(Nota: Seguindo a
recomendação de São Josemaria Escrivá procurarei viver o Evangelho como um
personagem mais. Para tal seguirei fielmente os textos pronto a fazer as
considerações que me ocorrerem.)
Dentro do Evangelho – Lc I
Toda
a minha vida tem sido a de um autêntico marginal, dedicando-me a roubar quanto
me aparece a jeito.
A
princípio, teria talvez escassos dezoito anos, juntava-me a outros rapazes da
minha idade, marginais como eu, e assim levava-mos uma vida de sobressaltos
sempre a fugir das autoridades e, muitas vezes, alguns dos que assaltávamos
reagiam e as coisas corriam mal, para o nosso lado, já se vê.
Um
dia as coisas mudaram bastante porque veio ter connosco um sujeito bastante
mais velho que nós e que nos reuniu num bando passando a agir sob as suas
ordens e instruções. O homem era de facto um autêntico facínora que não
hesitava em empregar violência para atingir os seus fins. Chamava-se Barrabás!
Dizia
ele que, como Zelote que era, o seu principal alvo era provocar o ocupante
romano de modo a mantê-lo ocupado em acções de polícia desviando-o de outras
acções mais aparatosas com que tentavam manter a férrea disciplina que impunham
ao povo.
Dividiu-nos
em grupos de três e quatro e a cada grupo dava instruções sobre o que fazer e
onde. O meu grupo – eu e mais três – tinha sido “destacado” para a via que
descia de Jericó para Jerusalém que, segundo ele, tinha numerosos viandantes a
maioria dos quais eram gente que comerciava, logo, trazendo consigo ou bens ou
o dinheiro produto da sua venda. E, realmente, a nossa actividade produzia bons
resultados e Barrabás estava muito satisfeito connosco pois arrecadava a maior
parte dos “proventos” da nossa actividade.
Hoje,
porém, as coisas não correram muito bem, ou antes, correram muito mal.
Do
nosso esconderijo avistámos um homem sozinho que descia pelo caminho. O jumento
que conduzia estava ajoujado de mercadoria. Todo o seu aspecto e a forma como
trajava indicavam que seria um homem de posses. Não se avistando mais ninguém
por perto resolvemos assaltá-lo e, foi aqui, que tudo se complicou. O homem era
bastante robusto e ofereceu uma resistência feroz e determinada a não se deixar
roubar.
Um
dos meus companheiros recebeu vários golpes que o deixaram praticamente inanimado
e outro recebeu um profundo corte provocado pela adaga que o homem esgrimia com
destreza. Não estive com contemplações e com um bastão de ferro agredi o
sujeito prostrando-o no chão poeirento. Depois… movido pela raiva dei-lhe
pontapés, murros, eu sei lá… arranquei-lhe os vestidos deixando-o em farrapos e
pondo o meu companheiro em cima do jumento fugimos para o nosso esconderijo
para tentar recuperar dos ferimentos recebidos e deitar contas ao espólio
arrecadado.
Os
outros dois, amparando-se mutuamente, puseram-se a caminho de Jerusalém para
procurar tratamento para as suas feridas, eu fiquei ali escondido remoendo a
minha raiva pelo que acontecera. Deixara-me dominar pela ira ao atacar de forma
tão desumana o desgraçado que nos caíra nas mãos.
Ora
um chefe, um verdadeiro chefe, não pode deixar que os seus sentimentos
extravasem colocando-se fora de controlo. É fundamental manter a calma em
qualquer situação para se impor aos que têm de ver nele capacidade e aptidão
para chefiar e comandar.
Ouvi
um ruido de cavalgadura e avistei um homem que se aproximava. Já era o terceiro
desde que decorrera o assalto. Antes tinham aparecido um sacerdote e um levita
que mal olharam para o desgraçado que jazia na vera do caminho, antes estugaram
o passo seguindo viajem. Porém, este,
deteve-se e debruçou-se sobre a vítima, voltando-o de costas, retirou o manto e
pôs-lho debaixo da cabeça. Depois dirigiu-se à sua montada e dos alforges
retirou um pequeno odre com vinho e uma recipiente com azeite. Com grande
cuidado e destreza foi destapando as numerosas feridas e contusões
deitando-lhes azeite e vinho e
cobrindo-as com pequenos pedaços de pano que rasgava de um lençol.
O
pobre ferido começou a falar e embora eu não pudesse ouvir o que diziam percebi
que mostrava gratidão e reconhecimento.
Depois,
e a muito custo, conseguiu coloca-lo sobre a sua cavalgadura e afastaram-se por
outro caminho.
