O boxeador peruano Alberto Rossel, conhecido por
Chiquito, por ser de baixa estatura, é o actual campeão mundial da categoria
“minimosca”, reconhecido pela Associação Mundial de Boxe. Receberá os “laureles
desportivos” (louros desportivos), a maior honra que o Governo peruano concede
aos campeões. Esta distinção também está reservada para dirigentes desportivos.
Não gosto do boxe nem admiro os praticantes, sejam da
categoria dos pesos pesados seja dos moscas. Mas admiro o gesto do Chiquito.
Depois de conquistar o título mundial, dedicou-o à sua pequena filha, Susan,
que sofre da Síndrome de Down.
Chama-lhe, carinhosamente, o seu “angelito del Cielo”
(anjinho do Céu) que Deus lhe mandou e que lhe dá força para continuar a lutar
para ser campeão, como sempre desejou e conseguiu.
Um homem assim com tanta ternura, que confessa dar à
sua filha todo o amor, tem de ser boa pessoa. Até esqueço que anda nos ringues
aos murros para levar ao tapete os adversários.
Pelas igrejas do Porto onde tenho celebrado eucaristias,
encontrei, ao longo de tantos anos, várias crianças, jovens e adultos com
“Trissomia 21” (Síndrome de Down). Tenho conseguido receber deles mais afeição
do que aquela que lhes dou. São bem mais afectivos do que eu. E o seu sorriso é
um dom de Deus.
Agora quem prende a minha atenção é uma menina que já
tem idade de mulher adulta.
Reza comigo todos os dias à tarde, na Igreja de S. João
Baptista da Foz do Douro.
Ninguém reza melhor do que ela, como ninguém canta como
ela com tanta alma. Não lhe percebo uma palavra nas rezas e nos cânticos, mas
delicio-me a ouvi-la, com tanto ou mais respeito que guardo numa sala de
concertos. Quando falta na hora de oração, Deus me perdoe, nem me apetece
rezar.
A mãe da Sãozinha – assim se chama a minha amiga mulher-menina
– é já uma octogenária, de vida modesta, que a adoptou e cuida dela
primorosamente. Anda tão lavada e tão cuidada. Sempre que se pendura em mim
para me abraçar, pede-me que lhe cheire o perfume ou aprecie a blusa ou os
sapatos novos ou qualquer bugiganga que prende nos braços.
Se lhe perguntam quem lhe deu as roupas novas, diz que
foi o padre. Para ela, quem sabe dar é o padre e mais ninguém, ainda que seja
ingrata para quantos, e são tantos!, gostam dela e lhe apreciam o sorriso.
Garanto que ninguém faz uma vénia tão respeitosa como a
dela diante do sacrário. Se genuflectisse, talvez caísse, por KO, redonda no
chão.
À tarde, diz-me a senhora sua mãe, tem sempre pressa
para ir à igreja e abraçar o padre.
Gostaria tanto de ser compositor para transmitir o som
que a minha Sãozinha usa para me chamar “padre” ou cantar a Nossa Senhora, com
a mão no ar a dizer-lhe adeus.
Infelizmente, não sou compositor nem campeão como o
Chiquito. Mas, fiquem a saber, partilho com ele a alegria de Deus me ter
enviado do Céu a anjinha da Cantareira.
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