Tempo comum XXVII Semana
Evangelho:
Lc 11, 5-13
5 Disse-lhes mais:
«Se algum de vós tiver um amigo, e for ter com ele à meia-noite para lhe dizer:
Amigo, empresta-me três pães, 6 porque um meu amigo acaba de chegar
a minha casa de uma viagem e não tenho nada que lhe dar; 7 e ele,
respondendo lá de dentro, disser: Não me incomodes, a porta está agora fechada,
os meus filhos e eu estamos deitados; não me posso levantar para tos dar; 8
digo-vos que, ainda que ele não se levantasse a dar-lhos por ser seu amigo,
certamente pela sua impertinência se levantará e lhe dará tudo aquilo de que
precisar. 9 Eu digo-vos: Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e encontrareis;
batei, e abrir-se-vos-á. 10 Porque todo aquele que pede, recebe;
quem procura, encontra; e ao que bate, se lhe abrirá.11 «Qual de
entre vós é o pai que, se um filho lhe pedir pão, lhe dará uma pedra? Ou, se
lhe pedir um peixe, em vez de peixe, lhe dará uma serpente? 12 Ou,
se lhe pedir um ovo, porventura dar-lhe-á um escorpião? 13 Se pois
vós, sendo maus, sabeis dar boas coisas aos vossos filhos, quanto mais o vosso
Pai celestial dará o Espírito Santo aos que Lho pedirem».
Comentário:
Lamentamo-nos muitas vezes a respeito
da falta de resposta do Senhor às nossas petições.
Como se Ele estivesse voluntariamente
surdo ou distraído.
É muito importante que tenhamos claro que pedimos o que julgamos nos convém
mesmo que na verdade assim não seja.
O Senhor conhece-nos intimamente e
saberá sempre decidir com absoluta justiça o que irá ou não conceder.
Portanto, não desistamos nunca.
(ama, comentário sobre LC 11 5-13,
2014.10.09)
Leitura espiritual
São Josemaria Escrivá
Temas actuais do cristianismo
10
pergunta:
Desde
há muitos anos que tem vindo a dizer e a escrever que a vocação dos leigos
consiste em três coisas: “santificar o trabalho, santificar-se no trabalho e
santificar os outros com o trabalho”.
Poderia
precisar-nos o que entende exactamente por santificar o trabalho?
resposta:
É
difícil explicá-lo em poucas palavras, porque nessa expressão estão implicados
conceitos fundamentais da própria teologia da Criação.
O
que sempre ensinei - desde há quarenta anos - é que todo o trabalho humano
honesto, tanto intelectual como manual, deve ser realizado pelo cristão com a
maior perfeição possível: com perfeição humana (competência profissional) e com
perfeição cristã (por amor à vontade de Deus e em serviço dos homens).
Porque,
feito assim, esse trabalho humano, por humilde e insignificante que pareça,
contribui para a ordenação cristã das realidades temporais - a manifestação da
sua dimensão divina - e é assumido e integrado na obra prodigiosa da Criação e
da Redenção do mundo: eleva-se assim o trabalho à ordem da graça, santifica-se,
converte-se em obra de Deus, operatio Dei,
opus Dei.
Ao
recordar aos cristãos as palavras maravilhosas do Génesis - que Deus criou o
homem para que trabalhasse -, fixámo-nos no exemplo de Cristo, que passou a
quase totalidade da sua vida terrena trabalhando numa aldeia como artesão.
Amamos
esse trabalho humano que Ele abraçou como condição de vida, e cultivou e
santificou.
Vemos
no trabalho - na nobre e criadora fadiga dos homens - não só um dos mais altos
valores humanos, meio imprescindível para o progresso da sociedade e o
ordenamento cada vez mais justo das relações entre os homens, mas também um
sinal do amor de Deus para com as suas criaturas e do amor dos homens entre si
e para com Deus: um meio de perfeição, um caminho de santificação.
Por
isso, o único objectivo do Opus Dei sempre foi este: contribuir para que, no
meio do mundo, das realidades e afãs seculares, homens e mulheres de todas as
raças e de todas as condições sociais procurem amar e servir a Deus e a todos
os outros, no seu trabalho ordinário e através dele.
