22/05/2014

Segui-lo-ás em tudo o que te pedir

Se de verdade desejas que o teu coração reaja de um modo seguro, aconselho-te que te metas numa Chaga de Nosso Senhor: assim terás intimidade com Ele, pegar-te-ás a Ele, sentirás palpitar o seu Coração... e segui-lo-ás em tudo o que te pedir. (Forja, 755)

Quem cultiva uma teologia incerta e uma moral relaxada, sem freios; quem pratica, a seu capricho, uma liturgia duvidosa, com uma disciplina de hippies e um governo irresponsável, não é de admirar que propague contra os que só falam de Jesus Cristo invejas, suspeitas, acusações falsas, ofensas, maus tratos, humilhações, intrigas e vexames de todo o género.

Quando admiramos e amamos deveras a Santíssima Humanidade de Jesus, descobrimos, uma a uma, as suas Chagas. E nesses tempos de expiação passiva, penosos, fortes, de lágrimas doces e amargas que procuramos esconder, sentiremos necessidade de nos meter dentro de cada uma daquelas Feridas Santíssimas: para nos purificarmos, para nos enchermos de alegria com esse Sangue redentor, para nos fortalecermos. Recorreremos a elas como as pombas que, no dizer da Escritura, se escondem nos buracos das rochas na hora da tempestade. Escondemo-nos nesse refúgio, para encontrar a intimidade de Cristo: e veremos que o seu modo de conversar é aprazível e o seu rosto formoso, porque os que sabem que a sua voz é suave e grata, são os que receberam a graça do Evangelho, que os faz dizer: Tu tens palavras de vida eterna.


Não pensemos que, nesta senda da contemplação, as paixões se calam definitivamente. Enganar-nos-íamos se supuséssemos que a ânsia de procurar Cristo, a realidade do seu encontro e do seu convívio e a doçura do seu amor nos tornavam pessoas impecáveis. Embora não lhes falte experiência disso, deixem-me, no entanto, recordá-lo. O inimigo de Deus e do homem, Satanás, não se dá por vencido, não descansa. E assedia-nos, mesmo quando a alma arde inflamada no amor de Deus. Sabe que nessa altura a queda é mais difícil, mas que – se conseguir que a criatura ofenda o seu Senhor, ainda que seja em pouco – poderá lançar naquela consciência a grave tentação do desespero. (Amigos de Deus, nn. 301–303)

As sete palavras de Cristo na Cruz 22

Capítulo 4: Explicação textual da segunda palavra: “Amém, Eu te digo: Hoje estarás comigo no paraíso. 4

Mas, pode-se objectar, não era Cristo Nosso Senhor Rei antes de sua morte? Sem dúvida o era, e por isso os Reis Magos inquiriam insistentemente: “Onde está o Rei dos Judeus, que nasceu?” 10 E o mesmo Cristo disse a Pilatos: “Sim, tu o dizes, sou Rei. Para isso nasci e vim ao mundo: para dar testemunho da verdade” 11. Mas Ele era Rei neste mundo tal como um viajante entre estranhos, daí não ser reconhecido como tal senão por uns tantos, sendo humilhado e mal recebido pela maioria. Assim, na parábola que vimos de citar, diz-se que iria “a um país distante, a fim de ser investido da realeza”. Não digo que Ele a adquiriria da parte de outro, mas que a receberia como sua própria, e retornaria. E o ladrão observou sabiamente: “quando retornardes com vosso reino”. Nessa passagem, o reino do Cristo não é sinônimo de poder ou soberania régia, porque o exercera desde o princípio, conforme estes versículos dos Salmos: “Em Sião, já tenho eu consagrado a meu rei meu monte santo” 12. “Dominará de mar a mar, desde o Rio até aos confins da terra” 13. E conforme Isaías: “Porque uma criatura nos nasceu, um filho nos foi dado. O senhorio habitará por sobre seu ombro” 14. E conforme Jeremias: “Suscitarei a Davi um Rebento justo: reinará um rei prudente, praticará o direito e a justiça, na terra” 15. E conforme Zacarias: “Exulta à larga, filha de Sião; grita de júbilo, filha de Jerusalém! Eis que aqui vem a ti teu rei: justo ele e vitorioso, humilde e montado em um asno, um burrico, cria de jumenta” 16. Por isso, na parábola do advento do Reino, Cristo não se referia a um poder soberano, e tampouco, em sua petição, o bom ladrão: “lembrai-vos de mim quando retornardes com vosso reino”, mas ambos falavam dessa perfeita dita, que liberta o homem da servidão e da angústia dos assuntos temporais, submetendo-os tão-somente a Deus, para quem servir é reinar, e pelo qual fora posto acima de todas as suas obras. Deste reino, de inefável dita à alma, Cristo gozou desde o momento de sua concepção, mas a dita do corpo — que era sua por direito — não a gozou efectivamente até sua Ressurreição. Uma vez que fora um forasteiro neste vale de lágrimas, estava submetido a fadigas, fome e sede; as lesões, feridas, e à morte.

