Cristo que passa 26 a 30
26
Não vos esqueçais de que,
em certas ocasiões, não é possível evitar as zangas entre os esposos.
Nunca discutais diante dos
vossos filhos; fá-los-eis sofrer e eles tomarão o partido de uma das partes,
contribuindo talvez para aumentar inconscientemente a vossa desunião.
Todavia, discutir, desde
que não seja muito frequentemente, é também uma manifestação de amor, quase uma
necessidade.
A ocasião, não o motivo,
costuma ser o cansaço do marido, esgotado pelo seu trabalho profissional; a
fadiga - oxalá não seja o aborrecimento - da mulher que teve de aturar os
filhos e o serviço ou lutar com o seu próprio carácter, às vezes pouco firme;
embora vós, as mulheres, sejais mais firmes que os homens se vos decidis a
isso.
Evitai a soberba, que é o
maior inimigo da vossa vida conjugal: nas vossas pequenas zangas, nenhum dos
dois tem razão.
O que estiver mais sereno
deve dizer uma palavra que guarde o mau humor até mais tarde. E mais tarde - a
sós - discuti, que depois fareis as pazes.
Vós, mulheres, pensai que
talvez vos descuideis um pouco no arranjo pessoal; recordai o provérbio que a
mulher composta tira o homem de outra porta: é sempre actual o dever de
aparecerdes amáveis como quando éreis noivas, dever de justiça porque
pertenceis ao vosso marido; e ele também não se deve esquecer de que é vosso e
de que tem a obrigação de ser, durante toda a vida, afectuoso como um noivo.
Mau sinal, se sorrirdes
com ironia ao lerdes este parágrafo; seria uma demonstração evidente de que o
afecto familiar se tinha convertido em gélida indiferença.
27
Lares luminosos e alegres
Não se pode falar do
matrimónio sem pensar ao mesmo tempo na família, que é o fruto e a continuação
daquilo que se inicia com o matrimónio.
Uma família compõe-se, não
apenas do marido e da mulher, mas também dos filhos e, num grau maior ou menor,
dos avós, dos outros parentes, das empregadas domésticas.
A todos eles há-de chegar
o calor íntimo, do qual depende o ambiente familiar.
É certo que há casais a
quem o Senhor não concede filhos; é sinal de que, nesse caso lhes pede que
continuem a amar-se com igual amor e que dediquem as suas energias - se puderem
- a serviços e tarefas em benefício de outras almas.
O normal, porém, é que um
casal tenha descendência.
Para estes esposos, a
primeira preocupação têm de ser os seus filhos. A paternidade e a maternidade
não terminam com o nascimento; essa participação no poder de Deus, que é a
faculdade de gerar, há-de prolongar-se na cooperação com o Espírito Santo, para
que culmine com a formação de autênticos homens cristãos e autênticas mulheres
cristãs.
Os pais são os principais
educadores dos seus filhos, tanto no aspecto humano como no sobrenatural, e
hão-de sentir a responsabilidade dessa missão, que exige deles compreensão,
prudência, saber ensinar e, sobretudo, saber amar; e devem preocupar-se por dar
bom exemplo.
A imposição autoritária e
violenta não é caminho acertado para a educação.
O ideal para os pais é
chegarem a ser amigos dos filhos; amigos a quem se confiam as inquietações, a
quem se consulta sobre os problemas, de quem se espera uma ajuda eficaz e
amável.
É necessário que os pais
arranjem tempo para estar com os filhos e falar com eles.
Os filhos são o que há de
mais importante; mais importante do que os negócios, do que o trabalho, do que
o descanso.
Nessas conversas, convém
escutá-los com atenção, esforçar-se por compreendê-los, saber reconhecer a
parte de verdade - ou a verdade inteira - que possa haver em algumas das suas
rebeldias.
E, ao mesmo tempo, apoiar
as suas aspirações, ensiná-los a ponderar as coisas e a raciocinar; não lhes
impor uma conduta, mas mostrar-lhes os motivos, sobrenaturais e humanos, que a
aconselham.
Numa palavra, respeitar a
sua liberdade, já que não há verdadeira educação sem responsabilidade pessoal,
nem responsabilidade sem liberdade.
28
Os pais educam
fundamentalmente com a conduta.
O que os filhos e as
filhas procuram no seu pai ou na sua mãe, não são apenas conhecimentos mais
amplos do que os seus ou conselhos mais ou menos acertados, mas algo de maior
importância: um testemunho do valor e do sentido da vida, encarnados numa
existência concreta e confirmados nas diversas circunstâncias e situações que
se sucedem ao longo dos anos.