11
pergunta:
O
n. 5 do Decreto Apostolicam actuositatem
afirmou claramente que a animação cristã da ordem temporal é missão de toda a
Igreja. Compete, pois, a todos: à Hierarquia, ao clero, aos religiosos e aos
leigos.
Poderia
dizer-nos como vê o papel e as características de cada um desses sectores
eclesiais nessa missão única e comum?
resposta:
Na
realidade, a resposta encontra-se nos próprios textos conciliares. À Hierarquia
compete indicar - como parte do seu magistério - os princípios doutrinais que
hão-de presidir e iluminar a realização dessa tarefa apostólica [i].
Aos
leigos, que trabalham imersos em todas as circunstâncias e estruturas próprias
da vida secular, corresponde de forma específica a tarefa, imediata e directa,
de ordenar essas realidades temporais à luz dos princípios doutrinais
enunciados pelo Magistério; mas actuando, ao mesmo tempo, com a necessária
autonomia pessoal perante as decisões concretas que tenham de tomar na sua vida
social, familiar, política, cultural, etc. [ii]
Quanto
aos religiosos, que se apartam dessas realidades e actividades seculares
abraçando um estado de vida peculiar, a sua missão é dar um testemunho
escatológico público que ajude a recordar aos restantes fiéis do Povo de Deus
que não têm nesta terra morada permanente [iii].
E
não pode esquecer-se ainda que também servem a animação cristã da ordem
temporal, as numerosas obras de beneficência, de caridade e assistência social
que tantos religiosos e religiosas realizam com abnegado espírito de
sacrifício.
12
pergunta:
Uma
característica de toda a vida cristã - seja qual for o caminho através do qual
se realize - é a “dignidade e a liberdade dos filhos de Deus”.
A
que se refere, pois, quando ao longo de todos os seus ensinamentos defende tão
insistentemente a liberdade dos leigos?
resposta:
Refiro-me
precisamente à liberdade pessoal que os leigos têm para tomar, à luz dos
princípios enunciados pelo Magistério, todas as decisões concretas de ordem
teórica ou prática - por exemplo, em relação às diversas opiniões filosóficas,
económicas ou políticas, às correntes artísticas e culturais, aos problemas da
sua vida profissional ou social, etc. - que cada um julgue em consciência mais
convenientes e mais de acordo com as suas convicções pessoais e aptidões humanas.
Este
necessário âmbito de autonomia que o leigo católico necessita para não ficar
capitidiminuído perante os outros leigos, e para poder levar a cabo, com
eficácia, a sua peculiar tarefa apostólica no meio das realidades temporais,
deve ser sempre cuidadosamente respeitado por todos os que na Igreja exercemos
o sacerdócio ministerial.
A
não ser assim - se se pretendesse instrumentalizar o leigo para fins que
ultrapassam os que são próprios do ministério hierárquico - incorrer-se-ia num
anacrónico e lamentável clericalismo.
Limitar-se-iam
enormemente as possibilidades apostólicas do laicado - condenando-o a perpétua
imaturidade -, mas sobretudo pôr-se-iam em perigo - hoje, especialmente - os
próprios conceitos de autoridade e de unidade na Igreja.
Não
podemos esquecer que a existência, também entre os católicos, de um autêntico
pluralismo de critério e de opinião, nas coisas que Deus deixou à livre
discussão dos homens, não só se não opõe à ordenação hierárquica e à necessária
unidade do Povo de Deus, mas ainda as robustece e as defende contra possíveis
impurezas.
13
pergunta:
Sendo
tão diversas na sua realização prática a vocação do leigo e a do religioso -
ainda que tenham de comum, evidentemente, a vocação cristã -, como é possível
que os religiosos, nas suas actividades docentes, etc., possam formar os
cristãos correntes num caminho verdadeiramente laical?
resposta:
Será
possível na medida em que os religiosos - cuja benemérita actividade ao serviço
da Igreja admiro sinceramente - se esforcem por compreender bem quais são as
características e as exigências da vocação laical para a santidade e o apostolado
no meio do mundo, e as queiram e saibam ensinar aos alunos.
