20/09/2019

Leitura espiritual


São Josemaria Escrivá


Amigos de Deus


304 
       
A Santa Cruz

Afã de adoração, ânsias de desagravo com sossegada suavidade e com sofrimento.
Far-se-á vida na nossa vida a afirmação de Jesus: aquele que não toma a sua cruz para me seguir, não é digno de mim.
E Nosso Senhor manifesta-se-nos cada vez mais exigente, pede-nos reparação e penitência, até nos fazer experimentar o fervoroso desejo de querer viver para Deus, pregado na cruz juntamente com Cristo.
Mas guardamos este tesouro em vasos de barro frágil e quebradiço, para que se reconheça que a grandeza do poder que se vê em nós é de Deus e não nossa.

Vemo-nos acossados por toda a espécie de atribulações e nem por isso perdemos o ânimo; encontramo-nos em grandes apuros, mas não de­sesperados, ou sem recursos; somos perseguidos, mas não desamparados; abatidos, mas não inteiramente perdidos: trazemos sempre no nosso corpo por toda a parte a mortificação de Jesus.

Parece-nos, além disso, que Nosso Senhor não nos escuta, que andamos enganados, que só se ouve o monólogo da nossa voz. Encontramo-nos como se não tivéssemos apoio na terra e fossemos abandonados pelo Céu.
No entanto, é verdadeiro e prático o nosso horror ao pecado, mesmo ao pecado venial.
Com a obstinação da Cananeia, prostramo-nos rendidamente como ela, que O adorou, implorando: Senhor, socorre-me.
E desaparece a obscuridade, superada pela luz do Amor.

305     
   
É a hora de clamar: lembra-Te das promessas que me fizeste, para me encher de esperança; isto consola-me no meu nada e enche o meu viver de fortaleza. ~
Nosso Senhor quer que contemos com Ele para tudo: vemos com evidência que sem Ele nada podemos e que com Ele podemos tudo.
E confirma-se a nossa decisão de andar sempre na Sua presença.

Com a claridade de Deus no entendimento, que parece inactivo, torna-se-nos indubitável que, se o Criador cuida de todos - mesmo dos ini­migos -, quanto mais cuidará dos amigos!
Convencemo-nos que não há mal nem contradição que não venham por bem: assim assentam com mais firmeza, no nosso espírito, a alegria e a paz que nenhum motivo humano poderá arrancar-nos, porque estas visitas deixam sempre em nós algo de Seu, algo divino. Louvaremos o Senhor Nosso Deus que efectuou em nós coisas admiráveis e compreenderemos que fomos criados com capacidade de possuir um tesouro infinito.

306
        
A Santíssima Trindade

Tínhamos começado com orações vocais, simples, encantadoras, que aprendemos na nossa meninice e que gostaríamos de não perder jamais.
A oração, que começou com essa ingenuidade pueril, desenvolve-se agora em caudal largo, manso e seguro, porque acompanha a nossa amizade com Aquele que afirmou: Eu sou o caminho.
Se amarmos Cristo assim, se com divino atrevimento nos refugiarmos na abertura que a lança deixou no Seu peito, cumprir-se-á a promessa do Mestre: qualquer que me ame observará a minha doutrina e meu Pai o amará e viremos a ele e nele faremos morada.

O coração sente então a necessidade de distinguir e adorar cada uma das pessoas divinas.
De certo modo, é uma descoberta que a alma faz na vida sobrenatural, como as de uma criancinha que vai abrindo os olhos à existência. E entretém-se amorosamente com o Pai e com o Filho e com o Espírito Santo; e submete-se facilmente à actividade do Paráclito vivificador, que se nos entrega sem o merecermos: os dons e as virtudes sobrenaturais!

307
        
Corremos como o veado que anseia pelas fontes da água; com sede, a boca gretada pela secura.
Queremos beber nesse manancial de água viva. Sem atitudes extrava­gantes, mergulhamos ao longo do dia nesse caudal abundante e claro de águas frescas que saltam até à vida eterna.
As palavras tornam-se supérfluas, porque a língua não consegue expressar-se; o entendimento aquieta-se.
Não se discorre, olha-se!
E a alma rompe outra vez a cantar um cântico novo, porque se sente e se sabe também olhada amorosamente por Deus a toda a hora.

Não me refiro a situações extraordinárias.
São, podem muito bem ser, fenómenos ordinários da nossa alma: uma loucura de amor que, sem espectáculo, sem extravagâncias, nos ensina a sofrer e a viver, porque Deus nos concede a Sabedoria.
Que serenidade, que paz então, metidos no caminho estreito que conduz à vida.

308
        
Ascética?
Mística?
Não me interessa.
Seja o que for, ascética ou mística, que importa?
É mercê de Deus.
Se procuras meditar, o Senhor não te negará a sua assistência.
Fé e obras de fé!
Obras, porque o Senhor - tu já reparaste nisso desde o princípio e eu já to fiz notar a seu tempo - cada dia é mais exigente.
Isto já é contemplação e união; e assim há-de ser a vida de muitos cristãos, avançando cada um pela sua própria via espiritual - são infinitas - no meio dos afazeres deste mundo, mesmo sem se darem conta disso.

