Dentro
do Evangelho
Re Jo III, 31-36
31 Aquele que vem do Alto
está acima de tudo. Quem é da terra à terra pertence e fala da terra. Aquele
que vem do Céu está acima de tudo 32 e dá testemunho daquilo que viu e ouviu,
mas ninguém aceita o seu testemunho. 33 Quem aceita o seu testemunho reconhece
que Deus é verdadeiro; 34 pois aquele que Deus enviou transmite as palavras de
Deus, porque dá o Espírito sem medida. 35 O Pai ama o Filho e tudo põe na sua
mão. 36 Quem crê no Filho tem a vida eterna; quem se nega a crer no Filho não
verá a vida, mas sobre ele pesa a ira de Deus.
Comentários:
O
Evangelista São João ocupa praticamente um capítulo – o XIII - do Evangelho que
escreve a discorrer sobre a conversa de Jesus com o fariseu Nicodemos. É muito
importante que o faça para que fique bem claro que o Senhor não Se exime a
discorrer em termos e com argumentação de cariz mais elevado – por assim dizer
– mas que é o mais indicado para a cultura do ouvinte. Também nós, seguidores
de Cristo encarregados por Ele de disseminar por todas as partes a Sua Palavra,
temos de fazer um verdadeiro esforço para nos adaptarmos quer às circunstâncias
quer às audiências e não nos limitarmos a “papaguear” frases feitas e
argumentos genéricos. Uma homilia, palestra ou conferência, tem de ser preparada
e pensada detidamente sem o que se estará a faltar ao respeito aos ouvintes
como, talvez, as nossas palavras não tenham o impacto e acolhimento que
deveriam ter. Não temos que ser “doutores” nem ter qualidades oratórias
especiais, bastará sermos honestos, sinceros e pedir a assistência do Espírito
Santo.
Há
um pormenor interessante na declaração inicial de Nicodemos: ‘sabemos que
foste enviado por Deus». Este "sabemos" permite-nos pensar que
haveria outros Fariseus e outros principais entre os judeus que partilhavam a
mesma opinião que Nicodemos a respeito de Jesus Cristo. É uma conclusão que
além de lógica nos deve alegrar muito e, sobretudo, a não aceitar a opinião que
TODOS estes estavam contra Cristo.
Não
sabemos porque prevaleceu a vontade de dar a morte ao Senhor se por maioria,
por temor, ou outra razão qualquer, seja como for, pelo menos dois – José de
Arimateia e Nicodemos – demonstraram uma coragem e desassombro que de alguma
forma “redime” a atitude dos outros. Ao pedirem a Pilatos o corpo do Senhor e
dar-lhe sepultura condigna, obtiveram um lugar entre os que o Senhor
consideraria Seus amigos.
Renascer!
A resposta de Jesus a Nicodemos que não a compreende de imediato. As pessoas
estão mais habituadas a falar das coisas temporais que das do espírito e,
portanto, vêm com maior facilidade com os olhos do corpo que com os olhos da
alma. O que se trata aqui é do chamado "homem novo" que aparece, por
assim dizer, com a ressurreição de Cristo, assumindo com pleno direito a
filiação divina. Mas, argumenta-se, antes o homem não era filho de Deus? Realmente,
antes, o homem era uma criatura pertencente a Deus, depois, com a Ressurreição,
assume o estatuto de Filho deixando de ser uma "posse" para passar
afazer parte de uma família: a Família Divina.
Nicodemos
não entende que Cristo lhe fala de uma vida nova, a vida dos filhos de Deus. E,
naturalmente, fala-lhe da fé imprescindível para acreditar e para, acreditando,
renascer. Garante-lhe que o Seu sacrifício na Cruz será o sinal e o penhor
dessa nova vida.
A
conversa de Jesus com Nicodemos não pode ser mais esclarecedora. O fariseu é,
sem dúvida, uma pessoa bem-intencionada e com evidente vontade de conhecer em
profundidade a doutrina de Jesus e a Sua Pessoa. Por isso mesmo o Senhor o
esclarece num tom e com argumentos que deixam antever uma especial relação
entre os dois. Nicodemos é um homem sereno e justo e, para Jesus Cristo, estas
são qualidades absolutamente necessárias a quem quer intimar com Ele. Podemos
legitimamente presumir que as conversas entre os dois foram inúmeras e que
Jesus se comprazia em atender e acolher aquele homem bem-intencionado que O
procurava com honestidade intelectual e sinceros desejos de compreender para
poder acreditar.
