A
Igreja celebra hoje a festa de São Marcos Evangelista.
São
Marcos: foste discípulo de Jesus. Eras muito jovem por isso ficou bem gravada
em ti a figura inconfundível do Mestre. Nunca terás esquecido a cena de
Getzemani onde deixaste nas mãos dos captores o lençol que te cobria e fugiste
nu. Que eu retenha esta lição: que para fugir do inimigo, da tentação, não
convém muita roupagem mas, sim, o desprendimento total dos bens, das coisas,
tudo por onde possa ser "agarrado".
«Ide
e ensinai o Evangelho a todas as gentes». Senhor, que eu tenha presente
este mandato que estabeleces-Te como "obrigação" e dever de todos os
baptizados no Teu Nome. Que eu saiba sempre, com ânimo, dedicação e entrega,
fazer o que me compete, obedecendo às instruções que me são dadas, sempre
consciente que é em Teu Nome e não por mim, que o devo fazer.
A
tradição antiga, que remonta ao séc. II, atribui o texto deste Evangelho a
Marcos, identificado com João Marcos, filho de Maria, em cuja casa os cristãos
se reuniam para orar. (Act 12,12) Com
Barnabé, seu primo, Marcos acompanha Paulo durante algum tempo na primeira
viagem missionária (Act 13,5.13; 15,37.39) e,
depois, aparece com ele, prisioneiro em Roma. (Cl
4,10) Mas liga-se mais a Pedro, que o trata por “meu filho”
na saudação final da sua Primeira Carta. (1 Pe 5,13)
Marcos terá escrito o Evangelho pouco antes da destruição de Jerusalém, que
aconteceu no ano 70.
O
LIVRO
O
Evangelho de Marcos reflecte a catequese que Pedro, testemunha presencial dos
acontecimentos, espontâneo e atento, ministrava à sua comunidade de Roma. É o
mais breve dos quatro e situa-se no Cânon entre os dois mais extensos, Mateus e
Lucas, e a seguir a Mateus, o de maior uso na Igreja. Até ao séc. XIX, Marcos
foi pouco estudado e comentado, para não dizer praticamente esquecido. Santo
Agostinho considerava-o como um resumo de Mateus.
A
investigação mais aprofundada desde o século passado, à volta da origem dos
Evangelhos, trouxe Marcos à luz da ribalta; hoje, é geralmente considerado o
mais antigo dos quatro. Na verdade, supõe uma fase mais primitiva da reflexão
da Igreja acerca do Acontecimento Cristo, que lhe deu origem; e só ele conserva
o esquema da mais antiga pregação apostólica, sintetizada em Actos 1,22: começa
com o baptismo de João (1,4) e
termina com a Ascensão do Senhor. (16,19)
É
comum afirmar-se que todos os outros Evangelhos, sobretudo os Sinópticos,
supõem e utilizaram mais ou menos o texto de Marcos, assim como o seu esquema
histórico-geográfico da vida pública de Jesus: Galileia, Viagem para Jerusalém,
Jerusalém.
CARACTERÍSTICAS
LITERÁRIAS
Revelando
certa pobreza de vocabulário e uma sintaxe menos cuidada, Marcos é parco em
discursos; apresenta apenas dois: o capítulo das parábolas (cap.
4)
e o discurso escatológico. (cap. 13) Mas
tem muitas narrações. É exímio na arte de contar: fá-lo com realismo e sentido
do concreto, enriquece os relatos de pormenores e dá-lhes vida e cor. A este
propósito, são típicos os casos do possesso de Gerasa, da mulher com fluxo de
sangue e da filha de Jairo, no cap. 5. Presta uma atenção especial às palavras
textuais de Jesus em aramaico, por ex. «Talitha qûm» (5,42) e «Eloí,
Eloí, lemá sabachtáni». (15,34) É
de referir também o dia-tipo da actividade de Jesus, descrito na assim chamada
“jornada de Cafarnaúm”. (1,21-34)
Dentre
as perícopes e simples incisos próprios de Marcos, menciona-se o único texto
bíblico em que Jesus aparece como «o Filho de Maria», (6,3) ao
contrário dos outros que falam de Maria, Mãe de Jesus.
PLANO
Pode
dizer-se, porventura de uma forma demasiado simples, que Marcos se faz
espectador com os seus leitores. Como eles, acompanha e vive o drama de Jesus
de Nazaré, desenrolado em dois actos, coincidentes com as duas partes deste
Evangelho. Ao longo do primeiro, vai-se perguntando: Quem é Ele? Pedro
responderá por si e pelos outros, de forma directa e categórica: «Tu és o
Messias!». (8,29) O segundo acto pode
esquematizar-se com pergunta-resposta: De que maneira se realiza Ele, como
Messias? Morrendo e ressuscitando. (8,31; 9,31; 10,33-34)
O
Evangelho de Marcos apresenta-nos, assim, uma Cristologia simples e acessível:
Jesus de Nazaré é verdadeiramente o Messias que, com a sua Morte e
Ressurreição, demonstrou ser verdadeiramente o Filho de Deus (15,39) que
a todos possibilita a salvação. «Pois também o Filho do Homem não veio para
ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por todos». (10,45)
Este
plano é desenvolvido ao longo das 5 secções em que podemos dividir o Evangelho
de Marcos:
I.
