Tempo comum XXXIII Semana
Evangelho:
Lc 19, 1-10
1 Tendo entrado em Jericó, atravessava a cidade. 2
Eis que um homem chamado Zaqueu, que era chefe dos publicanos e rico, 3
procurava conhecer de vista Jesus, mas não podia por causa da multidão, porque
era pequeno de estatura. 4 Correndo adiante, subiu a um sicómoro
para O ver, porque havia de passar por ali. 5 Quando chegou Jesus
àquele lugar, levantou os olhos e disse-lhe: «Zaqueu, desce depressa, porque
convém que Eu fique hoje em tua casa». 6 Ele desceu a toda a pressa,
e recebeu-O alegremente. 7 Vendo isto, todos murmuravam, dizendo:
«Foi hospedar-Se em casa de um homem pecador». 8 Entretanto, Zaqueu,
de pé diante do Senhor, disse-Lhe: «Eis, Senhor, que dou aos pobres metade dos
meus bens e, naquilo em que tiver defraudado alguém, restituir-lhe-ei o
quádruplo». 9 Jesus disse-lhe: «Hoje entrou a salvação nesta casa,
porque este também é filho de Abraão. 10 Porque o Filho do Homem
veio buscar e salvar o que estava perdido».
Comentário:
No mesmo mês de Novembro a Liturgia oferece-nos outra vez este trecho do
Evangelho de São Lucas. Não o faz pela beleza do escrito – que indubitavelmente
tem – mas para que se grave bem em nós a bondade que o Senhor usa para com
aqueles que O procuram e não desistem de o fazer sejam quais forem os
obstáculos que possam querer impedi-lo.
O que pode começar por simples curiosidade transformar-se-á numa mudança
radical da própria vida e, sobretudo, do comportamento pessoal.
O Senhor, cuja generosidade não conhece limites, retribui sempre com
extrema largueza o pouco ou muito que queiramos oferecer-lhe.
(ama, comentário sobre Lc 19, 1-10, 2013.11.19)
Leitura espiritual
A PACIÊNCIA
…/9
‘Mais de uma vez –
acrescenta a filha – tenho esclarecido em público que eu não seria o que hoje
sou, se não tivesse recebido a educação que meus pais me deram, se não tivesse
tido o seu exemplo em face de tantas contrariedades e situações difíceis – entre
elas a morte de dois filhos – por que Deus permitiu que passassem’ [i]
Essa perspectiva de tantos
anos de entrega constante e amorosa dos pais iluminou aos olhos dessa mulher as
suas próprias raízes.
Entendeu-se melhor a si
mesma, projectando as suas lembranças sobre o fundo luminoso da dedicação
paciente, contínua, calada, carinhosa de seus pais cristãos.
OS
FRUTOS DOURADOS DA PACIÊNCIA
Ao captar mais lucidamente
a riqueza do exemplo dos pais, Maria Antónia pôde compreender também uma
dimensão preciosa da virtude da paciência, de que agora nos vamos ocupar: a da
fidelidade persistente, que é feita de amor generoso e constante; uma paciência
que não se cansa do sacrifício, que não tem pressa em cobrar resultados, que
não desanima quando os esforços parecem baldados e os frutos ainda não se vêm.
Esta era a paciência que
brilhava, com seu halo doce e envolvente, na recordação dos pais.
Todos nós temos
experiência de quanto custa persistir nos esforços ou atitudes que exigem
sacrifícios continuados e não trazem compensações imediatas.
Não é fácil lutar,
manter-se firme no empenho, e ver que tudo demora a realizar-se, a concluir-se,
a chegar.
A nossa paciência é
testada sempre que temos de aguardar, esperar, voltar, tentar uma e outra vez:
desde a interminável espera num consultório dentário até o desgosto do casal de
namorados que precisa adiar de novo a data do casamento, porque não têm
condições de financiar o apartamento.
Com razão diz Hildebrand
que “a impaciência se relaciona sempre com o tempo. [ii]
Mas todo aquele que quiser
conseguir alguma coisa de real valor na vida, não terá outro remédio senão
armar-se de paciência e esperar. Demora-se, necessariamente, a ser um
profissional experiente; demora-se a amadurecer por dentro até corrigir pelo
menos alguns dos defeitos pessoais; demora-se a suavizar arestas no casamento
e, aos poucos, ir-se ajustando à base de mútuos perdões e sorridentes
renúncias; demora-se a criar um bom ambiente familiar; demora a vida inteira a
autêntica formação dos filhos.
‘Aprendi a esperar – dizia
Mons. Escrivá –; não é pouca ciência’.
Mas é importante termos
muito presente que esse “esperar” não significa “aguardar” passivamente.
Consiste, como estamos
vendo, em persistir fiel e confiadamente no cumprimento da nossa missão, do
nosso dever – do dever religioso, moral, familiar, profissional... –, durante
todo o tempo que for preciso, com aquela convicção que animava Santa Teresa: “A
paciência tudo alcança”.
A essa paciente espera se
refere o Apóstolo São Tiago, quando nos põe diante dos olhos a imagem do
lavrador: Tende, pois, paciência, meus
irmãos [...]. Vede o lavrador: ele
aguarda o precioso fruto da terra e tem paciência até receber a chuva do outono
e a da primavera. Tende também vós paciência e fortalecei os vossos corações [iii].