A
Cruz – a Cruz de Cristo – ficará para todo o sempre como o sinal do Amor Maior,
da Doação Suprema. Não se pode separar Cristo da Cruz porque foi nela que deu a
Sua Vida para redenção dos homens e salvação da humanidade. No deserto, os que
eram mordidos por serpentes olhavam para a serpente de bronze que Moisés
colocara no alto de um poste e ficavam curados, nesta nossa vida corrente,
olhamos para a Cristo na Cruz e ficamos curados das nossas dúvidas e medos,
sentimos a tranquila certeza de que Ele vela por nós. Ninguém, seja quem for,
fica imune ou indiferente a Cristo na Cruz, atrai o olhar de todos, todos têm
de O ver.
Esta
afirmação de Jesus Cristo: «Deus não
enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja
salvo por Ele» contém toda a razão que moveu a Vontade de Deus em enviar o
Seu Filho Unigénito ao mundo. O Criador via a que, a criatura humana estava
irremediavelmente perdida depois do pecado de Adão e Eva, por si só, fizesse o
que fizesse, não poderia salvar-se porque o “fosso” aberto pelo pecado original
lhe era impossível de transpor. O Amor de Deus pelas criaturas é de tal ordem
que unicamente prevê a sua salvação, ou seja, a sua companhia por toda a
eternidade. Mas, esta “decisão” do Senhor tem, talvez, um objectivo principal:
teria de ser de tal forma grandiosa, excedendo todo o amor de forma total e
definitiva que, a partir desse momento, acontece uma clivagem tão profunda e
marcante que a criatura jamais será a mesma. Mantendo a sua liberdade dá-lhe a
possibilidade se ser Seu filho verdadeiro e com Ele gozar a bem aventurança
eterna.
A Bíblia relata que Deus mandara Moisés colocar no
alto de um poste uma serpente de bronze de modo a que quantos fossem mordidos
por serpentes a olhassem e ficassem curados. Aqui, Jesus Cristo faz como que
uma analogia entre este episódio e a Sua própria crucificação. «Et ego, si exaltatus fuero a terra, omnia
traham ad meipsum.» O Crucificado atrai o olhar de toda a humanidade,
contemplar a Cruz de Cristo onde nos salvou e redimiu, é um acto de fé e de
amor, de gratidão e confiança, é como que o “emblema” que o cristão transporta
consigo onde quer que vá, onde quer que esteja. Tal como a tradição refere,
“com este sinal… vencerás”, é o estandarte que nos guiará sempre à vitória
final que é a conquista do Reino dos Céus.
Já
o dissemos, mas, repetimos: Cristo e a Cruz são inseparáveis. Parece que alguns
arquitectos ou decoradores de Igrejas, ignoram esta afirmação e, então, vemos
imagens de Cristo pendendo de uma parede ou uma Cruz simples, sem o
Crucificado. Não pode ser e NUNC COEPI chama a tenção para este assunto. Junto
do altar onde se celebra a Santa Missa, - seja de lado, em cima do próprio
altar ou atrás deste – tem de existir um Crucifixo bem visível por toda a
assembleia.
Também
a nós o Senhor nos diz constantemente:
Levanta-te, sai desse torpor, desse comodismo em que estás mergulhado e anda,
vem comigo! Muitos estão à tua espera para que os assistas nas suas
necessidades, fales de salvação e de esperança, de amor e solidariedade, de fé
e confiança. Não fiques deitado quando podes andar, não te detenhas metido em
ti mesmo e nos teus problemas. Estão à tua espera para que os ajudes a resolver
os deles. Levanta-te! Anda!
A atracção autêntica, real que a Cruz exerce sobre a
humanidade torna-se irresistível quando está presente o Amor. Sim, o amor
autêntico tal como o do próprio Deus Criador que quis salvar-nos de nós
próprios dando-nos o Seu Próprio Filho como garantia desse mesmo Amor. E o
Filho levou ainda mais longe – se assim se pode dizer – esse Amor ao oferecer
em holocausto a Sua Vida na Cruz. Por mais que alguns tentem fugir-lhe ou
negá-la, a Cruz de Cristo está sempre presente e assim permanecerá até ao final
dos tempos.