são roberto belarmino

(Tradução: Permanência, revisão ama).

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Notas:
10. Mt 2,2.
11. Jo 18,37.
12. Sl 2,6.
13. Sl 72,8.
14. Is 9,5.
15. Jr 23,5.
16. Zc 9,9.


Pequena agenda do cristão


Quinta-Feira

(Coisas muito simples, curtas, objectivas)

Propósito: Participar na Santa Missa.

Senhor, vendo-me tal como sou, nada, absolutamente, tenho esta percepção da grandeza que me está reservada dentro de momentos: Receber o Corpo, o Sangue, a Alma e a Divindade do Rei e Senhor do Universo.
O meu coração palpita de alegria, confiança e amor. Alegria por ser convidado, confiança em que saberei esforçar-me por merecer o convite e amor sem limites pela caridade que me fazes. Aqui me tens, tal como sou e não como gostaria e deveria ser.
Não sou digno, não sou digno, não sou digno! Sei porém, que a uma palavra Tua a minha dignidade de filho e irmão me dará o direito a receber-te tal como Tu mesmo quiseste que fosse. Aqui me tens, Senhor. Convidaste-me e eu vim.

Lembrar-me: Comunhões espirituais.

Senhor, eu quisera receber-vos com aquela pureza, humildade e devoção com que Vos recebeu Vossa Santíssima Mãe, com o espírito e fervor dos Santos.

Pequeno exame: Cumpri o propósito que me propus ontem?

Temas para meditar 122

Aflições



Quando vos afligistes, mesmo no tempo em que não tínheis tanta confiança em Deus, morrestes na angústia? Não. Porque não vos animais, pois, nas outras adversidades? Deus não vos abandonou até hoje; como o fará agora que cada vez mais quereis ser Seu?


(s. francisco de salesPensamentos consoladores, Livro II, Cap. I, I)

Evangelho diário, comentário e Leitura espiritual (Meditações sobre a Ressurreição 4)

Tempo de Páscoa

V Semana 

Evangelho: Jo 15, 9-11

9 Como o Pai Me amou, assim Eu vos amei. Permanecei no Meu amor. 10 Se observardes os Meus preceitos, permanecereis no Meu amor, como Eu observei os preceitos de Meu Pai e permaneço no Seu amor. 11 Disse-vos estas coisas, para que a Minha alegria esteja em vós e para que a vossa alegria seja completa. As relações entre Deus e os homens podem resumir-se numa palavra: amor!

Comentário:

Para amar a Deus é preciso conhece-lo e, conhecendo-o, não é possível não O amar.

A medida do nosso amor a Deus depende de quanto O conhecemos. Deus, que nos conhece intimamente ama-nos sem limite, por isso mesmo temos de O conhecer pondo todas as nossas capacidades neste objectivo, assim, conhecendo-o mais e melhor O poderemos amar.

(ama, comentário sobre Jo 15, 9-11, 2013.05.02)

Leitura espiritual
Temas
Meditações sobre a Ressurreição

4. RESGATANDO SÃO TOMÉ

Coração valente

São Tomé é uma figura que costuma ser apresentada como símbolo do cepticismo: Já há até uma frase feita: “Ver para crer, como Tomé”. E, no entanto, Tomé é um dos personagens mais comoventes do Evangelho. Vamos procurar compreender, nesta meditação, que, em boa parte, Tomé é um injustiçado. Como é que era mesmo Tomé na realidade? Que nos diz dele o Evangelho?

Para começar o “resgate” de Tomé (que resgata os bons exemplos que nos dá), é preciso dizer que, dele, sabemos uma coisa certa, e é que foi um dos idealistas que, deixando todas as coisas, seguiram Jesus. Portanto, confiava em Jesus, acreditava nele – senão, não teria largado tudo e apostado nele –; além disso, tinha-lhe amor, pois ninguém se entrega nas mãos de uma pessoa que lhe é indiferente; e era generoso.

