Cartas de São Paulo
8 As carnes imoladas aos ídolos –
1 Acerca das carnes imoladas aos ídolos, sabemos que todos já estamos instruídos. A ciência incha, mas a caridade edifica. 2 Se alguém pensa que sabe alguma coisa, ainda não sabe como deveria saber. 3 Mas se alguém ama a Deus, esse é conhecido por Deus. 4 Portanto, quanto ao consumo de carnes imoladas aos ídolos, sabemos que um ídolo não é nada no mundo, e que não há outro deus a não ser o Deus único. 5 Pois, embora haja pretensos deuses, quer no céu quer na terra - e há muitos deuses e muitos senhores - 6para nós, contudo, um só é Deus, o Pai, de quem tudo procede e para quem nós somos, e um só é o Senhor Jesus Cristo, por meio do qual tudo existe e mediante o qual nós existimos. 7 Mas nem todos têm esta ciência. Alguns, acostumados até há pouco ao culto dos ídolos, comem a carne como se fosse um verdadeiro sacrifício aos ídolos, e a sua consciência, fraca como é, fica manchada. 8 Ora, não será certamente um alimento que nos aproximará de Deus! Porque nem perdemos nada, se não comermos, nem lucramos, se comermos. 9 Mas, tomai cuidado, que essa vossa liberdade não venha a ser ocasião de queda para os fracos. 10 Se alguém te vê a ti, que tens a ciência, sentado à mesa num templo dos ídolos, não poderá ele, por fraqueza de consciência, ser levado a comer carnes imoladas aos ídolos? 11 E assim, pela tua ciência, vai perder-se quem é fraco, um irmão pelo qual Cristo morreu. 12 Pecando contra os próprios irmãos e ferindo a consciência deles que é débil, é contra Cristo que pecais. 13 Por isso, se um alimento for motivo de queda para o meu irmão, nunca mais voltarei a comer carne, para não causar a queda do meu irmão.
Possumus!. Podemos vencer também esta batalha com a ajuda do Senhor. Convencei-vos de que não se torna difícil converter o trabalho num diálogo de oração. Basta oferecê-lo a Deus e meter mãos à obra, pois Ele já nos está a ouvir e a alentar. Assim, nós, no meio do trabalho quotidiano, conquistamos o modo de ser das almas contemplativas, porque nos invade a certeza de que Deus nos olha, sempre que nos pede uma nova e pequena vitória: um pequeno sacrifício, um sorriso à pessoa importuna, começar pela tarefa menos agradável e mais urgente, ter cuidado com os pormenores de ordem, ser perseverante no dever quando era tão fácil abandoná-lo, não deixar para amanhã o que temos de terminar hoje... E tudo isto para dar gosto ao Nosso Pai Deus! Entretanto, talvez sobre a tua mesa ou num lugar discreto que não chame a atenção, para te servir de despertador do espírito contemplativo, pões o crucifixo, que já se tornou para a tua alma e para a tua mente o manual onde aprendes as lições de serviço.
Se te decidires - sem fazer coisas esquisitas, sem abandonar o mundo, no meio das tuas ocupações habituais - a entrar por estes caminhos de contemplação, sentir-te-ás imediatamente amigo do Mestre e com o encargo divino de abrir os caminhos divinos da terra a toda a humanidade. Sim, com esse teu trabalho contribuirás para que se estenda o reinado de Cristo em todos os continentes e seguir-se-ão, uma atrás da outra, as horas de trabalho oferecidas pelas longínquas nações que nascem para a fé, pelos povos do leste barbaramente impedidos de professar com liberdade as suas crenças, pelos países de antiga tradição cristã onde parece que se obscureceu a luz do Evangelho e as almas se debatem nas sombras da ignorância... Que valor adquire então essa hora de trabalho, esse continuar com o mesmo empenho durante um pouco mais de tempo, alguns minutos mais, até rematar a tarefa. Convertes assim, de um modo prático e simples, a contemplação em apostolado, como necessidade imperiosa do coração, que pulsa em uníssono com o dulcíssimo e misericordioso Coração de Jesus, Nosso Senhor.
E como é que vou conseguir - parece que me perguntas - actuar sempre com esse espírito, que me leve a concluir com perfeição o meu trabalho profissional? A resposta não é minha. Vem de S. Paulo: Trabalhai varonilmente, sede fortes. Que tudo, entre vós, se realize na caridade. Fazei tudo por Amor e livremente. Nunca actueis por medo ou por rotina: servi ao Nosso Pai Deus.
Gosto muito de repetir - porque tenho experimentado bem a sua mensagem - aqueles versos pouco artísticos, mas muito gráficos:
Se em amor sou entendido,
Que quem muito haja sofrido.
Ocupa-te dos teus deveres profissionais por Amor. Faz tudo por Amor - insisto - e comprovarás as maravilhas que produz o teu trabalho, precisamente porque amas, embora tenhas de saborear a amargura da incompreensão, da injustiça, da ingratidão e até do próprio fracasso humano. Frutos saborosos, sementes de eternidade!
