Páscoa
Evangelho:
Jo 16, 16-20
16 «Um pouco, e já não Me vereis;
outra vez um pouco, e ver-Me-eis, porque vou para o Pai». 17 Disseram então
entre si alguns dos Seus discípulos: «Que é isto que Ele nos diz: Um pouco, e
já não Me vereis, e outra vez um pouco, e ver-Me-eis? Que significa também:
Porque vou para o Pai?». 18 Diziam pois: «Que é isto que Ele diz: Um pouco? Não
sabemos o que Ele quer dizer». 19 Jesus, conhecendo que queriam interrogá-l'O,
disse-lhes: «Vós perguntais uns aos outros porque é que Eu disse: Um pouco, e
já não Me vereis, e outra vez um pouco, e ver-Me-eis. 20 Em verdade, em verdade
vos digo que haveis de chorar e gemer, e o mundo se há-de alegrar; haveis de
estar tristes, mas a vossa tristeza há-de converter-se em alegria.
Comentário:
Jesus Cristo está a falar-nos da “alegria
cristã” que é própria dos que acreditam nele e O seguem.
E porquê?
Porque, para o cristão, Jesus Cristo está
sempre presente em todos os momentos e circunstâncias da sua vida, participa –
quer participar – das ocorrências, pequenas ou grandes, importantes ou de
escasso relevo, de tudo o que diga respeito aos Seus Fiéis.
E, se mais fora necessário, o cristão sabe
que pode receber directamente o Seu próprio Corpo, Alma e Divindade no
Santíssimo Sacramento da Eucaristia.
(ama, comentário sobre Jo 16, 16-20, 2014.05.29)
Leitura espiritual
SANTO
AGOSTINHO – CONFISSÕES
LIVRO
DÉCIMO-TERCEIRO
CAPÍTULO
XXVI
O
dom e o fruto
Nutrem-se com esses
alimentos os que neles se alegram; neles não encontram alegria os homens cujo
deus é o seu ventre. E até entre os que oferecem esses frutos, o fruto não é o
que eles dão, mas o espírito com que o oferece. Por isso, naquele que servia o
seu Deus e não o seu ventre percebo claramente a fonte da sua alegria; e participo
fortemente do seu regozijo. Paulo recebera os presentes que os filipenses lhes
tinham mandado por intermédio de Epafrodito. Vejo bem a razão da sua alegria. E
é dela que se nutria, porque ele diz com verdade: “Alegrei-me muito no Senhor,
vendo enfim reflorescer para mim a vossa estima, da qual já andáveis
desgostados”.
Eles, de facto, tinham
estado realmente aborrecidos e, tornados áridos, não produziam mais o fruto das
boas obras; e Paulo alegra-se por eles, porque as suas simpatias tornaram a
florescer, e não por o terem socorrido na sua indigência. Porque ele diz em
seguida: “Não é por causa das privações que sofro que falo assim: aprendi a
contentar-me com o que tenho. Sei acomodar-me às privações, e sei viver na
abundância. Em tudo e por tudo habituei-me à saciedade e à fome, à abundância e
à penúria. Tudo posso naquele que me fortalece”.
Qual então o motivo da tua
alegria, ó grande Paulo? De onde vem tal júbilo, de que te alimentas, ó homem
renovado para o conhecimento de Deus, conforme a imagem do teu Criador, alma
viva que possui tal domínio de si, língua alada que exprime os mistérios? É
certamente a tais almas que se deve este alimento. O que foi para ti esse
alimento substancioso? A alegria.
Ouçamos o que segue:
“Contudo, fizestes bem ao partilhar das minhas tribulações” – Esta é a fonte da
alegria, isto é o que o nutre, as boas obras, e não o conforto que aliviou a sua
miséria. Ele diz: “Na tribulação dilatastes o meu coração” – pois ele aprendeu
a viver na abundância e sofrer as privações, em ti, que o confortas. – “Bem
sabeis, filipenses – diz ele – que nos primórdios da minha pregação do Evangelho,
quando deixei a Macedónia, nenhuma Igreja me assistiu com os seus bens quanto
ao dar e receber, com excepção de vós, que, várias vezes me enviaste, para
Tessalónica, com que suprir às minhas necessidades”. – Alegra-se agora por
voltarem à prática de boas acções, felicitando-se por eles terem reflorido como
campo fértil e verdejante.