Logicamente era humano, e, portanto, tinha fraquezas como aliás todos os Apóstolos, como todos nós. Mas, antes da Paixão de Jesus, o Evangelho mais nos mostra nele fortaleza que fraqueza. Refiro-me àqueles momentos críticos – pouco antes da Paixão – em que Jesus já era perseguido de morte em Jerusalém e teve de retirar-se para além do Jordão, juntamente com os Apóstolos, porque ainda não tinha chegado a sua hora. O que lá aconteceu é tocante…

Naquele lugar retirado, Jesus recebeu o recado de Marta e Maria, pedindo-lhe que fosse de novo a Jerusalém (a Betânia, pertíssimo de Jerusalém), porque seu irmão Lázaro estava muito doente: Senhor, aquele que amas está enfermo. Jesus, no entanto, deixou-se ficar ali ainda dois dias. Mas, de repente, disse: Voltemos para a Judeia. Isso assustou os discípulos: Mestre – disseram-lhe – há pouco os judeus queriam apedrejar-te, e voltas para lá? Jesus não ligou, e disse-lhes abertamente que Lázaro já tinha morrido, mas – acrescentou – vamos lá. Todos ficaram gelados, pensando que aquilo era pôr-se na boca do lobo…

Todos menos um! Tomé! Só ele, cheio de coragem, foi capaz de dizer aos seus condiscípulos: Vamos também nós, e morramos com ele! Estava disposto a morrer com Jesus, por Jesus. Como vemos, no coração de Tomé não há nada de cobardia, nem de dúvidas, nem de vacilações.

Coração sincero

E ainda há um outro traço do carácter de Tomé que o Evangelho põe em relevo. Tomé era um homem que era sincero e gostava da objectividade. Não era daquele tipo de homens que são “objectivos” só para pôr dificuldades, tirar o corpo e dizer que não dá (“sou realista”, dizem, e, na realidade, são pessimistas ou comodistas). Ele gostava da objectividade para entender melhor as coisas e, assim, poder agir melhor e resolver melhor os assuntos. Isso não diminuía nem um pouco a fé que tinha em Jesus. Tomé unia a fé ao realismo, um binómio excelente em si mesmo…, mas que pode desequilibrar-se, e então se torna perigoso (como logo veremos). É algo que fica bem claro na Última Ceia.

Naquela noite da Quinta-feira Santa, Jesus estava despedindo-se dos seus discípulos, e consolava-os com infinita ternura dizendo-lhes: Não se perturbe o vosso coração. Na casa de meu Pai há muitas moradas …; vou preparar-vos um lugar. Depois de ir e vos preparar um lugar, voltarei e tomar-vos-ei comigo… E vós conheceis o caminho para onde eu vou. Neste ponto interveio Tomé, com a sua franqueza um pouco brusca, mas cheia de confiança em Jesus: Disse-lhe Tomé: Senhor, não sabemos para onde vais. Como podemos saber o caminho? Jesus não levou a mal essa pergunta nem a achou indelicada. Ao contrário, aproveitou-a para dizer umas palavras que ficarão para sempre gravadas no coração do cristão: Jesus respondeu-lhe: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vai ao Pai senão por mim”.

Mas houve um outro momento crucial, em que esse realismo franco de Tomé… espanou. Foi após os acontecimentos perturbadores da Paixão, quando Jesus já havia ressuscitado (e daí vem a “má fama” de Tomé).

Lembremos o que aconteceu. Na tarde do domingo de Páscoa, em que Jesus apareceu aos Apóstolos no Cenáculo, Tomé – diz o Evangelho – não estava com eles. Ou seja, não viu Jesus. Provavelmente, chegou bem mais tarde, naquela noite, ou então só voltou à casa no dia seguinte. Podemos imaginar que chegou ao Cenáculo triste, com olheiras de pouco dormir e o ricto amargo na boca de muito sofrer. Pois bem, mal acabava de subir a escada até o segundo andar – a sala de cima –, quando os outros que lá estavam se lhe atiraram em cima, agitadíssimos, dizendo: Vimos o Senhor!