Se eu tivesse de dar um
conselho aos pais, dar-lhes-ia sobretudo este: que os vossos filhos vejam (não
tenhais ilusões: desde crianças, vêem tudo e julgam-no) que procurais viver de
acordo com a vossa fé, que Deus não está só nos vossos lábios, que está nas
vossas obras; que vos esforçais por serdes sinceros e leias, que vos amais e os
amais a eles realmente.
Assim é que contribuireis
melhor para fazer deles homens e mulheres íntegros, capazes de enfrentar com
espírito aberto as situações que a vida lhes depare, de servir os seus
concidadãos e de contribuir para a solução dos grandes problemas da humanidade,
levando o testemunho de Cristo aonde mais tarde venham a encontrar-se na
sociedade.
29
Escutai os vossos filhos,
dedicai-lhes também o vosso tempo, mostrai que tendes confiança neles;
acreditai em tudo o que vos disserem, mesmo que alguma vez vos enganem; não vos
assusteis com as suas rebeldias, pois também vós, na idade deles, fostes mais
ou menos rebeldes; ide ao seu encontro, até meio do caminho, e rezai por eles.
E vereis que recorrerão aos seus pais com simplicidade - podeis ter a certeza
disso, se actuais cristãmente - em vez de irem ter, para satisfazer as suas
legítimas curiosidades, com um amigalhote desavergonhado ou brutal.
A vossa confiança, a vossa
relação amigável com os filhos, receberá como resposta a sinceridade deles para
convosco; e isto, mesmo que não faltem disputas e incompreensões de pouca
monta, é a paz familiar, a vida cristã.
Como descreverei - como um
escritor dos primeiros séculos - a felicidade desse matrimónio que a Igreja
une, que a entrega confirma, que a bênção sela, que os Anjos proclamam e que
Deus Pai tem por celebrado?...
Ambos os esposos são como
irmãos, servos um do outro, sem que entre eles se dê a separação alguma, nem na
carne nem no espírito. Porque verdadeiramente são dois numa só carne e onde há
uma só carne deve haver um só espírito...
Ao contemplar esses lares,
Cristo alegra-Se e envia-lhes a Sua paz; onde estão dois, aí está também Ele, e
onde está Ele não pode haver nada de mau.
30
Procurámos resumir e
comentar alguns dos traços desses lares em que se reflecte a luz de Cristo e
que são, por isso, luminosos e alegres, repito; nos quais a harmonia que reina
entre os pais se transmite aos filhos, à família inteira e a todos os ambientes
que a envolvem.
Assim, em cada família
autenticamente cristã reproduz-se de algum modo o mistério da Igreja, escolhida
por Deus e enviada como guia do mundo.
A todos os cristãos,
qualquer que seja a sua condição - sacerdotes ou leigos, casados ou solteiros -
se aplicam plenamente as palavras do Apóstolo que se lêem precisamente na
epístola da festa da Sagrada Família: escolhidos de Deus, santos e amados.
É isso mesmo o que somos
todos, cada um no seu lugar e na sua tarefa no mundo: homens e mulheres
escolhidos por Deus para dar testemunho de Cristo e levar aos que nos rodeiam a
alegria de se saberem filhos de Deus, apesar dos nossos erros e procurando
lutar contra eles.
É muito importante que o
sentido vocacional do matrimónio nunca falte, tanto na catequese e na pregação
como na consciência daqueles a quem Deus quer levar por esse caminho, porque
estão real e verdadeiramente chamados a integrar-se nos desígnios divinos da
salvação de todos os homens.
Por isso, talvez não possa
apresentar-se aos esposos cristãos melhor modelo que o das famílias dos tempos
apostólicos: o centurião Cornélio, que foi dócil à vontade de Deus e em cuja
casa se consumou a abertura da Igreja aos gentios; Áquila e Priscila, que
difundiram o cristianismo em Corinto e em Éfeso, e que colaboraram no
apostolado de S. Paulo; Tabita, que com a sua caridade assistiu aos
necessitados de Jope...
E tantos outros lares de
judeus e de gentios, de gregos e de romanos, nos quais lançou raízes a pregação
dos primeiros discípulos do Senhor.
Famílias que viveram de
Cristo e que deram a conhecer Cristo. Pequenas comunidades cristãs que foram
centros de irradiação da mensagem evangélica.
Lares iguais aos outros
lares daqueles tempos, mas animados de um espírito novo que contagiava aqueles
que os conheciam e com eles conviviam.
Assim foram os primeiros
cristãos e assim havemos de ser os cristãos de hoje: semeadores de paz e de
alegria, da paz e da alegria que Cristo nos trouxe.
(continua)