DENTRO DO EVANGELHO
A minha
caminhada com Jesus prossegue.
Estou
agora tão alto que posso, olhando à minha volta, ver o que deixei, considerar o
que fiz e, com grande pena, aperceber-me do que nunca cheguei a fazer. Como um
filme, sem protagonista, nem guião, nem enredo; um filme simples, de uma
história breve, comum e um pouco anónima. Não me parece “grande coisa”. Não
trouxe nenhum equipamento especial para esta caminhada, vim tal qual estava,
tenho a certeza que não irei precisar de nada.
Aliás
Ele disse-me: «nem cajado, nem duas
túnicas, nem alforge…»
Acompanha-nos
uma multidão enorme, a perder de vista e que vai engrossando constantemente
como uma onda do mar, mas, embora eu tenha consciência dela, parece-me, ao
mesmo tempo, que só existo eu, que só eu Lhe interesso, que só a mim dedica a
Sua atenção.
Compreendo
que também cada um, cada uma, dessa enorme multidão, ouviu as mesmas palavras:
«Tu! Vem e segue-me!»
Uns
nota-se bem, estão há muito na Sua companhia andando o Seu caminho, outros,
como eu, chegaram mais recentemente e ainda olham, de vez em quando, para trás.
Alguns, acabam por desistir, sentam-se à beira do caminho e vão-se deixando
ficar. Parecem tristes, abatidos, talvez recordem com apego o que terão deixado
e que, julgam, lhes faz falta.
O
que estranho é que sendo eu tão decidido, tão senhor das minhas acções, tão
categórico nas escolhas que faço, não me tenha ocorrido perguntar-Lhe para onde
vamos, onde me leva. Poderia pensar, por momentos, que estou a agir como um
“zombie” sem vontade ou sem querer tê-la, ou, então, que não consegui resistir
à Sua voz, senti que não teria alternativa. Mas não! Sinto-me bem vivo e cheio
de força, algo estranho, assim como que um ímpeto que se foi transformando numa
certeza.
A
certa altura pensei dizer-Lhe: ‘não sei se sou capaz de Te acompanhar por muito
mais tempo, mas percebi, quase imediatamente, que Ele conhece esse meu temor,
esta minha fragilidade e que, não obstante, me quer tal como no primeiro
momento quando me disse: ‘Tu! Vem e segue-me!’
Estou
convicto que, sabendo Ele o que sou e como sou, me compeliu a segui-Lo é porque
me quer junto de Si, mais perto, como companheiro íntimo e incondicional e,
portanto, eu não poderia ter feito outra coisa que segui-Lo. Por isso, do mais
fundo do meu coração Lhe digo: Eu, Senhor, sigo-Te mas, peço-Te: não me largues
da Tua mão porque me perco no caminho e, depois, não saberia para onde ir.
Quero ser, tal como aqueles três discípulos, confidente de Jesus. Desejo
sinceramente ter com Ele uma atitude próxima, íntima de respeito e confiança,
de uma abertura e transparência tais que não exista nada, absolutamente, que
não Lhe diga ou revele. As “minhas coisas” todas, aquilo que penso, e repudio,
o que me agrada e o que me desgosta, tudo a que me sinto agarrado e o desejo de
me “soltar” dessas prisões, desses laços pequenos e grandes que me têm prendido
nas esquinas da vida diária. Pedir-Lhe sempre que me ajude a ver o que é
realmente importante, o que interessa e, sobretudo, a ter total confiança n’Ele
e que tudo, quanto me sucede ou possa suceder, é para meu bem.
Chego
a esta conclusão simples e claríssima: Pois se Ele me conhece de que me vale
não Lhe contar tudo? Se Ele sabe como sou e, mesmo assim, me quer, me ama, Se
preocupa comigo, porque me aflijo tanto com as minhas falhas, as minhas
deficiências e defeitos?
Desprendido de tudo: O que tenho e o que não tenho.
Desprendido dos "desejos de ter", mesmo daqueles que parecem
legítimos. Desprendido das coisas grandes e das pequenas que quase não têm
importância. Desprendido das "minhas coisas", das "minhas
vontades", daquilo que é "meu". Coração grande, aberto a todos
e, sobretudo, aberto a Deus para que o encha o amor a Si e aos outros, não
deixando lugar a mais nada.