Pobre Tomé! Aquela enxurrada de entusiasmo, totalmente inesperada, caiu-lhe como um golpe de malho na cabeça. Deixou-o atordoado. Eu o imagino de olhos arregalados, assustado com a estranha euforia dos outros, balbuciando: “Estão loucos! Vocês perderam o juízo?” E o bom Tomé, o sofrido Tomé, o franco Tomé, de repente embirrou. A sua tendência para o realismo e a objectividade saiu dos eixos, extrapolou em casmurrice e desequilibrou-se: Mas ele replicou-lhes: Se não vir nas suas mãos o sinal dos pregos, e não puser o meu dedo no lugar dos pregos, e não introduzir a minha mão no Seu lado, não acreditarei! Emburrou, e não havia modo de fazê-lo sair atitude fechada.

O amor que faz duvidar

Vemos nessa atitude só um defeito? Será que não poderíamos pensar que era tão grande o carinho de Tomé por Jesus, que não aguentava pensar sequer na possibilidade de que houvesse um engano? Não tinha coragem para deixar que a sua esperança subisse a mil por hora como um foguete, na crença de que Jesus vivia, para depois cair vertiginosamente e espatifar-se no chão, na decepção. E se tudo não passasse de histeria dos amigos? Não esqueçamos que, às vezes, a alegria dá medo. Temos tanto receio de embarcar numa alegria grande que depois possa decepcionar-nos! Por isso, quando desejamos muito, muito mesmo, uma coisa que nos promete enorme alegria, temos a tendência instintiva de começar a pensar nas coisas “ruins” que poderão acontecer: vai surgir um imprevisto, vai falhar na última hora, vou chegar atrasado, não vai dar certo…

Isso pode explicar a reacção negativa de Tomé. No entanto, é preciso reconhecer que houve mesmo uma falha. De facto, Jesus teve de corrigi-lo… E, do erro dele, nosso Senhor quis que nós aprendêssemos. Ele sempre tira o bem de tudo, mesmo do mal.

Em que consistiu seu erro? Naquela hora decisiva, faltaram-lhe a fé e a esperança sobrenaturais. Tomé quis ser tão realista, tão terra-a-terra – para se garantir –, que só ficou vendo o que tinha debaixo dos pés e na ponta do nariz. Isto é o que acontece com todos os que se chamam a si mesmos “realistas”, gente de “pé no chão”, “experientes” e “conhecedores da vida”…, e se esquecem de que a coisa mais “realista” que há no mundo é a presença viva de Deus, o seu poder e a sua acção amorosa… e muitas vezes inesperada e desconcertante.

Um realismo que se torna pessimismo

É interessante observar que todos os pessimistas se chamam a si mesmos realistas e desprezam os “sonhadores” (assim chamam aos que vivem da fé), como se fossem ingénuos ou tolos. Felizmente, nós cremos no Deus da esperança, e por isso somos necessariamente optimistas.

Cristo quer, sem dúvida, que vivamos uma vida realista, mas contando com o “factor” mais real de todos, que é Ele e a força assombrosa do Seu amor e da fidelidade às Suas promessas. Assim expressa, de maneira maravilhosa, a Carta aos Hebreus: A fé é o fundamento das coisas que se esperam, é uma certeza a respeito do que não se vê. Foi ela que fez a glória dos nossos antepassados. A falta desta fé no amor e nas promessas de Deus traz consigo a falta da esperança que a fé deveria gerar. Este foi o motivo da repreensão afectuosa que Jesus deu a Tomé. E deu-a com razão, pois Tomé não soube pôr toda a sua fé nas promessas anteriores de Cristo – voltarei a vós…., ao terceiro dia o Filho do homem ressuscitará… – e não deu crédito ao testemunho dos outros Apóstolos que, por ser unânime, merecia confiança.

Mas a repreensão de Jesus, como todas as Suas palavras e actos, é uma grande luz para a nossa alma. Vejamos o que diz o Evangelho:

Oito dias depois (da aparição aos Apóstolos no dia da Páscoa), estavam os seus discípulos outra vez no mesmo lugar e Tomé com eles. Estando trancadas as portas, veio Jesus, pôs-se no meio deles e disse: “A paz esteja convosco”… Podemos imaginar a cara de espanto do nosso Tomé… O seu coração deve ter ficado acelerado, quase que a estourar-lhe o peito, quando Jesus se dirigiu pessoalmente a ele. Depois, Jesus disse a Tomé: “Introduz aqui o teu dedo, e vê as minhas mãos. Põe a tua mão no meu lado, e não sejas incrédulo, mas homem de fé! E, apanhando a mão de Tomé, fez como estava dizendo.

