Questão 46: Do princípio da duração das coisas criadas.
Consequentemente devemos considerar o princípio da duração das coisas criadas. E sobre este assunto, três questões se discute:
Art. 1 – Se a universalidade das criaturas, designada actualmente pela denominação de mundo, começou ou existiu abeterno.
Art. 2 – Se é artigo de Fé ou conclusão demonstrável que o mundo começou.
Art. 3 – Se a criação das coisas teve um princípio temporal.
Art. 1 – Se a universalidade das criaturas, designada atualmente pela denominação de mundo, começou ou existiu abeterno.
(II Sent .. dist. I, q. 1, a. 5; II Cont. Gent., cap. XXXI; seqq.; De Pot., q. 3, a. 17; Quodl., III, q. 14, a. 2; Compend. Theol., cap. XCVIII; VIII Phys., Lect. II; I De coel. et mund., 1ect. VI, XXIX; XII Metaphys., lect. V).
O primeiro discute-se assim. – Parece que a universalidade das criaturas, actualmente designada pela denominação de mundo, não começou, mas existe abeterno.
1. – Tudo o que começou a existir foi, antes, possível; do contrário seria impossível o existir. Ora, o ser possível é a matéria, potencial em relação ao ser que existe pela forma, e ao não-ser que é privação. Se pois o mundo começou a existir, antes foi matéria. Mas não pode ser matéria sem forma. Ora, a matéria do mundo com a forma é o mundo. Logo, o mundo existiu antes de começar a existir, o que é impossível.
2. Demais. – O que tem a virtude de existir sempre não pode ora ser e ora não ser, porque uma coisa perdura no ser enquanto a virtude dela o permite. Mas todo incorruptível tem a virtude de existir sempre, pois esta não se limita a um determinado tempo de duração. Logo, nenhum incorruptível pode ora ser e ora não ser. Mas tudo o que começa a existir, ora é e ora não é. Por onde, nenhum incorruptível começa a existir. Há porém muito seres incorruptíveis no mundo, como os corpos celestes, e todas as substâncias intelectuais. Logo, o mundo, não começou a existir.
3. Demais. – Nada do que é ingénito começou a existir. Mas o Filósofo diz que a matéria e o céu são ingénitos . Logo, a universalidade das coisas não começou a existir.
4. Demais. – Vácuo é onde não há, mas pode haver corpo. Ora, se o mundo começou a existir, onde agora está o corpo do mundo antes não havia corpo nenhum, embora pudesse havê-lo; pois, do contrário, agora aí não estaria. Logo, antes do mundo, havia o vácuo, o que é impossível.
5. Demais. – O começar de novo a ser movido é em virtude do princípio que o motor ou o móvel tem actualmente em estado que antes não tinha; pois por isso um ser é movido. Por onde, antes de qualquer movimento de novo incipiente, houve outro e, logo, o movimento sempre existiu. E portanto também o móvel, pois o movimento não existe senão no móvel.
6. Demais. – Todo movente ou é natural ou voluntário. Ora, nenhum começa a mover sem que preexista algum movimento, pois a natureza sempre opera do mesmo modo. Por onde, sem que preceda alguma mutação em a natureza do movente ou no móvel, não começa a existir, pelo movente natural, um movimento que antes não existia. Mas, a vontade, sem imutação própria pode retardar em fazer o que propõe. Ora, tal não se dá senão em virtude de alguma imutação imaginada pelo menos, relativamente ao tempo. Assim, quem quer fazer uma casa amanhã e não hoje, espera exista amanhã, o que hoje não existe; e, ao menos, espera que dia de hoje passe e o de amanhã chegue; ora, isto não vai sem mudança, pois o tempo é o número do movimento. Conclui-se portanto que, antes de qualquer movimento incipiente de novo, existiu outro. E assim conclui-se o mesmo que antes.
7. Demais. – Tudo o que está sempre no seu princípio e sempre no seu fim não pode começar nem acabar; pois, o que começa não está no fim, e o que acaba não está no princípio. Ora, o tempo sempre está no seu princípio e no seu fim, pois não existe do tempo senão o momento presente, fim do pretérito e princípio do futuro. Logo, o tempo não pode começar nem acabar. E, por consequência, nem o movimento, do qual o tempo é o número.
8. Demais. – Deus é anterior ao mundo, ou por natureza somente ou também por duração. Se só por natureza, então, sendo Ele abeterno, também o mundo o é. Se porém é anterior pela duração, como o anterior e o posterior na duração constituem o tempo, então antes do mundo existia o tempo, o que é impossível.
9. Demais. – Posta a causa suficiente, posto fica o efeito; pois a causa à qual se não segue o efeito é imperfeita e necessita de outra que o faça seguir-se. Ora, Deus é a causa suficiente do mundo: final, em razão da sua bondade; exemplar, em razão da sua sabedoria; e efectiva, em razão do seu poder, como resulta do que já antes se viu . Como, porém, Deus é abeterno, também o mundo o é.
10. Demais. – De quem a acção é eterna também o efeito o é. Ora, a acção de Deus é a sua substância eterna. Logo, também o mundo é eterno.
Mas, em contrário, a Escritura: (Jo 17, 5) Pai, glorificai-me a mim em ti mesmo, com aquela glória que eu tive em ti antes que houvesse mundo, e (Pr 8, 22): O Senhor me possui no princípio de seus caminhos, desde o princípio, antes que criasse coisa alguma.
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