Semana II da Páscoa
Evangelho:
Jo 3 31-36
31
«Aquele que vem lá de cima é superior a todos. Aquele que vem da terra, é da
terra, e terrestre é a sua linguagem. Aquele que vem do céu, é superior a
todos. 32 Ele testifica o que viu e ouviu, mas ninguém recebe o Seu testemunho.
33 Quem recebe o Seu testemunho certifica que Deus é verdadeiro. 34 Aquele a
Quem Deus enviou fala palavras de Deus, porque Deus não Lhe dá o Espírito por
medida. 35 O Pai ama o Filho e pôs todas as coisas na Sua mão. 36 Quem acredita
no Filho tem a vida eterna; quem, porém, não acredita no Filho não verá a vida,
mas a ira de Deus permanece sobre ele».
Comentário:
Jesus Cristo fala de Si próprio
e explica repetindo uma vez mais, quase com as mesmas palavras, Quem É e ao que
veio!
O mais importante a reter é que
Ele mesmo Se afirma como o caminho – o único – para o Pai e, sendo assim, como
de facto é, só por Ele, com Ele e nele poderemos alcançar a vida eterna.
(ama,
comentário sobre Jo 3, 31-36, 2014.05.01)
Leitura espiritual
a beleza de
ser cristão
PRIMEIRA PARTE
O QUE É SER CRISTÃO?
I.
Relações que Deus estabelece com o homem.
…/2
Até aqui o esquema dos desejos de Deus de viver com os homens as relações
que Deus Uno e Trino quis estabelecer com cada ser humano, que serão o objecto
da primeira parte do nosso estudo. E, como estamos tratando de Deus e dos
homens, não mencionaremos a criação e a existência dos anjos, que damos por
assente.
Assim como antes sublinhamos que Deus não é um ser que o homem possa
«inventar”; parece oportuno recordar agora que esses desejos que Deus manifesta
de relacionar-se com o homem – desejos engendrados no arcano mistério do
Espírito de Deus e, portanto, também no arcano mistério da liberdade, segundo a
afirmação do Apóstolo: «O Senhor é Espírito, e onde está o Espírito do Senhor,
aí está a liberdade»[i] – hão-de ser recebidos e
aceites pelo homem, pelo homem na sua liberdade, para que sejam realmente
eficazes e alcancem o seu fim.
Para que a liberdade do homem se encontre em harmonia com a liberdade de
Deus, essa harmonia se desenvolva no amor que origina os vínculos e consiga os
fins que o amor de Deus pretende alcançar transmitindo ao homem a sua própria
vida na graça, o homem necessita de viver livremente umas disposições
espirituais de fundo.
Essas disposições, ensinou-no-las Jesus Cristo; e são fundamentalmente: a
mansidão, a humildade, a caridade: «Aprendei de Mim que sou manso e humilde de
coração».[ii]
«Dou-vos um mandato novo: que vos ameis uns aos outros. E nisto todos
conhecerão que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros».[iii]
Aberto o seu espírito com estas disposições, as relações do homem dom Deus
permitem-lhe descobrir que Deus, a criar e vincular desta forma o homem a Ele
anseia não só conceder-lhe a condição de filho por adopção, mas também que Deus
Pai, Filho e Espírito Santo “sonha” em converter o homem em seu colaborador nas
três grandes obras de Deus: na Criação, na Redenção e na Santificação de todo o
Universo.
Consciente desses projectos de Deus sobre si, o cristão descobre a sua
própria grandeza.
Nessa perspectiva da sua inteligência, da sua vontade, chega a vislumbrar a
profunda conversão que se origina na sua pessoa: recebe a vida que Deus lhe
oferece, Deus, depois, não o abandona, chama-o a colaborar com Ele, como seu
filho em Cristo.
Desta forma, o homem que vive de uma “certa participação na vida de Deus”,
vivida na ordem natural e na ordem da graça na unidade do seu eu, converte todo
o seu actuar, todo o seu amar, todo o seu ser em Criação, em Redenção, em
santificação.
Como é possível esta colaboração do homem com Deus?
ii . a criação
Assinalámos que o homem não pode “criar”, “inventar” Deus. Agora não é
difícil entender que o homem é um ser que tampouco está em condições de se ter
criado a si próprio.
Não é estranho encontrar-se com frases como «o homem faz-se a si mesmo”; «o
homem é o que faz”; «o homem realiza-se a sai próprio segundo o seu projecto de
vida”; etc.
São afirmações e desejos que desconhecem, ou que não desejam conhecer, as
perguntas sobre a origem e o fim do ser humano; perguntas que, definitivamente,
são as verdadeiramente radicais que o homem pode e deve colocar-se a si mesmo;
se não mente ou se engana a si mesmo ao dizer que anseia conhecer quem é.
Se nascemos, se vivemos, se morremos, como é evidente, teve de
transmitir-nos esta vida, que temos e de que gozamos, mas que não nos demos,
Quem não existe não se pode “inventar”.
A doação original da vida que sustém o mundo, e o homem no mundo, é o acto
criador de Deus.
Fica no ar a pergunta sobre a realidade de um Criador: quem é? Como é?
Se o mundo tem uma origem, e esta parece ser uma verdade já alcançada. E
não digo "cientificamente” alcançada porque a pergunta sobre a origem do
mundo não tem uma resposta «científica”. A realidade não se esgota no que é
“cientificamente verificável”.