Não é verdade que estas
palavras nos lembram muitas coisas pessoais?
Os frutos dourados da vida
só se conseguem com uma luta constante, unida a uma paciência fiel.
Mas quanto custa seguir o
conselho do Apóstolo!
Muitas vezes já fomos como
aquela criança a quem a mãe tinha oferecido uma planta que, com o tempo, iria
dar flores.
“Mas, quando os botões
surgiram, não sabíamos esperar que abrissem. Colaborávamos no seu desabrochar
triturando-as, separando talvez as pétalas, para que a floração fosse mais
rápida. Nódoas escuras apareciam então, e as flores estiolavam, murchavam...” [iv]
Quantas coisas, na vida,
não estiolam por cansaços impacientes que nos levam a desistir!
Na vida familiar, os exemplos
são gritantes.
Talvez hoje seja mais
necessário do que nunca recordar aos casais que a felicidade que procuram, sem
saber bem como achá-la, nunca a conseguirão como fruto do egoísmo defendido de
qualquer incómodo, mas como fruto do amor fielmente paciente, do amor cristão.
E da mesma coisa deveriam
lembrar-se todos os que começaram alguma vez, movidos por um alegre impulso da
graça, a esforçar-se decididamente por viver o ideal e as virtudes cristãs.
A maior ameaça contra esse
bom propósito, mais do que nas fraquezas e nas reincidências no erro,
encontra-se no cansaço, na sensação de que “não adianta continuar”, ou de que
“custa demais conseguir”, ou seja, na falta de paciência para ir avançando aos
poucos, à força de começar e recomeçar.
Nós gostamos de que as
coisas nos sejam dadas logo. Deus sabe que as almas e as coisas precisam ter as
suas estações.
Temos que aprender, por
isso, a ser bons semeadores, que esperam a colheita sem pressas inquietas e
perseveram sem desânimos exaustos.
Semear é duro.
É enterrar o grão e nada
ver. Isso exige fé e desprendimento.
Eu dou a semente do meu
esforço, do meu empenho, do meu sacrifício, da minha oração, e espero,
vigilante, até que dê o seu fruto, enquanto continuo, solícito, a zelar pelo
campo: rego, limpo, podo, adubo, protejo...
Só com essa paciência
activa é que um dia virá o fruto: o fruto da fé, amadurecida a partir da
persistência na oração, nos sacramentos, na formação; o fruto dos valores
cristãos finalmente arraigados nos filhos; o fruto das virtudes pessoais que
desabrocham e se firmam; os frutos do apostolado.
Todos nós já exclamamos
mais de uma vez: ‘Que paciência!’, ao admirarmos obras humanas magníficas, que
só se explicam por uma longa aplicação, por um trabalho meticuloso, prolongado
e imensamente paciente.
É assim que louvamos, por
exemplo, os bordados delicadíssimos e artísticos de uma enorme toalha de mesa
feita à mão.
É assim também que
admiramos o trabalho da vida inteira de um pesquisador, que foi coligindo,
exaustivamente, um incrível acervo de dados sobre uma matéria até então ainda
não estudada.
– ´Que paciência!’,
dizemos.
Pois bem, uma paciência
igual, pelo menos, e um esmero e uma tenacidade análogos, são os que Deus nos
pede para cultivarmos em nós e à nossa volta a vida e as virtudes cristãs.
A paciência produz a
virtude comprovada, diz São Paulo [v].
E São Tiago repisa o mesmo
ensinamento ao escrever:
É
preciso que a paciência efectue a sua obra, a fim de serdes perfeitos e
íntegros, sem fraqueza alguma [vi].
Pela
vossa paciência possuireis as vossas almas, havia já dito
Jesus [vii].
É muito sugestivo o facto
de que, nesses três textos, como em tantos outros da Bíblia, a mesma palavra
que significa paciência inclua também o sentido de perseverança, de
persistência fiel.
(cont.)
FRANCISCO FAUS, [viii]
A PACIÊNCIA, 2ª edição, QUADRANTE,
São Paulo 1998
(Revisão da versão
portuguesa por ama)
[i]
maria antónia virgili, Jornal El Norte de Castilla, Valladolid,
16.05.1992.
[ii]
dietrich von hildebrand, A nossa transformação em Cristo, Aster,
Lisboa, 1960, pág. 204.
[iv]
Romano Guardini, O Deus vivo, Aster, Lisboa, s/d, pág. 71.
[viii]
Francisco Faus é licenciado em Direito pela
Universidade de Barcelona e Doutor em Direito Canónico pela Universidade de São
Tomás de Aquino de Roma. Ordenado sacerdote em 1955, reside em São Paulo, onde
exerce uma intensa atividade de atenção espiritual entre estudantes
universitários e profissionais. Autor de diversas obras literárias, algumas
delas premiadas, já publicou na colecção Temas Cristãos, entre outros, os
títulos O valor das dificuldades, O homem bom, Lágrimas de Cristo, lágrimas dos
homens, Maria, a mãe de Jesus, A voz da consciência e A paz na família.