A reacção de Tomé, caindo em lágrimas aos pés de Jesus, foi esplêndida: Respondeu-lhe Tomé: “Meu Senhor e meu Deus!” Ele, que tinha duvidado, acabou fazendo o maior acto de fé até então pronunciado por qualquer dos Apóstolos: um acto de fé absolutamente explícita, luminosa, na divindade de Cristo: Meu Deus! E Jesus encerrou a questão, pensando em nós, em todos os que haveríamos de ser os seus discípulos, no decorrer dos séculos: Creste porque me viste. Felizes aqueles que creem sem terem visto!

O lado luminoso da lição de Tomé

É como se, com as palavras que dirigiu a Tomé, Cristo nos perguntasse: “Tu crês mesmo em mim?” “Tu, por creres em mim, sabes esperar nas coisas que não se vêm, que só se preveem com a fé, sabes esperar nas coisas que Deus quer, mas que os “realistas” chamam “impossíveis?” Vale a pena lembrar o que escreve São Paulo: Porque pela esperança é que fomos salvos. Ora, ver o objecto da esperança já não é esperança; porque o que alguém vê, como é que ainda o espera?

Deus – por assim dizer – “desafia-nos” a viver de esperança, a saber esperar do Seu amor coisas grandes que não vemos, coisas que nos parecem impossíveis, mas que Ele nos quer dar. Mesmo diante das maiores dificuldades, todos podemos dizer com São João: Nós conhecemos o amor de Deus, e acreditamos nele.

O “realismo” cristão está feito de fé, de audácia e de magnanimidade. O nosso realismo é a esperança. Aí está o segredo do optimismo do cristão. É preciso que, aquecidos pela fé, pelo amor e pela esperança, saibamos apontar alto, apontar para coisas grandes, para ambições santas, e confiar plenamente em Deus. A mulher de fé, o homem de fé, confia sobretudo em dois pilares fortíssimos sobre os quais se apoia a esperança cristã: a obediência a Deus (fazer o que sabemos que Deus nos pede), e a oração (pedir com a fé com que um filho pede a um pai de cujo amor não duvida). Apoiada na obediência e na oração, a nossa esperança ficará, como diz o “Livro da Sabedoria”, cheia de imortalidade.

Há alguns exemplos, no Evangelho, que ilustram tudo isto muito bem. Hoje vamos focalizar apenas um deles, que é especialmente claro e tocante.

Generosidade e esperança

Todos nos lembramos, provavelmente, da passagem do Evangelho que narra a primeira multiplicação dos pães. E talvez tenhamos presente a figura encantadora daquele menino – de que fala São João no capítulo sexto do seu Evangelho –, que colaborou com o milagre.

Mais de cinco mil pessoas estavam certa vez num lugar afastado, ouvindo Jesus. Passou o tempo e sentiram fome. Percebendo isso, o Senhor disse aos Apóstolos que lhes dessem de comer. Mas como poderiam fazê-lo? Não havia nem pão nem dinheiro para comprá-lo. De repente, André apareceu trazendo pela mão um garoto, que estava, ao mesmo tempo, feliz e meio encabulado: “Eu posso dar – assim deve ter falado o menino a André – cinco pães de cevada e dois peixes”. Ao vê-lo, Jesus sorriu, pegou os pães e os peixinhos, e deu a entender a todos que tudo estava resolvido. Mandou sentar na relva toda a gente, pediu aos Apóstolos que repartissem os cinco pães e os dois peixes e … comeram todos à-vontade e ainda sobraram doze cestos! Um milagre apoiado num “impossível”, numa oferenda pequena, mas cheia de amor, de generosidade…

Não é clara a mensagem? Cristo – com esse milagre – diz-nos: “Não desanime se acha que não tem meios para resolver os problemas, para sair de uma situação de pecado, para ajudar um filho ou um amigo, se acha que não tem capacidade para aliviar as necessidades de tantas pessoas que carecem de tudo e sofrem; ou para fazer apostolado; ou que não tem forças para adquirir determinadas virtudes. Tenha confiança em mim, e faça da sua parte o que puder, ainda que seja pouquinho…; mas que seja tudo o que pode mesmo, como o menino que deu tudo o que tinha. O resto – acrescenta Jesus – é comigo.

