Questão
57: Da Ascensão de Cristo
Art.
3 — Se Cristo subiu por virtude própria.
O terceiro discute-se assim. — Parece
que Cristo não subiu ao céu por virtude própria.
1. — Pois, diz o Evangelho, que o Senhor
Jesus, depois de haver falado aos
discípulos, foi assunto ao céu. E os Actos: Vendo-o eles, se foi elevando e o recebeu uma nuvem que o ocultou a
seus olhos. Ora, o que é assunto e elevado parece que é movido por outro.
Logo, Cristo foi levado ao céu não por virtude própria, mas por alheia.
2. Demais. — O corpo de Cristo era
terreno, como o nosso. Ora, é contra a natureza do corpo terreno ser levado
para cima. Assim, nenhum movimento tem, por virtude própria, o ser movido
contrariamente à sua natureza. Logo, Cristo não subiu ao céu por virtude
própria.
3. Demais. — A virtude própria de Cristo
é a virtude divina. Ora, o movimento da ascensão não provinha da virtude
divina, porque esta é infinita e aquele instantâneo; de modo que não podiam os
discípulos verem-no elevar-se aos céus, como refere a Escritura. Logo, parece
que Cristo não subiu ao céu por virtude própria.
Mas, em contrário, a Escritura: este formoso em seu traje que caminha na
multidão da sua fortaleza. E Gregório diz: Notemos que a Escritura refere que Elias subiu ao céu num carro, como
para mostrar abertamente que um simples homem precisava do auxílio alheio.
Narra, porém, que o nosso Redentor se elevou sem o auxílio de nenhum carro e
nem de anjos, porque o autor de todas as coisas subia, por seu poder próprio,
acima de todas.
Tem Cristo dupla natureza: a
divina e a humana. Donde, podemos atribuir um poder próprio a cada uma dessas
naturezas. Mas, já a natureza humana de Cristo é por si só, dotada de duplo
poder. Um natural procedente dos princípios da natureza. E em virtude desse
poder é manifestado que Cristo não subiu ao céu. Outro poder, porém, da
natureza humana de Cristo é o da Glória. E em virtude desse, Cristo subiu ao
céu. Mas, o fundamento desse poder, alguns o vão buscar em a natureza da quinta
essência, que é a luz, como dizem, que fazem entrar na composição do corpo
humano, de modo a, por meio dela, adunarem os elementos contrários. De modo
que, no seu estado mortal, predomine no corpo humano a sua natureza elementar;
e assim, segundo a natureza do elemento predominante, o corpo humano tende para
baixo pela sua virtude natural. Mas no estado da glória predomina a natureza
celeste, por cuja inclinação e virtude o corpo de Cristo e os corpos dos santos
são levados para o céu. Mas, dessa opinião já tratamos na Primeira Parte, e
mais adiante tornaremos a vê-la no tratado da ressurreição em geral. Deixando,
pois, de lado essa opinião, vão outros buscar a razão do referido poder na alma glorificada, por cuja redundância é
glorificado o corpo, como diz Agostinho. Pois, tão sujeito estará o corpo glorioso à alma beata, que, como
diz Agostinho, o corpo estará
imediatamente onde o quiser o espírito, e este não quererá nada que não lhe
convenha ao mesmo tempo, e ao corpo. Ora, ao corpo glorioso e imortal na
morada celeste é o seu lugar conveniente. Por onde, levado pela vontade da sua
alma, Cristo subiu ao céu. - Mas, assim como o corpo se torna glorioso por
participar da alma, assim, como diz Agostinho, participando de Deus, a alma se torna bem-aventurada. Donde, a
causa primeira da ascensão de Cristo ao céu foi o poder divino. Assim, pois,
Cristo subiu ao céu por virtude própria: primeiro, pela sua virtude divina;
segundo, pela virtude da sua alma glorificada, que movia o corpo como queria.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. —
Assim como Cristo ressuscitou pela sua vontade própria, e, contudo, dizemos que
foi ressuscitado pelo Pai, por terem o Pai e o Filho o mesmo poder, assim
também Cristo subiu ao céu por virtude própria, sendo contudo elevado e assunto
pelo Pai.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A razão aduzida
prova que Cristo não subiu ao céu pela virtude própria, inerente à natureza
humana. Subiu ao céu, porém pela sua virtude, enquanto poder divino; e pela
virtude própria à sua alma bem-aventurada. E embora subir para as alturas seja
contrário à condição presente da natureza do corpo humano, em que o corpo não
está inteiramente sujeito ao espírito, não será, porém, contrário à natureza do
corpo glorioso, nem lhe constituirá uma violência, a ele cuja natureza está
totalmente sujeita ao espírito.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Embora o poder
divino seja infinito, e tenha pelo seu sujeito, capacidade infinita, contudo o
efeito da sua acção é recebido pelas causas segundo a capacidade delas e a disposição
de Deus. Ora, o corpo não é capaz de um
movimento local instantâneo, porque há de comensurar-se com o espaço, por cuja
divisão e divide o tempo, como prova Aristóteles. Donde, não é necessário
que o corpo seja movido por Deus instantaneamente, mas que o seja pela
velocidade que Deus dispõe.
Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.