01/10/2014

Desculpar a todos

Só serás bom, se souberes ver as coisas boas e as virtudes dos outros. Por isso, quando tiveres de corrigir, fá-lo com caridade, no momento oportuno, sem humilhar... e com intenção de aprender e de melhorar tu próprio, naquilo que corriges. (Forja, 455)

Uma das suas primeiras manifestações concretiza-se em iniciar a alma nos caminhos da humildade. Quando sinceramente nos consideramos nada; quando compreendemos que, se não tivéssemos o auxílio divino, a mais débil e fraca das criaturas seria melhor do que nós; quando nos vemos capazes de todos os erros e de todos os horrores; quando nos reconhecemos pecadores, embora lutemos com empenho por nos afastarmos de tantas infidelidades, como havemos de pensar mal dos outros? Como se poderá alimentar no coração o fanatismo, a intolerância, o orgulho?
A humildade leva-nos pela mão a tratar o próximo da melhor forma: compreender a todos, conviver com todos, desculpar a todos; não criar divisões nem barreiras; comportarmo-nos – sempre! – como instrumentos de unidade. Não é em vão que existe no fundo do homem uma forte aspiração à paz, à união com os seus semelhantes e ao respeito mútuo pelos direitos da pessoa, de modo que tal aspiração se transforme em fraternidade. Isto reflecte uma nota característica do que há de mais valioso na condição humana: se todos somos filhos de Deus, a fraternidade nem se reduz a uma figura de retórica, nem consiste num ideal ilusório, pois surge como meta difícil, mas real.
(…) Na oração, com a ajuda da graça, a soberba pode transformar-se em humildade. E brota da alma a verdadeira alegria, mesmo quando ainda notamos o barro nas asas, o lodo da pobre miséria, que vai secando. Depois, com a mortificação, cairá esse barro e poderemos voar muito alto, porque nos será favorável o vento da misericórdia de Deus. (Amigos de Deus, nn. 233. 249)



Tratado do verbo encarnado 16

Questão 2: Do modo da união do Verbo Encarnado

Art. 10 — Se a união da Encarnação se fez pela graça.

O décimo discute se assim. — Parece que a união da Encarnação não se fez pela graça.

1. — Pois, a graça é um acidente, como se demonstrou na Segunda Parte. Ora, a união da natureza humana com a divina não é uma união acidental, como se demonstrou. Logo, parece que a união da Encarnação não se fez pela graça.

2. Demais. — O sujeito da graça é a alma. Ora, como diz o Apóstolo, em Cristo habita toda a plenitude da divindade corporalmente. Logo, parece que essa união não se fez pela graça.

3. Demais. — Todo o santo está unido a Deus pela graça. Se, pois, a união da Encarnação se fez pela graça, parece que Cristo não é chamado Deus, diferentemente dos outros varões santos.

Mas, em contrário, diz Agostinho: Todo o homem se torna Cristão desde o início da sua fé, por aquela graça pela qual esse homem desde o princípio fez-se Cristo. Ora, este homem se fez Cristo pela união com a natureza divina. Logo, tal união realizou-se pela graça.

Como dissemos na Segunda Parte, a graça pode ser considerada a dupla luz: A uma, é a própria vontade de Deus, que faz um dom gratuito, a outra, é esse dom gratuito próprio de Deus. Ora, a natureza humana precisa da gratuita vontade de Deus para elevar-se até ele, pois, tal lhe sobrepuja a faculdade da natureza. Ora, a natureza humana se eleva a Deus de dois modos: pela operação, pela qual os santos conhecem e amam a Deus, e pelo ser pessoal, modo que é o singular, de Cristo, em quem a natureza humana foi assumida para que fosse da pessoa do Filho de Deus. Ora, é manifesto que para a perfeição de uma operação, é necessário que a potência seja aperfeiçoada pelo hábito, mas, que a natureza tenha o ser no seu suposto, isso não se realiza mediante nenhum hábito.