Tenho
de confessar que estava atónito com o que acabara de presenciar. É que,
esquecia-me de dizer, o socorrista era um samaritano que, como toda agente
sabe, não suportam os judeus. Fiquei longo tempo ali, sentado pensando em tudo
aquilo que tanto me impressionara, sobretudo na solicitude e compaixão
demonstradas pelo samaritano para com a vítima e não pude deixar de me avaliar
a mim mesmo se, acaso, procederia de igual forma. O meu coração empedernido por
anos de violências e desacatos, abusos e esbulhos parece que me estalava no
peito e, num impulso irresistível dei um salto para fora do esconderijo e
abalei numa corrida desenfreada em direcção Jerusalém.
Mas
tive de parar a minha correria: um aglomerado de gente atravancava o caminho.
Escutavam um homem que falava com uma voz tão clara e segura que me percebi
logo ser alguém excepcional. Parecia estar a acabar um longo discurso e ouvi
estas palavras finais: «Quero misericórdia e não sacrifício. Porque Eu não
vim chamar os justos, mas os pecadores».
Fiquei
por ali pensando no que acabara de ouvir e, dentro de mim algo se transformou
como se, sem eu compreender bem o que me acontecia, estivesse a ver toda a
minha vida num relance, uma vida feita de assaltos, roubos, violências de toda
a ordem e percebi, sim, entendi, que tinha de mudar radicalmente.
Retomei
a corrida e cheguei ofegante, mal podendo respirar, à escadaria do Templo e,
pela primeira vez na minha vida, entrei. Não sabia o que fazer ou o que dizer,
mas, a verdade, é que caí de joelhos e pus a cabeça no chão. Então, como se
fosse outro que não eu, ouvi-me dizer: ‘Senhor, tem misericórdia de mim que sou
um desgraçado, um malfeitor, um miserável!’
Quando
saí parecia-me que mal punha os pés no chão de tal forma me sentia outro, mais
leve, muito mais leve e voltei pelo mesmo caminho, decidido a encontrar a minha
vítima para lhe restituir o que lhe roubara.
….
Reflectindo
A inveja pode ser saudável?
Bom... a inveja é um defeito detestável e muito
frequente. Reduz a capacidade de apreciar nos outros o que têm de bom, seja
qualidades ou outra coisa, para se dedicar ao desejo estrénue de possuir igual.
À pergunta de início respondo que sim, a inveja pode
ser boa quando se deseja ter, possuir ou imitar as qualidades ou virtudes que
outros têm. Claro que tal implica uma capacidade de reconhecer o que nos falta
e seguir o exemplo daqueles em quem tal existe. Daqui que, inveja e humildade
sejam tão opostas e difíceis de compaginar.
A humildade é uma virtude complexa porque não se
pode definir com exactidão já que tendo inúmeros "graus" ou
"patamares" difere de pessoa para pessoa sem obedecer a um padrão.
Um exemplo será a cordialidade. Uma pessoa cordial,
isto é, agradável no trato, na convivência, é naturalmente humilde já que não
tenta superiorizar-se ou impor os seus pontos de vista a propósito do que for,
mas demonstra uma abertura sincera e espontânea aos pontos de vista dos outros.
Tal não significa que "ab initio" concorde ou anua mas, antes
que não se esquiva a ouvir e procurar entender e, neste particular, perguntar
para esclarecer o que não entende é - "tout court" - ser humilde. Ser
humilde também não é abdicar das próprias convicções mas estar aberto a emendar
ou corrigir o que, eventualmente não esteja correcto. Ser humilde não é fugir a
um assunto que sabemos o nosso interlocutor não gosta, não domina ou tem ideias
erróneas. Pelo contrário mesmo sabendo que talvez seja "uma perda de
tempo" discorrer sobre o assunto sem a pretensão de impor o nosso saber
mas com o desejo de ajudar o outro a ter uma visão mais correcta.
Este particular acontece muitas vezes nas conversas
sobre temas sobre Religião, Fé... Quem por qualquer motivo não tem formação
nestes assuntos encontra grande dificuldade em compreender e aceitar as
"verdades", em primeiro lugar porque ninguém acredita no que não
conhece e, se não conhece, mas, mesmo assim discute e espende é porque, quase
sempre, foi construindo teorias e conceitos para se sentir confortável. É muito
difícil manter a serenidade e compostura quando insistem nas suas
"teorias" completamente descabidas e sem qualquer base.
Quem não possui conhecimentos sólidos, coerentes e,
sobretudo assentes em doutrina sã e correcta deve evitar este género de
discussão porque pode fazer mais mal que bem. É aqui que se manifesta a
humildade pessoal: Reconhecer que não se está "à altura" nem se é a
pessoa indicada para tratar do tema e, ao mesmo tempo, reconhecer que a outa
pessoa não terá tido as mesmas oportunidades que nós para adquirir essa
formação. Deve ter-se sempre presente que a pessoa pode estar de "está de
boa-fé" sendo honesta nos argumentos e opiniões e que, a grande verdade é:
Ninguém pode dar o que não tem...
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