Uma oração e uma conduta que não nos afastam das nossas actividades correntes, que nos conduzem a Nosso Senhor no meio dos nossos nobres empenhos terrenos.
Ao elevar a Deus todas essas ocupações, a criatura diviniza o mundo. Tenho falado tantas vezes do mito do rei Midas que convertia em ouro tudo aquilo em que tocava!
Podemos converter em ouro de méritos sobrenaturais tudo o que tocamos, apesar dos nossos erros pessoais.

309
        
Assim actua o Nosso Deus.
Quando aquele filho regressa, depois de ter gasto o seu dinheiro, vi­vendo mal, depois - sobretudo - de se ter esquecido do pai, o pai diz: depressa, trazei aqui o vestido mais rico e vesti-lho e colocai-lhe um anel no dedo; calçai-lhe as sandálias.
Tomai um vitelo gordo, matai-o e comamos e celebremos um banquete.
O Nosso Pai, Deus, quando recorremos a Ele com arrependimento, tira riqueza da nossa miséria e força da nossa debilidade.
Que preparará para nós, se não O abandonarmos, se O procurarmos todos os dias, se Lhe dirigirmos palavras carinhosas confirmadas pelas nossas acções, se Lhe pedirmos tudo, confiados na Sua omnipotência e na Sua misericórdia?
Só por o filho voltar a Ele, depois de o atraiçoar, prepara um banquete. Que nos concederá, a nós, que procurámos ficar sempre ao Seu lado?

Longe da nossa conduta, portanto, a lembrança das ofensas que nos tenham feito, das humilhações que tenhamos padecido - por mais injustas, grosseiras e rudes que tenham sido - porque é impróprio de um filho de Deus ter um registo preparado para apresentar depois uma lista de ofensas.
Não podemos esquecer o exemplo de Cristo.
Não se muda a nossa fé cristã como quem muda um vestido: pode enfraquecer ou robustecer-se ou perder-se.
Com esta vida sobrenatural revigora-se a fé e a alma aterra-se ao considerar a miserável nudez humana sem o auxílio divino.
E perdoa e agradece: meu Deus, se contemplo a minha pobre vida não encontro nenhum motivo de vaidade e menos ainda de soberba; só encontro abundantes razões para viver sempre humilde e compungido.
Sei bem que a melhor nobreza é servir.

310
        
Oração viva

Levantar-me-ei e percorrerei a cidade: pelas ruas e praças procurarei aquele que amo...
E não apenas a cidade; correrei o mundo de lés a lés - por todas as nações, por todos os povos, por carreiros e atalhos - para conquistar a paz da minha alma.
E descubro-a nas ocupações diárias, que não me servem de estorvo; que são - pelo contrário - o caminho e a ocasião de amar cada vez mais e de cada vez mais me unir a Deus.

E quando a tentação do desânimo, dos contrastes, da luta, da tribula­ção, de uma nova noite da alma nos ataca -violenta -, o salmista põe-nos nos lábios e na inteligência aquelas palavras: estou com Ele no tempo da adversidade.
Jesus, perante a Tua Cruz, que vale a minha; perante as Tuas feridas, os meus arranhões?
Perante o Teu Amor imenso, puro e infinito, que vale o minúsculo fardo que Tu colocaste sobre os meus ombros?
E os vossos corações e o meu enchem-se de uma santa avidez, confessando-Lhe - com obras - que morremos de Amor.

Nasce uma sede de Deus, uma ânsia de compreender as Suas lágrimas; de ver o Seu sorriso, o Seu rosto...
Julgo que o melhor modo de o exprimir é voltar a repetir, com a Escritura: como o veado deseja a fonte das águas, assim a minha alma te anela, ó meu Deus!
E a alma avança, metida em Deus, endeusada: o cristão tornou-se um viajante sedento, que abre a boca às águas da fonte.

311 
       
Com esta entrega, o zelo apostólico ateia-se, aumenta dia-a-dia - pegando esta ânsia aos outros - porque o bem é difusivo.
Não é possível que a nossa pobre natureza, tão perto de Deus, não arda em desejos de semear no mundo inteiro a alegria e a paz, de regar tudo com as águas redentoras que brotam do lado aberto de Cristo, de começar e acabar todas as tarefas por Amor.

Falava antes de dores, de sofrimentos, de lágrimas.
E não me contradigo se afirmo que, para um discípulo que procura amorosamente o Mestre, é muito diferente o sabor das tristezas, das penas, das aflições: desaparecem imediatamente, quando aceitamos deveras a Vontade de Deus, quando cumprimos com gosto os Seus desígnios, como filhos fiéis, ainda que os nervos pareçam rebentar e o suplício pareça insuportável.

(cont)


Temas para reflectir e meditar


Pobreza 


Uma das primeiras manifestações da pobreza evangélica é utilizar os bens como meios.