Donde devemos concluir, que se consideramos como graça a vontade mesma de Deus, que faz um dom gratuito, ou que tem alguém como grato ou aceite, nesse caso a união da Encarnação se fez pela graça, assim como a união dos santos com Deus, pelo conhecimento e pelo amor. Mas, se considerarmos como graça o próprio dom gratuito de Deus, assim, o mesmo ser a natureza humana unida à pessoa divina pode-se considerar uma determinada graça, por tal não se ter dado em virtude de nenhuns méritos precedentes, mas não como existindo alguma graça habitual, mediante a qual tal união se tenha feito.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A graça acidental é uma certa semelhança da divindade participada no homem. Ora, pela Encarnação não se diz que a natureza humana participa de qualquer semelhança da natureza divina, mas que está unida à própria natureza divina, na pessoa do Filho. Ora, uma realidade em si mesma é superior à sua semelhança participada.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A graça habitual só existe na alma, mas a graça, isto é, o dom gratuito de Deus, que produz a união com a pessoa divina, pertence a toda a natureza humana, composta de alma e corpo. E deste modo dizemos que a plenitude da divindade habitou corporalmente em Cristo, porque a natureza divina se uniu não só à alma mas também ao corpo. Embora também se possa dizer que quando se afirma que habitou em Cristo corporalmente, isto é, não como sombra, como habitou nos sacramentos da lei antiga, dos quais no mesmo lugar acrescenta o Apóstolo, que são como sombra das coisas vindouras, mas o corpo é Cristo, enquanto o corpo se opõe à sombra. E também alguns ensinam, que quando se diz ter habitado corporalmente a divindade em Cristo, isso o foi de três modos, como o corpo tem três dimensões. Primeiro, pela essência, pela presença e pelo poder, como nas outras criaturas, segundo, pela graça santificante, como nos santos, terceiro, pela união pessoal, que é a própria de Cristo.

Donde se deduz clara a RESPOSTA À TERCEIRA OBJECÇÃO. — Isto é, porque a união da Encarnação não se fez pela só graça habitual, como nos outros santos que estão unidos a Deus, mas, pela subsistência ou pessoa.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


O silêncio em Cister - Vídeo



Tratado da Graça 13

Questão 110: Da graça de Deus quanto à sua essência.

Art. 3 — Se a graça é o mesmo que a virtude.

[II Sent., dist. XXVI, a. 4, De Verit., q. 27, a. 2].

O terceiro discute-se assim. — Parece que a graça é o mesmo que a virtude.

1. — Pois, como diz Agostinho, a graça operante é a fé, que obra por amor. Ora, a fé que obra pelo amor, é uma virtude. Logo, a graça também o é.

2. Demais. — Ao que convém a definição convém também o definido. Ora, as definições dadas, da virtude, pelos santos ou pelos filósofos, convêm à graça, pois também ela torna bom o sujeito e a sua obra, também ela é uma boa qualidade da mente, pela qual vivemos rectamente, etc. Logo, a graça é uma virtude.

3. Demais. — A graça é uma qualidade. Ora, é manifesto que não pertence à quarta espécie da qualidade, que é a forma e a figura fixa de um objeto, pois, não pertence ao corpo. Nem à terceira, porque não é paixão ou qualidade possível, que pertence à parte sensitiva da alma, como prova Aristóteles, pois a graça principalmente está na alma. Nem, por fim, à segunda espécie, que é a potência ou impotência da natureza, pois, é superior à natureza e não pode buscar o bem e o mal, como a potência natural. Logo, há-de pertencer à primeira espécie, que é o hábito ou disposição. Ora, os hábitos da alma são as virtudes, pois, a própria ciência é, de certo modo, uma virtude. Logo, a graça é o mesmo que a virtude.

Mas, em contrário. — Se a graça é uma virtude, há-de ser, por excelência, uma das três virtudes teologais. Ora, não é a fé, nem a esperança que podem existir sem a graça santificante. Nem a caridade, porque a graça prepara a caridade, como diz Agostinho. Logo, a graça não é uma virtude.

Alguns ensinaram que a graça é a essência idêntica à virtude, diferindo desta apenas racionalmente. Pois tira essa denominação de tornar o homem agradável a Deus, ou por ser dada gratuitamente, ao passo que a virtude confere a perfeição para agir bem. E esta parece ter sido a opinião do Mestre das Sentenças.

Mas, é inadmissível a quem reflectir atentamente na essência da virtude. Pois, como diz o Filósofo, a virtude é uma disposição do que é perfeito, chamo perfeito ao que é disposto segundo a natureza. Donde se vê que a virtude de um ser é assim chamada em relação a alguma natureza preexistente, isto é, quando está disposto do modo conveniente à sua natureza. Ora, é manifesto que as virtudes adquiridas pelos actos humanos, de que já tratamos (q. 55 ss), são disposições pelas quais o homem se ordena convenientemente à natureza que o torna homem. Ao passo que as virtudes infusas o dispõem de modo mais alto e para um fim mais elevado. Donde, hão-de também dispô-lo em ordem a uma natureza mais alta, i. é, à natureza divina participada, chamada lume da graça, conforme a escritura (2 Pd 1, 4): Comunicou-nos as mui grandes e preciosas graças que tinha prometido, para que por elas sejais feitos participantes da natureza divina. E por termos recebido tal natureza é que nos consideramos regenerados, como filhos de Deus.