Preparação do ministério de Jesus: (1,1-13);
II.
Ministério na Galileia: (1,14-7,23);
III.
Viagens por Tiro, Sídon e a Decápole: (7,24-10,52);
IV.
Ministério em Jerusalém: (11,1-13,37);
V.
Paixão e Ressurreição de Jesus: (14,1-16,20).
TEOLOGIA
Tal
como os outros evangelistas, Marcos apresenta-nos a pessoa de Jesus e o grupo
dos discípulos como primeiro modelo da Igreja.
O
Jesus de Marcos. Mais do que em qualquer outro Evangelho, Jesus, «Filho
de Deus» (1,1.11; 9,7; 15,39),
revela-se profundamente humano, de contrastes por vezes desconcertantes: é
acessível (8,1-3) e distante; (4,38-39)
acarinha; (10,16) e repele (8,12-13)
impõe “segredo” acerca da sua pessoa e do bem que faz e manda apregoar o
benefício recebido; manifesta limitações e até aparenta ignorância. (13,22) É
verdadeiramente o «Filho do Homem», título da sua preferência. Deste
modo, a pessoa de Jesus torna-se misteriosa: porque encerra em si,
conjuntamente, um homem verdadeiro e um Deus verdadeiro. Vai residir aqui a
dificuldade da sua aceitação por parte das multidões que o seguem e mesmo por
parte dos discípulos.
Na
primeira parte deste Evangelho, (1,14-8,30)
Jesus mostra-Se mais preocupado com o acolhimento do povo, atende às suas
necessidades e ensina; na segunda parte (8,31-13,36)
volta-Se especialmente para os Apóstolos que escolheu, (3,13-19) com
sábia pedagogia, vai-os formando, revelando-lhes progressivamente o plano da
salvação (10,29-30.42-45) e introduzindo-os na
intimidade do Pai. (11,22-26)
O
DISCÍPULO DE JESUS.
Este
Jesus, tão simples e humano, é também muito exigente para com os seus
discípulos. Desde o início da sua pregação, (1,14)
arrasta as multidões atrás de Si e alguns discípulos seguem-nO. (1,16-22)
Após a escolha dos Doze, (3,13-19)
começa a haver uma certa separação entre este grupo mais íntimo e as multidões.
Todos seguem Jesus, mas de modos diferentes. Este seguimento exige esforço e
capacidade de abertura ao divino, que se manifesta em Jesus de forma velada e
indirecta através dos milagres que Ele realiza. É por meio dos milagres que o
discípulo descobre no Filho do Homem a presença de Deus, vendo em Jesus de
Nazaré o Filho de Deus.
Porque
a pessoa de Jesus é essencialmente misteriosa, para O seguir, o discípulo
precisa de uma fé a toda a prova: sente-se tentado a abandoná-Lo, vendo neLe
apenas o carpinteiro de Nazaré. Por isso, Jesus é também um incompreendido: os
seus familiares pensam que Ele os trocou por uma outra família; (3,20-21.31-35) os
doutores da Lei e os fariseus não aceitam a Sua interpretação da; Lei (2,23-28;
3,22-30) os chefes do povo e dos sacerdotes vêem-no como um
revolucionário perigoso para o seu “status quo”. (11,27-33) Daí
que, desde o início deste Evangelho, se desenhe o destino de Jesus: a morte. (3,1-6;
14,1-2)
Mas,
os discípulos «de dentro» não são muito melhores do que «os que estão
de fora». (4,11) Também eles sentem
dificuldade em compreender o mistério da pessoa de Jesus: parecem-se com os
cegos. (8,22-26; 10,46-53)
A
incompreensão é uma das mais negativas características no discípulo do
Evangelho de Marcos. É essa a razão pela qual, ao confessar o messianismo de
Jesus, (8,29) Pedro pensava num messias
(termo hebraico que significa “Cristo”) mais político que religioso e que
libertasse o povo dos romanos dominadores. Isso aparece claro quando Jesus
desvia o assunto e anuncia pela primeira vez a Sua Paixão dolorosa; (8,31)
Pedro, não gostando de tal messianismo, começa a repreender O Mestre. (8,31-33) O
que ele queria era como todos os discípulos de todos os tempos um cristianismo
sem esforço e sem grandes compromissos.
Apesar
da incompreensão manifestada pelos discípulos em relação aos seus ensinamentos,
Jesus não desanima e continua a ensiná-los. (8,31-38; 9,30-37;
10,32-45) O efeito não foi muito positivo: no fim da
caminhada para Jerusalém e após Ele lhes ter recordado as dificuldades por que
iria passar a sua fé (14,26-31), ao
verem-no atraiçoado por um dos Doze e preso (14,42-45), «deixando-o,
fugiram todos». (14,50) Este é, certamente,
o Evangelho onde qualquer cristão se sentirá melhor retratado.