Concluindo esta meditação, não vemos que o maior e melhor realismo do mundo é ter fé e confiança em Deus? As pessoas que agem “como se Deus não existisse, ou não visse, ou não amasse” caem na e mais trágica falsificação da realidade. As pessoas que ainda não perceberam que a oração é infinitamente mais forte que a energia atómica e que o poder quase ilimitado do dinheiro estão fora da realidade. As pessoas que não percebem que a maior garantia de que receberão os dons de Deus é obedecer a Deus – obedecendo ao seu Evangelho e à sua santa Igreja – estão fora da objectividade. Não nos deixemos dominar nunca – ainda que a nossa vida atravesse momentos muito difíceis – por uma visão acanhada e míope. Peçamos a Tomé que nos ajude a ser os “realistas da esperança”, que com certeza ele nos acudirá. Tem experiência…




Tratado dos vícios e pecados 97

Questão 89: Do pecado venial em si mesmo.

Art. 6 — Se o pecado venial pode coexistir numa pessoa só com o original.

(II Sent., dist. XLII, q. 1, a. 5, ad 7; De Verit., q. 24, a. 1 , ad 2 ; De Malo, q. 5, a. 2, ad 8; q. 7, a. 10, ad 8).

Parece que o pecado venial pode coexistir numa pessoa, só com o original.

1. — Pois, a disposição precede o hábito. Ora, o pecado venial é disposição para o mortal, como se demonstrou (q. 88, a. 3). Logo, existe, no infiel, a quem não foi perdoado o original, antes do mortal. E portanto, podem os infiéis estar em estado de pecado venial e original, ao mesmo tempo, sem estar no de mortal.

2. Demais. — O pecado venial tem menos conexão e conveniência com o mortal, do que um mortal, com outro. Ora, o infiel, sujeito ao pecado original, pode cometer um pecado mortal, sem cometer outro. Logo, também pode cometer o pecado venial sem cometer o mortal.

3. Demais. — Pode determinar-se o tempo em que a criança começa a ser capaz de praticar o pecado actual. E chegado há esse tempo, é-lhe possível, ao menos durante algum breve espaço, estar sem pecado mortal, pois isso também o é aos máximos celerados. Ora, durante esse espaço de tempo, por breve que seja, pode pecar venialmente. Logo, é possível o pecado venial coexistir numa pessoa, com o original, sem o mortal.

Mas, em contrário, por causa do pecado original, os homens são punidos no limbo das crianças, onde não há pena do sentido, como a seguir se dirá (IIa IIae q. 69, a. 6). Enquanto eles caem no inferno por um só pecado mortal. Logo, não haverá lugar em que possa ser punido quem esteja manchado só do pecado venial e do original.

É impossível estar-se em estado de pecado venial e de original, simultaneamente, sem estar no de mortal. E isso porque a falta de idade, que priva do uso da razão, desculpa do pecado mortal quem ainda não chegou à idade de discernimento. E portanto, com maior razão, o desculpa do pecado venial, se cometer algum que o seja genericamente. Quando porém começar a ter o uso da razão, não ficará absolutamente isento da culpa do pecado venial e do mortal. Ora, nessa idade, o que primeiramente ocorre ao pensamento humano é deliberar sobre si mesmo. E então, se se ordenar a si mesmo ao fim devido, conseguirá, pela graça, a remissão do pecado original. Se porém não se ordenar para esse fim, como está em idade capaz de discernimento, pecará mortalmente, não fazendo o que estava em si fazer. E portanto, em tal pessoa não haverá o pecado venial sem o mortal, senão depois que tudo lhe for perdoado pela graça.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — O pecado venial não é uma disposição precedente ao mortal, necessária, mas contingente­mente. É como o trabalho que, às vezes, dispõe para a febre, e não, como o calor, que dispõe para a forma do fogo.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Nada impede o pecado venial coexistir só com o original, por causa da distância ou da conveniência entre eles; mas o que o impede é a falta do uso da razão, como se disse.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A criança, que começa a ter o uso da razão, pode por algum tempo abster-se de todos os pecados mortais, mas não pode livrar-se do pecado da omissão predita, sem que se converta a Deus, o mais prontamente possível. Ora, o que primeiramen­te ocorre ao homem, que tem discernimento, é o pensar sobre si mesmo, a quem, como o fim, ordena tudo o mais. Ora, o fim é o que vem primeiro na intenção. E esse é pois o tempo em que está sujeito à obrigação, conforme o preceito divino afirmativo, pelo qual o Senhor diz (Zc 1, 3): Convertei-vos a mim e eu me converterei a vós.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.