Quaresma
Semana Santa
Sábado Santo
– Vigília Pascal
Evangelho:
Lc 24, 1-12
1 No primeiro dia da
semana, foram muito cedo ao sepulcro, levando os perfumes que tinham preparado.2
Encontraram removida a pedra do sepulcro. 3 Entrando, não
encontraram o corpo do Senhor Jesus. 4 Aconteceu que, estando
perplexas com isso, eis que apareceram junto delas dois homens com vestidos
resplandecentes. 5 Estando elas medrosas e com os olhos no chão,
disseram-lhes: «Porque buscais entre os mortos Aquele que está vivo? 6
Ele não está aqui, ressuscitou. Lembrai-vos do que Ele vos disse quando estava
na Galileia: 7 Importa que o Filho do Homem seja entregue nas mãos
de homens pecadores, e seja crucificado, e ressuscite ao terceiro dia». 8
Então lembraram-se das Suas palavras. 9 Tendo voltado do sepulcro,
contaram todas estas coisas aos onze e a todos os outros. 10 As que
diziam aos Apóstolos estas coisas eram Maria Madalena, Joana, Maria, mãe de Tiago,
e as outras que estavam com elas. 11 Mas estas palavras
pareciam-lhes como que um delírio e não lhes deram crédito. 12
Todavia, Pedro levantou-se, correu ao sepulcro e, inclinando-se, viu só os
lençóis e retirou-se para casa, admirado com o que sucedera.
Comentário:
S. Lucas não se detém muito em pormenores sobre a
Ressurreição, já outro Evangelista, Mateus o tinha feito.
Parece que o que deseja frisar é o cumprimento de
quanto fora dito a propósito pelos Profetas ou pelo Próprio Jesus Cristo para
que fique claro que absolutamente nada acontece se integrar plena e cabalmente
nos “planos” de Deus, sejam eles pequenas coisas aparentemente sem grande
relevo ou as extraordinárias como é a Ressurreição do Seu Filho.
Detém-se, contudo, nos nomes das mulheres que
relatam os acontecimentos para que conste quem foram as testemunhas no tempo e
na circunstância, como procederam, o que disseram.
Sendo o Evangelho a Palavra de Deus nada do que
nele consta pode ser outra coisa que não a estrita verdade e, esta, dispensa
rodeios ou “floreados”.
(ama, comentário sobre Lc 24, 1-12,
2013.03.30)
Leitura espiritual
SANTO
AGOSTINHO - CONFISSÕES
CAPÍTULO
XVII
Caminho
para Deus
Admirava-me de já te amar,
e não a um fantasma em teu lugar, mas não era estável no gozo do meu Deus. Era
arrebatado a ti pela tua beleza, e logo afastado de ti pelo meu peso, que me
precipitava sobre a terra a gemer. O meu peso eram os hábitos carnais. Mas a tua
lembrança acompanhava-me.
Nem absolutamente duvidava
da existência de um ser a quem eu devia unir-me, embora não estivesse apto para
esta união, porque o corpo, que se corrompe, sobrecarrega a alma, e a morada
terrena oprime o espírito carregado de cuidados. Estava certíssimo de que as tuas
belezas invisíveis se descobrem à inteligência desde a criação do universo, por
meio das tuas obras; bem como o teu poder eterno e a tua divindade.
Buscava saber de onde me
vinha minha faculdade de apreciar a beleza dos corpos – quer celestes, quer
terrenos – e o que me permitia julgar rápida e cabalmente das coisas mutáveis quando
dizia: “Isto deve ser assim, aquilo não deve ser assim”. Procurando a origem da
minha faculdade de julgar quando assim julgava, achei a eternidade imutável e
verdadeira, acima do meu espírito mutável.
E, gradualmente, fui
subindo dos corpos para a alma, que sente por meio do corpo; e dela à sua força
interior, à qual os sentidos comunicam as coisas exteriores, que é o limite
alcançado pelos animais. Daqui passei para o poder do raciocínio, ao qual cabe
julgar as percepções dos sentidos corporais; por sua vez, julgando-se sujeito a
mudanças, levantou-se até a sua própria inteligência, e afastou o pensamento
das suas cogitações habituais. Livrou-se da multidão de fantasmas
contraditórios, para descobrir que luz a inundava quando, sem nenhuma dúvida, afirmava
que o imutável deve ser preferido ao mutável; e também de onde lhe vinha o conhecimento
do próprio imutável, porque, se não tivesse dele alguma noção, nunca o preferiria
ao mutável com tanta certeza. E, finalmente, chegou àquele que é um único
lampejo.
Foi então que as tuas
perfeições invisíveis se manifestaram à minha inteligência por meio das tuas
obras. Mas não pude fixar nelas o meu olhar; a minha fraqueza recobrou, e
voltei a meus hábitos, não levando comigo senão uma lembrança amorosa e, por
assim dizer, o desejo do perfume do alimento saboroso que eu ainda não podia
comer.
CAPÍTULO
XVIII
A
senda da humildade
Buscava um meio que me
desse força necessária para gozar de ti, e não a encontrei enquanto não me
abracei ao Mediador entre Deus e os homens, o homem Cristo Jesus, que está sobre
todas as coisas, Deus bendito por todos os séculos, que chama e diz: Eu sou o
caminho, a verdade e a vida. Ele une o alimento à carne (alimento que eu não
tinha forças para tomar), porque o Verbo se fez carne, para que a tua
Sabedoria, pela qual criaste todas as coisas, fosse o leite da nossa infância.
