Levanta-te, sai desse torpor, desse comodismo em que estás mergulhado e anda, vem comigo! Muitos estão à tua espera para que os assistas nas suas necessidades, fales de salvação e de esperança, de amor e solidariedade, de fé e confiança. Não fiques deitado quando podes andar, não te detenhas metido em ti mesmo e nos teus problemas. Estão à tua espera para que os ajudes a resolver os deles. Levanta-te! Anda!

A atracção autêntica, real que a Cruz exerce sobre a humanidade torna-se irresistível quando está presente o Amor. Sim, o amor autêntico tal como o do próprio Deus Criador que quis salvar-nos de nós próprios dando-nos o Seu Próprio Filho como garantia desse mesmo Amor. E o Filho levou ainda mais longe – se assim se pode dizer – esse Amor ao oferecer em holocausto a Sua Vida na Cruz. Por mais que alguns tentem fugir-lhe ou negá-la, a Cruz de Cristo está sempre presente e assim permanecerá até ao final dos tempos.

São João é radical, não deixa nada por dizer e escreve o que ouviu da própria boca de Jesus. Então, podemos dizer, que O Senhor É radical? Se radicalismo significa dizer a absoluta verdade sem qualquer desvio ou "nuance" então, podemos dizer que sim. Mais... penso que não poderia ser de outro modo porque, sendo Ele Próprio a Verdade, como poderia dizer e agir diferentemente? A Verdade não se compadece com "meias palavras", talvez para não "chocar" ou não desagradar a alguns, a Verdade é, por isso mesmo, a expressão completa da justiça e, uma vez mais afirmamos, que Deus é a própria Justiça.

São João enfatiza, mais uma vez, que o Amor de Deus pelos homens não conhece limites.Podemos perguntar que Deus é Este que quer, deseja e “paga um preço” tremendo para salvar as criaturas que Lhe pertencem – porque as criou? A resposta parece clara: É um Deus de Amor! Que o homem se salve ou não, passa a depender exclusivamente da vontade própria, Ele, o Criador, pôs à sua disposição os meios necessários e suficientes para que o consiga. Este Deus de Amor também É um Deus de Liberdade! A salvação do homem não acrescenta em nada a Sua Glória Incomensurável, mas compraz o Seu Amor Infinito.

Este mistério da Santíssima Trindade tem sido, ao longo dos tempos, desde que Jesus Cristo o revelou, estudado e meditado por inúmeras pessoas, algumas de enorme craveira, de escassa cultura, outras. Mas, a verdade, é que a revelação de Jesus se dirigia a quantos O escutavam, o povo simples, anónimo, como a todos os outros, incluindo, por exemplo, os Doutores da Lei. Assim devemos pensar que todos estamos incluídos e, sobretudo, acreditar na revelação divina e que um dia tudo se tornará claro e transparente.

Ao baptizar as gentes tal qual João fazia, Jesus Cristo valida e institui o Baptismo. O Sacramento por excelência – poderíamos dizer – porque é aquele que nos converte de simples criaturas em autênticos Filhos de Deus. Quantas crianças por baptizar, meu Deus? Como é possível negar a um inocente essa grandeza, esse extraordinário dom que Deus põe à sua disposição? E se, por falta de fé, ou outro motivo qualquer, não baptizam o filho ou filha ainda crianças, porque não lhes dão – ao longo da juventude - uma oportunidade de saber o que é o Baptismo e poder decidir por si se o quer receber? Então um pai ou uma mãe não há-de querer o melhor para os seus filhos e, se acaso não sabe, não tem o estrito dever de se informar?

As sucessivas traduções dos Evangelhos para várias línguas, colocaram muitas vezes palavras ou expressões que não devem corresponder, no seu sentido lato, às palavras que Jesus terá usado. Será o caso, por exemplo, da expressão: «a ira de Deus permanece sobre ele». A palavra “ira” era muito usada no AT que considerava Deus como uma espécie de chefe guerreiro sempre disposto a usar as forças celestes contra os inimigos do povo escolhido. Bem ao contrário, Jesus Cristo vem dizer que Deus é misericordioso e compassivo e que tudo fará para que o homem tenha suficientes meios e possibilidades de salvação. Perdão e misericórdia em lugar de imposição ou castigo.

As palavras que o Evangelista usa neste pequeno texto, talvez não correspondam exactamente às que o Senhor terá usado. De facto, custa-nos ouvir o Senhor da Misericórdia e Príncipe da Paz falar da "ira de Deus", mas também temos de convir que, naqueles tempos o vocabulário era escasso para expressar sentimentos e, também, não "chocariam" os ouvintes por isso mesmo. Mas, o que verdadeiramente interessa é reter esta verdade que o Senhor expõe com tanta veemência: «Quem acredita no Filho tem a vida eterna; quem, porém, não acredita no Filho não verá a vida».