14
pergunta:
Com
certa frequência ao falar do laicado, costuma-se esquecer a realidade da
presença da mulher e com isto esfuma-se o seu papel na Igreja.
Igualmente,
ao tratar-se da “promoção social da mulher”, é costume entendê-la simplesmente
como presença da mulher na vida pública. Poderia dizer-nos como entende a
missão da mulher na Igreja e no mundo?
resposta:
Não
vejo nenhuma razão pela qual, ao falar do laicado, - da sua vida apostólica, de
direitos e deveres, etc. - se deva fazer qualquer espécie de distinção ou
discriminação em relação à mulher.
Todos
os baptizados - homens e mulheres - participam igualmente da comum dignidade,
liberdade e responsabilidade dos filhos de Deus. Na Igreja existe esta unidade
radical e necessária que já São Paulo ensinava aos primeiros cristãos: Quicumque enim in Christo baptizati estis,
Christum induistis. Non est Judaeus, neque Graecus: non est servus, neque
liber. non est masculus, neque femina[iv];
não há judeu, nem grego; não há servo, nem livre, não há homem, nem mulher.
Exceptuando
a capacidade jurídica de receber ordens sagradas - distinção que por muitas
razões, também de direito divino positivo, considero que se deve reter -, penso
que se devem reconhecer plenamente à mulher na Igreja - na sua legislação, na
sua vida interna e na sua acção apostólica - os mesmos direitos e deveres que
aos homens: direito ao apostolado, a fundar e a dirigir associações, a
manifestar responsavelmente a sua opinião em tudo o que se refira ao bem comum
da Igreja, etc.
Bem
sei que tudo isto - que teoricamente não é difícil de admitir se se
considerarem as claras razões teológicas que o apoiam - encontrará, de facto
resistência por parte de algumas mentalidades.
Ainda
recordo o assombro e até a crítica com que determinadas pessoas - que, agora,
pelo contrário, tendem a imitar, nisto como em tantas outras coisas -
comentaram o facto de o Opus Dei procurar que adquirissem graus académicos em
ciências sagradas também as mulheres que pertencem à Secção feminina da nossa
Associação.
Penso,
no entanto, que estas resistências e reticências irão caindo a pouco e pouco.
No
fundo é só um problema de compreensão eclesiológica: reparar que a Igreja não é
formada só pelos clérigos e religiosos, mas que também os leigos - homens e
mulheres - são Povo de Deus e têm, por direito divino, uma missão e
responsabilidade próprias.
Mas
desejaria acrescentar que, a meu ver, a igualdade essencial entre o homem e a
mulher exige precisamente que se saibam captar ao mesmo tempo os papéis
complementares de um e outro na edificação da Igreja e no progresso da
sociedade civil: porque não foi em vão que os criou Deus homem e mulher.
Esta
diversidade há-de compreender-se não num sentido patriarcal, mas em toda a
profundidade que tem, tão rica de matizes e consequências, que liberta o homem
da tentação de masculinizar a Igreja e a sociedade, e a mulher de entender a
sua missão, no Povo de Deus e no mundo, como uma simples reivindicação de
actividades até agora apenas realizadas pelo homem, mas que ela pode
desempenhar igualmente bem.
Parece-me,
pois, que tanto o homem como a mulher se hão-de sentir justamente protagonistas
da história da salvação, mas um e outro de forma complementar.
Entrevista realizada por Pedro
Rodríguez, publicada em Palabra (Madrid), Outubro de 1967
(cont)
[i] (cf. Const. Lumen
gentíum, n.º 28; Const. Gaudium et spes, n.º 43; Decr. Apostolicam
actuositatem, n.º 24).
[ii] (cfr. Const. Lumen
gentium, n.º 31; Const. Gaudium et spes, n.º 43; Decr. Apostolicam
actuositatem, n.º 7).
[iii] (cfr. Const. Lumen
gentium, n.º 44; Decr. Perfectae caritatis, n.º 5)