Não tendo humildade, eu
não possuía Jesus, o Deus da humildade, e não atinava o que nos poderia ensinar
a sua fraqueza. Porque o teu Verbo, verdade eterna, dominando as criaturas mais
sublimes da tua criação, levanta a si as que se lhe sujeitam e, nas partes
inferiores, construiu para si, com o nosso lodo, uma humilde morada. Assim faz
para humilhar e arrancar de si mesmo aqueles que deseja sujeitar e atrair,
curando-lhes a soberba e alimentando-lhes o amor, para que, confiando em si,
não se afastem para mais longe. Pelo contrário, que se humilhem, vendo a seus
pés a humildade de um Deus que também se vestiu da nossa túnica de carne, e cansados,
se prostrem diante dela para que, ao levantar-se, os exalte.
CAPÍTULO
XIX
A
doutrina do verbo
Mas eu então julgava de
outro modo. Considerava o meu Senhor Jesus Cristo apenas um homem de
extraordinária sabedoria, a quem ninguém poderia igualar. Sobretudo o seu
miraculoso nascimento de uma virgem, que nos ensina a desprezar os bens temporais
para adquirir a imortalidade. Parecia-me ter merecido, por decreto da Providência
divina, uma soberana autoridade para ensinar os homens.
Mas nem suspeitava o
mistério que se encerra nestas palavras: o Verbo se fez carne.
Somente conhecia, pelas
coisas que dele nos deixaram escritas, que comeu, bebeu, dormiu, passeou, que
se alegrou, se entristeceu e pregou, e que essa carne não se juntou ao teu
Verbo senão com alma e inteligência humanas. Tudo isso sabe quem conhece a
imutabilidade do teu Verbo, que eu já conhecia quanto me era possível, sem que
disso nada duvidasse. Com efeito, mover os membros do corpo à vontade, ou não
movê-los, estar dominado por algum afecto ou não o estar, traduzir por palavras
sábios pensamentos e depois calar, são caracteres próprios da mutabilidade da
alma e da inteligência. Se esses testemunhos das Escrituras fossem falsos, tudo
o mais correria o risco de ser mentira, e o gênero humano não teria mais nesses
livros a fé, condição de salvação. Mas como são verdadeiras as coisas nela escritas,
eu reconhecia em Cristo um homem completo, não somente o corpo de um homem, ou
um corpo sem uma alma inteligente, mas um homem real, que eu julgava superior a
todos os outros não por ser a personificação da verdade, mas em razão da
singular excelência da sua natureza humana, e de uma mais perfeita participação
na sabedoria.
Alípio porém pensava que
os católicos, crendo num Deus revestido de carne, entendiam que em Cristo, além
de Deus e da carne, não havia alma humana; e não julgava que lhe atribuíssem
inteligência humana. E como estava bem persuadido de que os actos atribuídos tradicionalmente
a Cristo não podiam ser senão obras de uma criatura cheia de vida e de inteligência,
Alípio aproximava-se com certa relutância da fé cristã. Mas depois, ao saber
que este erro era próprio dos hereges apolinaristas, aderiu alegremente à fé
católica.
De minha parte, confesso que
só aprendi mais tarde a diferença da interpretação das palavras “o Verbo se fez
carne”, entre a verdade católica e o erro do Fotino (bispo de Sírmio, afirmava
que o Verbo não havia sido Filho de Deus até se encarnar nas entranhas da Virgem
Maria, negando toda a união substancial entre a natureza humana e o Verbo
divino). A reprovação dos hereges põe às claras o pensamento da tua Igreja e o
que esta considera como doutrina sã.
Convém pois que haja
heresias, para que os fortes se distingam entre os fracos.
CAPÍTULO
XX
Do
platonismo às Escrituras
Depois de ter lido aqueles
livros dos platónicos, induzido por eles a buscar a verdade incorpórea,
começaram a tornar-se patentes, por meio das tuas obras, as tuas perfeições
visíveis.
Repelido para longe de ti,
compreendi em que consistia essa verdade, que as trevas da minha alma me
impediam de contemplar. Estava certo da tua existência e de que és infinito,
sem contudo te estenderes por espaços finitos ou infinitos; e de que és
verdadeiramente aquele que é sempre idêntico a si mesmo, sem te mudares em
outro, nem sofrer alteração alguma, quer parcialmente ou com algum movimento,
quer de qualquer outro modo; e de que tudo o mais vem de ti, pela única e
irrefutável razão de que existe. Tinha certeza de todas estas verdades, mas achava-me
ainda demasiado fraco para gozar de ti. Tagarelava muito, como se fora
competente nisso, mas se não procurasse o caminho da verdade em Cristo, nosso
Salvador, não seria perito, mas perituro. Já começava a querer parecer sábio,
cheio do meu castigo, e não chorava, mas orgulhava-me com a ciência. Onde
estava aquela caridade erigida sobre o alicerce da humildade, que é Cristo
Jesus? Ou talvez aqueles livros ma ensinariam? Creio que quiseste que com eles me
encontrasse antes de meditar nas tuas Escrituras, para que fixassem na minha
memória os afectos que nela experimentei. Depois, quando encontrasse nos teus
livros a paz do coração, sarada com as tuas mãos as feridas da minha alma,
pudesse discernir e perceber a diferença entre presunção e humildade, entre os
que veem para onde se deve ir, e não veem por onde se vai, nem o caminho que
conduz à pátria bem-aventurada, não só para contemplá-la, mas também para
habitá-la.
Porém, se me tivesse
instruído nas tuas sagradas letras, e na sua intimidade tivesse experimentado
na doçura, para depois conhecer os livros dos platónicos, talvez eles me arrancassem
dos sólidos fundamentos da piedade; ou, se eu tivesse persistido nos
sentimentos salutares nelas hauridos, talvez julgasse que só por esses livros
se poderia chegar ao mesmo proveito espiritual.
(Revisão
de versão portuguesa por ama)