Acontece, porém, que algumas pessoas - são boas, bondosas - afirmam por palavras que aspiram a difundir o formoso ideal da nossa fé, mas se contentam na prática com uma conduta profissional superficial e descuidada, própria de cabeças-no-ar. Se nos encontrarmos com alguns destes cristãos de fachada, temos de ajudá-los com carinho e com clareza e recorrer, quando for necessário, a esse remédio evangélico da correcção fraterna: “Irmãos, se porventura alguém for surpreendido nalguma falta, vós, os espirituais, corrigi-o com espírito de mansidão; e tu, acautela-te a ti mesmo, não venhas também a cair na tentação. Levai os fardos uns dos outros e desse modo cumprireis a lei de Cristo”. E se para além da sua profissão de católicos se acrescentam outros motivos - mais idade, experiência ou responsabilidade - nessa altura, por maioria de razão temos de falar, temos que procurar que reajam, a fim de conseguirem maior influência na sua vida de trabalho, orientando-os como um bom pai, como um mestre, sem humilhar.
Sensibiliza bastante meditar calmamente o comportamento de São Paulo: “De facto, vós sabeis como deveis comportar-vos para nos imitardes, porquanto não fomos, entre vós, preguiçosos, nem foi a expensas alheias que comemos o pão, de quem quer que fosse, mas trabalhámos noite e dia, entre fadigas e privações, para não sermos pesados a nenhum de vós... Daí a razão por que, justamente quando nos encontrávamos entre vós, vos intimávamos que se alguém não quer trabalhar, abstenha-se também de comer”.
Temos de dar exemplo, por amor a Deus, por amor às almas e para corresponder à nossa vocação de cristãos. Para que não escandalizeis, nem levanteis a mínima sombra de suspeita de que os filhos de Deus são negligentes ou não servem, para que não sejais causa de desedificação..., haveis de vos esforçar por oferecer com a vossa conduta a medida justa, a boa vontade de um homem responsável. Tanto o camponês, que ara a terra enquanto vai levantando continuamente o seu coração a Deus, como o carpinteiro, o ferreiro, o empregado de escritório, o intelectual, em suma, todos os cristãos, têm de ser modelo para os seus colegas. No entanto, devem sê-lo sem orgulho, porque temos na nossa alma a clara convicção de só conseguirmos alcançar a vitória desde que contemos com Ele. Nós, sozinhos, não podemos sequer levantar uma palhinha do chão. Por isso, cada pessoa, na sua tarefa e no lugar que ocupa na sociedade, há-de sentir a obrigação de fazer um trabalho de Deus, que em toda a parte semeie a alegria e a paz do Senhor. O perfeito cristão leva sempre consigo a serenidade e a alegria. Serenidade, porque se sente na presença de Deus; alegria, porque se vê rodeado dos seus dons. Um cristão assim é de verdade um personagem real, um sacerdote santo de Deus.
Para alcançarmos esta meta temos de nos conduzir movidos pelo Amor e nunca como aquele que suporta o peso de um castigo ou de uma maldição: Tudo o que fizerdes por palavras ou por obras, fazei tudo em nome do Senhor Jesus, dando graças, por meio d'Ele, a Deus Pai. Desta forma terminaremos a nossa tarefa com perfeição, enchendo o tempo todo, porque seremos instrumentos apaixonados por Deus, que compreendem toda a responsabilidade e toda a confiança que o Senhor deposita sobre os seus ombros, apesar da debilidade pessoal. Em todas e cada uma das tuas actividades, porque contas com a fortaleza de Deus, hás-de comportar-te como quem se movimenta exclusivamente por Amor.
Mas não fechemos os olhos à realidade, conformando-nos com uma visão ingénua e superficial, que nos conduza à ideia de que nos espera um caminho fácil e que para percorrê-lo bastam alguns propósitos sinceros e desejos ardentes de servir a Deus. Não duvideis: ao longo dos anos, apresentar-se-ão - talvez mais depressa do que pensamos - situações particularmente custosas, que vão exigir de cada um muito espírito de sacrifício e um maior esquecimento de si mesmo. Fomenta então a virtude da esperança e, com audácia, faz teu o grito do Apóstolo: “Eu estimo, efectivamente, que os sofrimentos do tempo presente não têm proporção alguma com a glória que há-de revelar-se em nós. Medita com segurança e com paz: como será o amor infinito derramado sobre esta pobre criatura?!” Chegou a hora de, no meio das tuas ocupações habituais, exercitares a fé, despertares a esperança, avivares o amor. Quer dizer: de activar as três virtudes teologais que nos impelem a desterrar imediatamente, sem dissimulações, sem rebuço, sem rodeios, os equívocos da nossa vida profissional e da nossa vida interior.