Se eu pudesse, melhor, se realmente quiser ser íntimo
de Jesus, nada mais tenho a fazer que deixá-Lo tomar posse de mim, entregar-me,
gostosamente nas Suas mãos amorosas com plena confiança e a certeza que não
poderia estar melhor.
Nem as considerações do pouco que sou, dos meus
defeitos, das minhas faltas de coerência e tantas… tantas pequenas coisas que
arrasto como um lastro que me mantém sujeito a uma quase servidão de manias,
tiques, falsas depressões, a minha suposta dignidade ofendida por tantos e
tantas vezes, o não reconhecimento de como sou bom, especial… nada disto e
muito mais, é desconhecido de Jesus Cristo.
E, mesmo assim, Ele quer, procura a minha intimidade.
Lembro-me do publicano que nem coragem tinha de levantar os olhos ao alto.
Como é possível? Como a misericórdia infinita de Deus
não se esgota neste constante “ir e vir”, das “flutuações” do meu carácter?
Como pode o Senhor olhar para mim que estou tão longe
da postura humilde do publicano? Eu,
sempre em “bicos dos pés” tentando sobressair, fazer-me notado, cheio de mim
mesmo e da “excelência” dos meus talentos, das minhas capacidades?
Senhor: quase que não vejo a necessidade de Te pedir
humildade. Ser humilde é, para mim, um objectivo que persigo desde sempre.
Sempre longe, parece, cada vez mais distante porque, pobre de mim, sou formado
por este barro duro e seco que é o meu carácter, que resiste a ser moldado
pelas Tuas divinas mãos.
Mas não Te importes, Senhor, não Te importes com este
barro que não vale nada. Parte-o, esfrangalha-o nas Tuas mãos amorosas e, estou
certo, daí sairá algo que se possa - que Tu possas - aproveitar. Não dês importância
à minha prosápia, à minha vaidade, ao meu desejo incontido de protagonismo e
evidência. A verdade que Te confesso é esta: Não sei nada, não posso nada, não
tenho nada, não valho nada, não sou absolutamente nada».
E, o “oleiro divino” uma e outra vez refaz a mesma
peça de que sou feito. Retoma o Seu ”trabalho” da minha santificação como se
nada se tivesse passado, como se eu não estivesse feito nos pedaços que as
minhas frequentes quedas originam. E, no entanto, é assim que é!
Às
vezes – quantas vezes! – parece que estou sozinho no mundo.
Rodeado
de pessoas, no afã da vida diária, no corre-corre de todos os dias, mesmo
assim, estou sozinho.
Sentimo-me
“individual” como se, no mundo, não existisse mais ninguém senão eu.
Rezao
e, a oração sai insípida, árida.
Sentimo-me
desconfortável, achao que “não vale a pena” e… deixamo-me ir.
Logo
entra o desânimo, o descoroçoamento e, a tempo, a tristeza.
Naminha
cama no hospital clamei bem alto e não me ouvias! No denso nevoeiro da doença,
mergulhado num mar povoado de estranhos seres, sem saber se estava acordado ou
adormecido, sem ter a noção onde começava e acabava o meu corpo: a cabeça... os
pés... as mãos...; “aparafusado” numa cama que fazia parte de mim... os
calcanhares...? (como é possível doerem tanto, os calcanhares?!...), clamei por
Ti e não me ouvias! E, eu, mergulhava outra vez naquele oceano de perdição e
voltava à superfície e de novo me perdia. Havia uma espécie de estratificação
dos pensamentos, tinha tudo ordenado, muito bem organizado na minha cabeça:
azuis, encarnados, verdes... dois azuis, três verdes... não... agora é um verde
e depois... três ou quatro doutra cor qualquer. (decidi que as cores não eram
importantes). Nada fazia sentido, estava vivo...?; morto...?; moribundo...?
calado...?; aos gritos...? e o ar? Sim o ar: era solene, composto, digno ou,
pelo contrário tinha a boca retorcida num esgar, os olhos vítreos esbugalhados,
o gesto descontrolado? ‘Ne timeas!’’ Ouvi-te, finalmente!
Percebi, então, só então, que estava tão preocupado com a minha doença, o meu
sofrimento, que ficara incapacitado para Te ouvir...
Tranquilo,
fui repetindo até adormecer: Ofereço..., ofereço..., ofereço!
Faça-se,
cumpra-se a Tua Justíssima e Amabilíssima Vontade sobre todas as coisas. Ámen.
Ámen.
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