(A. Tanquerey, Compendio de Teologia Ascética e Mística, Palabra, Madrid, 1990, nr. 897, trad. ama)




Pequena agenda do cristão

Sexta-Feira


(Coisas muito simples, curtas, objectivas)




Propósito:

Contenção; alguma privação; ser humilde.


Senhor: Ajuda-me a ser contido, a privar-me de algo por pouco que seja, a ser humilde. Sou formado por este barro duro e seco que é o meu carácter, mas não Te importes, Senhor, não Te importes com este barro que não vale nada. Parte-o, esfrangalha-o nas Tuas mãos amorosas e, estou certo, daí sairá algo que se possa - que Tu possas - aproveitar. Não dês importância à minha prosápia, à minha vaidade, ao meu desejo incontido de protagonismo e evidência. Não sei nada, não posso nada, não tenho nada, não valho nada, não sou absolutamente nada.

Lembrar-me:
Filiação divina.

Ser Teu filho Senhor! De tal modo desejo que esta realidade tome posse de mim, que me entrego totalmente nas Tuas mãos amorosas de Pai misericordioso, e embora não saiba bem para que me queres, para que queres como filho a alguém como eu, entrego-me confiante que me conheces profundamente, com todos os meus defeitos e pequenas virtudes e é assim, e não de outro modo, que me queres ao pé de Ti. Não me afastes, Senhor. Eu sei que Tu não me afastarás nunca. Peço-Te que não permitas que alguma vez, nem por breves instantes, seja eu a afastar-me de Ti.

Pequeno exame:

Cumpri o propósito que me propus ontem?




Evangelho e comentário


TEMPO COMUM



Evangelho: Lc 8, 1-3

Naquele tempo, Jesus ia caminhando por cidades e aldeias, a pregar e a anunciar a boa nova do reino de Deus. Acompanhavam-n’O os Doze, bem como algumas mulheres que tinham sido curadas de espíritos malignos e de enfermidades. Eram Maria, chamada Madalena, de quem tinham saído sete demónios, Joana, mulher de Cusa, administrador de Herodes, Susana e muitas outras, que serviam Jesus e os discípulos com os seus bens.

Comentário:

A mulher esteve sempre presente na história humana.
Segundo o Génesis, quando o Criador decidiu que não era conveniente que o homem estivesse sozinho e, por isso, criou uma companheira conveniente, Eva, tornou-se a Mãe de todo o género humano.

A dignidade da mulher – da Mãe - assume o seu cume quando a Virgem Maria aceita ser a Mãe do Salvador do Mundo.

Em cada mulher, em cada Mãe, devemos respeitar e, até, venerar com especial ternura essa criatura excelente que, talvez por ser mais débil fisicamente que o homem, é muitas vezes relegada para segundo plano ou, até, vítima de desprezo e rebaixamento.

Não seria possível a propagação do género humano sem o concurso inestimável da mulher.

(AMA, comentário sobre Lc 8,1-3, 22.07.2017)

Leva-me pela tua mão, Senhor


Há uma quantidade muito considerável de cristãos que seriam apóstolos... se não tivessem medo. São os mesmos que depois se queixam, porque o Senhor (dizem eles!) os abandona... Que fazem eles com Deus? (Sulco, 103)

Também a nós nos chama e nos pergunta como a Tiago e João: Potestis bibere calicem quem ego bibiturus sum?; estais dispostos a beber o cálice (este cálice da completa entrega ao cumprimento da vontade do Pai) que eu vou beber? "Possumus"!. Sim, estamos dispostos! – é a resposta de João e Tiago... 
Vós e eu, estamos dispostos seriamente a cumprir, em tudo, a vontade do nosso Pai, Deus? Demos ao Senhor o nosso coração inteiro ou continuamos apegados a nós mesmos, aos nossos interesses, à nossa comodidade, ao nosso amor-próprio? Há em nós alguma coisa que não corresponda à nossa condição de cristãos e que nos impeça de nos purificarmos? Hoje apresenta-se-nos a ocasião de rectificar.

É necessário que nos convençamos de que Jesus nos dirige pessoalmente estas perguntas. É Ele que as faz, não eu. Eu não me atreveria a fazê-las a mim próprio. Eu vou continuando a minha oração em voz alta e vós, cada um de vós, por dentro, está confessando ao Senhor: Senhor, que pouco valho! Que cobarde tenho sido tantas vezes! Quantos erros! Nesta ocasião e naquela... nisto e naquilo... E podemos exclamar também: ainda bem, Senhor, que me tens sustentado com a tua mão, porque eu sinto-me capaz de todas as infâmias... Não me largues, não me deixes; trata-me sempre como um menino. Que eu seja forte, valente, íntegro. Mas ajuda-me, como a uma criatura inexperiente. Leva-me pela tua mão, Senhor, e faz com que tua Mãe esteja também a meu lado e me proteja. E assim, possumus!, poderemos, seremos capazes de ter-Te por modelo! (Cristo que passa, 15)