São
João é radical, não deixa nada por dizer e escreve o que ouviu da própria boca
de Jesus. Então, podemos dizer, que O Senhor É radical? Se radicalismo
significa dizer a absoluta verdade sem qualquer desvio ou "nuance"
então, podemos dizer que sim. Mais... penso que não poderia ser de outro modo
porque, sendo Ele Próprio a Verdade, como poderia dizer e agir diferentemente? A
Verdade não se compadece com "meias palavras", talvez para não
"chocar" ou não desagradar a alguns, a Verdade é, por isso mesmo, a
expressão completa da justiça e, uma vez mais afirmamos, que Deus é a própria
Justiça.
São
João enfatiza, mais uma vez, que o Amor de Deus pelos homens não conhece
limites.Podemos perguntar que Deus é Este que quer, deseja e “paga um preço”
tremendo para salvar as criaturas que Lhe pertencem – porque as criou? A
resposta parece clara: É um Deus de Amor! Que o homem se salve ou não, passa a
depender exclusivamente da vontade própria, Ele, o Criador, pôs à sua
disposição os meios necessários e suficientes para que o consiga. Este Deus de
Amor também É um Deus de Liberdade! A salvação do homem não acrescenta em nada
a Sua Glória Incomensurável, mas compraz o Seu Amor Infinito.
Este
mistério da Santíssima Trindade tem sido, ao longo dos tempos, desde que Jesus
Cristo o revelou, estudado e meditado por inúmeras pessoas, algumas de enorme
craveira, de escassa cultura, outras. Mas, a verdade, é que a revelação de
Jesus se dirigia a quantos O escutavam, o povo simples, anónimo, como a todos
os outros, incluindo, por exemplo, os Doutores da Lei. Assim devemos pensar que
todos estamos incluídos e, sobretudo, acreditar na revelação divina e que um
dia tudo se tornará claro e transparente.
Ao
baptizar as gentes tal qual João fazia, Jesus Cristo valida e institui o
Baptismo. O Sacramento por excelência – poderíamos dizer – porque é aquele que
nos converte de simples criaturas em autênticos Filhos de Deus. Quantas
crianças por baptizar, meu Deus? Como é possível negar a um inocente essa
grandeza, esse extraordinário dom que Deus põe à sua disposição? E se, por
falta de fé, ou outro motivo qualquer, não baptizam o filho ou filha ainda
crianças, porque não lhes dão – ao longo da juventude - uma oportunidade de
saber o que é o Baptismo e poder decidir por si se o quer receber? Então um pai
ou uma mãe não há-de querer o melhor para os seus filhos e, se acaso não sabe,
não tem o estrito dever de se informar?
As
sucessivas traduções dos Evangelhos para várias línguas, colocaram muitas vezes
palavras ou expressões que não devem corresponder, no seu sentido lato, às
palavras que Jesus terá usado. Será o caso, por exemplo, da expressão: «a
ira de Deus permanece sobre ele». A palavra “ira” era muito usada no AT que
considerava Deus como uma espécie de chefe guerreiro sempre disposto a usar as
forças celestes contra os inimigos do povo escolhido. Bem ao contrário, Jesus
Cristo vem dizer que Deus é misericordioso e compassivo e que tudo fará para
que o homem tenha suficientes meios e possibilidades de salvação. Perdão e
misericórdia em lugar de imposição ou castigo.
As
palavras que o Evangelista usa neste pequeno texto, talvez não correspondam
exactamente às que o Senhor terá usado. De facto, custa-nos ouvir o Senhor da
Misericórdia e Príncipe da Paz falar da "ira de Deus", mas também
temos de convir que, naqueles tempos o vocabulário era escasso para expressar
sentimentos e, também, não "chocariam" os ouvintes por isso mesmo. Mas,
o que verdadeiramente interessa é reter esta verdade que o Senhor expõe com
tanta veemência: «Quem acredita no Filho
tem a vida eterna; quem, porém, não acredita no Filho não verá a vida».