Referia-se por acaso às
próprias necessidades quando dizia: “Socorrestes às minhas necessidades”? –
Será este o motivo da sua alegria? Certamente que não. E como o sabemos?
Porque ele diz em seguida:
“Eu não procuro a dádiva, mas o fruto”. – Aprendi de ti, meu Deus, a discernir
a dádiva do fruto. O dom é a própria coisa dada por aquele que acode às nossas necessidades;
é o dinheiro, a comida, a bebida, a roupa, um abrigo, e auxílio. O fruto é a
vontade boa e recta do doador. O bom Mestre não se limita a dizer: “Aquele que
receber um profeta” – mas acrescenta: “Aquele que receber um justo...” – mas
acrescenta: “na qualidade de justo”. – E assim, aquele receberá a recompensa do
profeta, e o outro, a do justo. Ele não diz apenas: “Aquele que der um copo de
água fresca a um dos meus pequeninos” – mas acrescenta: “na qualidade de
discípulo”. – E prossegue: “Na verdade vos digo: este não ficará sem recompensa”.
– Dom é receber o profeta,
receber o justo, dar um copo de água fresca a um discípulo; fruto é fazer isso
em consideração da sua qualidade de profeta, de justo, de discípulo. É com este
fruto que Elias era alimentado pela viúva: ela sabia que alimentava um homem de
Deus, e por isso o fazia. Os alimentos, porém, que lhe eram levados pelo corvo,
não passavam de dom, e não era o Elias interior, mas o Elias exterior que recebia
esse alimento, o que poderia morrer se lhe faltasse esse alimento.
CAPÍTULO
XXVII
Peixes
e cetáceos
Por isso, Senhor, direi
diante de ti a verdade. Por vezes, ignorantes e infiéis que, para serem
iniciados e conquistados para a fé, precisam desses rituais de iniciação e de
milagres mirabolantes, simbolizados, a meu ver, pelos peixes e pelos cetáceos,
acolhem os teus servos e os socorrem, ou os auxiliam nas necessidades da vida
presente, sem saber por que o fazem nem em vista de que devem agir. Desse modo,
nem aqueles os alimentam, nem estes são alimentados por eles, pois os primeiros
não são movidos por vontade santa e recta, e os segundos não se alegram com os
dons recebidos, não descobrindo neles fruto algum. Ora, a alma só se alimenta
com o que lhe traz alegria. É esta a razão pela qual os peixes e os cetáceos se
nutrem de alimentos que a terra só pode produzir depois de separados e purificados
de amargura das águas do mar.
CAPÍTULO
XXVIII
A
bondade da criação
Viste, meu Deus, que tudo
o que criaste te pareceu excelente. Também nós vemos a tua criação, e ela nos
parece excelente. Para cada espécie de obra criada, disseste: “Faça-se” e quando
elas se fizeram, viste que eram boas. Sete vezes está escrito – eu contei-as –
que viste a excelência da tua obra; e na oitava vez contemplaste toda a
criação, e disseste que, no seu conjunto, era não apenas boa, mas muito boa.
Tomadas separadamente, as tuas obras eram boas; consideradas no seu conjunto,
elas eram boas e até excelentes. O mesmo julgamento se pode fazer da beleza dos
corpos. Um corpo, formado de membros todos belos, é muito mais bonito que cada
um desses membros cuja harmoniosa organização forma o conjunto, embora,
considerados à parte, também eles tenham sua beleza própria.
CAPÍTULO
XXIX
A
palavra de Deus e o tempo
Procurei ver com atenção
se foram sete ou oito as vezes que constataste a bondade das tuas obras quando
elas te agradaram. Mas não encontrei uma sequência temporal não tua visão, de
onde pudesse deduzir que foi esse o número de vezes que viste as tuas
criaturas. Então disse: “Senhor, não será verdadeira a tua Escritura, inspirada
por ti, que és a própria verdade? Porque então me dizes que a tua visão das
coisas não está sujeita ao tempo, enquanto a tua Escritura me diz que dia por
dia viste a bondade das tuas obras? E calculei quantas vezes o fizeste.”