Ou seja, se esta é já uma verdade alcançada para explicar a origem do
mundo, conceptualmente só há dois caminhos possíveis para encontrar a resposta:
um Criador pessoal, inteligente e livre; ou antes, um ser anónimo, convertível
e variável em força amorfa, que necessariamente sustenha em marcha um processo
sem começo nem fim e sem nenhum sentido. Não há meios-termos. Deus pessoal ou
panteísmo. [iv]
O segundo destes caminhos reduz-se, definitivamente, a um certo
“panteísmo”.
Ou seja, ou Deus cria o homem e o homem vive fora de Deus ou o homem e Deus
são uma “mesma coisa”, em contínuo movimento, contínuo fazer-se; um deus que
nasce e morre continuamente em nós, que somos, portanto, esse mesmo “deus”.
A narração bíblica dos primeiros dias do ser humano, homem e mulher, sobre
a terra, apresenta-nos a verdade do facto histórico da criação numa linguagem
cheia de imagens, que descreve uma realidade impensável par qualquer ser humano
que não tivesse “visto” já a Deus por caminhos para nós desconhecidos.
A consideração que alguns escritores voltam a apresentar de vez em quando e
até periodicamente, que Deus não é mais que um produto da mente do homem face
aos medos, os temores, e ao tomar consciência da instabilidade, da fragilidade
e das limitações que comporta a sua condição de criatura, carece de qualquer
fundamento racional.
Simplesmente, porque se dá por adquirido a existência fora do homem do Ser
que se pretende objecto da invenção do homem e porque pressupõe que o homem
“inventa” um ser com a finalidade de acalmar uns medos e temores que, sem esse
ser, o homem não teria jamais nenhuma razão nem motivo para sentir.
Com efeito: que razão há para que o homem tema e fraqueje ante “um algo”,
“um alguém”, ou, simplesmente, ante “um nada” se não sabe já que existe?
Porque é que o homem pode encher-se de medo ante “o desconhecido”, se em
absoluto não sabe “o que há de verdade no desconhecido”, e tampouco o que “o
desconhecido” esconde?
Como pode sequer originar-se no homem o conceito de “desconhecido”, se não
descobre no seu próprio ser uns limites que só podem ser realidade na sua
condição de criatura?
De que estranho poço de sabedoria pode o homem tomar consciência das suas
limitações, dos seus limites, se o seu existir é “pura química”, fruto das
«necessidades” da força e da energia evolutiva?
Só se pode negar Deus a partir de um conhecimento prévio de Deus.
E a Deus não é possível, absolutamente, “afirmá-lo” fora dele, a partir do
homem.
O homem descobre Deus nele; não o inventa, uma vez mais sublinho.
O homem tomou consciência da existência de Deus a partir do próprio
instante da sua criação, ao receber o espírito que o constituía homem.
E esta é a razão pela qual o homem, ao longo de toda a sua história, em
qualquer rincão do mundo em que se encontre, em qualquer condição em que
estivesse a sua vida, adorou a Deus.
Ainda que, e é necessário admiti-lo: «este conhecimento seja com frequência
obscurecido e desfigurado pelo erro».[v]
E com esse acto de adoração deixou um traço da profundidade da inteligência
com que foi dotado desde o princípio e rico na sabedoria de a utilizar.
Estando já assente no crente a verdade de um Deus pessoal Criador, o
espírito do homem abre-se à compreensão da criação, pondo-se duas
interrogações; ainda que possa parecer estranho começar por essas perguntas e
não outras; e estranho porque contêm uma palavra que em si mesma parece não
necessitar de resposta: criação.
Porquê Deus criou o homem?
Para quê Deus criou o homem?
A primeira pergunta não tem possibilidade de outra resposta que a seguinte:
Deus criou o mundo por Amor.
«Assim pois, acerca da questão Porquê Deus criou o mundo? há que dizer o
seguinte: Na medida em que esta questão reclama uma resposta por causa da nossa
imagem humana de Deus – e só na razão da nossa imagem humana de Deus o problema
se pode colocar, não há mais que a resposta de uma confissão esclarecedora:
Deus é o amor e, levado por esse amor, cria o mundo para o homem e por causa do
homem.
O motivo do seu amor é o seu próprio amor, cujo acto fundamental não é uma
resposta a um bem fora de si próprio, mas um dispor criador de todos os bens. [vi]
Uma resposta semelhante corre o perigo de ser entendida num sentido muito
redutor; se aplicamos a Deus noções de egoísmo que podemos encontrar em
qualquer amor humano.
Deus cria a sua criação por amor; porque anseia transmitir vida e amor. Não
para aumentar a sua bem-aventurança nem para adquirir um aumento de perfeição,
mas simplesmente para manifestar o seu amor pelos bens que outorga às suas
criaturas.
Só o verdadeiro Deus, no seu desígnio libérrimo, criou do nada e ao mesmo
tempo uma e outra criatura, a espiritual e a corporal; e. com a criatura,
começou o tempo.
(cont)
ernesto juliá, La belleza de ser cristiano, trad. ama)
[iv] juan arana, El Dios sin rostro,
Biblioteca Nueva, Madrid 2003
[vi] johann auer, El mundo, creación de Dios,
Herder, Barcelona 1985, Part I, cap. II, pag. 9.