A isto respondes-me,
porque és meu Deus, falando com voz forte no ouvido interior do teu servo,
rompendo a minha surdez, exclamas-me: “Ó homem, o que a minha Escritura diz, eu
digo o mesmo.
Mas ela fala no tempo,
enquanto este não atinge o meu verbo, que permanece em mim, eterno como eu.
Assim, o que vês pelo meu Espírito, sou eu quem o vê; o que dizes pelo meu
Espírito, sou eu quem o diz. Mas o que vês no tempo, eu não o vejo no tempo; e
o que dizes no tempo, eu não digo no tempo.”
CAPÍTULO
XXX
Erro
dos maniqueus
Ouvi, Senhor, meu Deus, a tua
voz, e recolhi no meu coração uma gota de doçura da tua verdade. Compreendi que
há uns aos quais as tuas obras desagradam. Eles sustentam que fizeste muitas delas
constrangido pela necessidade, como a estrutura dos céus, a ordem dos astros; afirmam
que não as criaste por ti mesmo, mas que elas já existiam alhures, criadas por
outra fonte; que te limitaste a reuni-las, a ordená-las, a entrelaçá-las; que
com elas construíste as muralhas do mundo, depois de teres vencido os teus
inimigos, para que essa construção os mantivesse captivos, e não mais pudessem revoltar-se
contra ti; que não criaste nem organizaste outros seres, como os corpos
carnais, os animais pequenos e tudo o que se prende à terra por meio de raízes;
que foi um espírito hostil, uma outra natureza, não criada por ti, e que se
opõe a ti nas regiões inferiores do mundo, que as gerou e organizou. Esses
insensatos falam assim porque não veem as tuas obras através do teu Espírito,
nem te reconhecem neles.
CAPÍTULO
XXXI
A
luz do espírito divino
O oposto sucede aos que
veem as tuas obras através do teu Espírito, pois és tu é quem as vê neles.
Portanto, quando veem que elas são boas, tu também vês essa bondade; em tudo o
que lhes agrada por tua causa, tu és que nos agradas, e o que nos agrada
através do teu Espírito é em nós que te agrada. Com efeito, quem dentre os
homens sabe das coisas do homem, senão o espírito do homem que nele habita? Do
mesmo modo o que pertence a Deus ninguém o sabe, a não ser o Espírito de Deus.
“Quanto a nós, diz ainda Paulo, não recebemos e espírito deste mundo, mas o
Espírito de Deus, para que conheçamos os dons que nos vêm de Deus”.
E isto fez-me perguntar:
Posto que certamente ninguém sabe das coisas de Deus, com excepção do Espírito
de Deus, como então nós conhecemos os dons que nos vêm de Deus? Eis a resposta
que recebi: As coisas que sabemos pelo seu Espírito, ninguém as sabe a não ser
o Espírito de Deus. É pois justo que foi dito aos que falavam, inspirados pelo
Espírito de Deus: “Não sois vós os que falais” – e aos que obtêm o seu saber do
Espírito de Deus: “Não sois vós os que sabeis”. – E com igual razão se diz aos
que veem através do Espírito de Deus: “Não sois vós os que veem”. Assim, em
tudo o que vemos de bom pelo Espírito de Deus, não somos nós que vemos, mas
Deus.
Por isso, uma coisa é
julgar mau o que é bom, como o fazem aqueles de quem falei acima, e outra coisa
é o homem ver o que é bom. Todavia, muitos amam a tua criação porque é boa, mas
não te amam nessa criação; e por isso preferem gozar dela que de ti. Há ainda
outro caso, quando alguém vê que uma coisa é boa, mas é Deus que nele vê que essa
coisa é boa, e é Deus que é amado na sua criação. Ele só o pode ser graças ao
Espírito que Deus nos deu, porque o amor de Deus foi derramado nos nossos
corações pelo Espírito Santo que nos foi dado. Por ele, vemos que tudo o que de
algum modo existe é bom, pois recebe o seu ser daquele que é, não de um modo
qualquer, mas de modo absoluto.
(Revisão
de versão portuguesa por ama)