Assim, pois, como o lume natural da razão é algo de superior às virtudes adquiridas, assim denominadas por se lhe ordenarem para ele, assim, o lume da graça, que é uma participação da natureza divina, é algo de superior às virtudes infusas, dele derivadas e ao qual se ordenam. Por isso, o Apóstolo diz (Ef 5, 8): Noutro tempo eram trevas, mas agora sois luz no Senhor: andai como filhos da luz. Donde, assim como as virtudes adquiridas aperfeiçoam o homem para proceder segundo a luz natural da razão, assim as virtudes infusas, para proceder de acordo com a luz da graça.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A fé, que obra o amor, Agostinho denomina-a graça, porque o acto da fé, que assim obra, é o primeiro acto pelo qual se manifesta a graça santificante.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O bem, que entra na definição da virtude, é assim chamado relativamente à conveniência com alguma natureza preexistente, essencial ou participada. Ora, não assim o bem é atribuído à graça, mas como à raiz da bondade do homem, segundo já se disse.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A graça reduz-se à primeira espécie de qualidade. Nem é o mesmo que a virtude, mas é um certo hábito, pressuposto às virtudes infusas, como princípio e raiz delas.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


"Gostos" e "Amens" em imagens e frases nas redes sociais

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Surgem bastantes vezes nas redes sociais, imagens e frases cristãs, pedindo a colocação de um “gosto” ou de um “ámen”, àqueles que visitam essas páginas.
Obviamente que, desde que colocadas com boa intenção, não fazem mal nenhum, nem a colocação das ditas imagens/frases, nem os “gostos” ou “amens”, mas verdadeiramente, quanto a mim, não servem para nada, a não ser, muitas vezes, um desejo de ter muitos “gostos” e “amens”, como num qualquer concurso de uma possível popularidade.

Reparemos que não é por eu colocar um “gosto” ou um “amen”, numa essas imagens/frases, que a minha fé aumenta, ou sequer, que assim eu testemunho a minha fé em Deus.
Podemos até, com a maior simplicidade, servirmo-nos das palavras em causa para perceber isso mesmo.
Com efeito, gostar não é amar, e a Deus ama-se, adora-se, não se gosta, ou seja, não se fica pelo gostar, porque é pouco, muito pouco, para tudo o que Deus é, deve ser, para aqueles que n’Ele acreditam.
A palavra ámen vai ainda mais longe, ou seja, é um “assim seja”, que implica uma adesão, que implica o assentimento ao que foi dito, mostrado, que implica o acreditar.
Ora o acreditar em Deus e em tudo aquilo que O envolve, está “inscrito” no Dom da Fé, (graça do próprio Deus), e vai para além da simples adesão ou assentimento, porque se torna, ou deve tornar, vida, modo de vida, naquele que acredita, naquele que vive a Fé.

Esta vivência da fé não se “demonstra” com “gostos” ou “amens” colocados nas redes sociais a propósito da publicação das tais imagens/frases, que podem ser lindíssimas, cheias de significado, mas que não passam de algo estático, que pode até roçar a superstição, a superstição do tipo, «se eu não puser lá nada pode acontecer-me algo de mal!»
Sobretudo quando essas imagens/frases vêm acompanhadas com “sentenças” do tipo, «se acreditas coloca “gosto” ou “ámen”», quase como que a dizer que «se não colocas nada é porque não acreditas.»
E há ainda que ter o cuidado de perceber que muitas dessas imagens não são verdadeiramente cristãs e sobretudo genuinamente católicas, porque mostram conceitos que não são os da Doutrina da Igreja, como as “energias” e as “luzes”, etc., etc., bem como algumas frases que subtilmente contêm erros de sentido doutrinal, ou “endeusam” figuras que não devem ser “endeusadas”, até da própria Virgem Maria, nossa querida Mãe do Céu.

Com certeza que esmagadora maioria das pessoas que colocam estas imagens/frases o fazem com a melhor das intenções e sem segundos sentidos, mas são muitas vezes aqueles que as fazem e as lançam ao público, que se aproveitam da boa vontade daqueles que as colocam.

Verdadeiramente, e desculpem a “brutalidade” das palavras, este tipo de publicações leva a que se viva uma fé “oca”, assente em coisas exteriores, assente nos nossos interesses e desejos, nos nossos pedidos de ajuda, etc., e não numa verdadeira entrega a Deus, procurando e vivendo a sua vontade, em oração diária e comprometida.
Nunca um “gosto” ou um “ámen” deste tipo pode substituir um Pai Nosso, uma Avé Maria, um Glória, uma recitação do Rosário, para já não dizer, uma celebração Eucarística.
E o problema é que muitas vezes se fica apenas por esses “gostos”, esses “amens”, julgando assim que se vive uma vida com Deus, para Deus e em Deus.

O meu intuito não é magoar ninguém, nem criticar ninguém, mas chamar a atenção para algumas práticas que, não sendo propriamente erros de vivência cristã católica, também para nada servem, nem constroem as nossas vidas com e para Deus.

Eu próprio já coloquei “gostos” e “amens” em algumas coisas desse tipo, mas é muito raro que não aproveite para reflectir, meditar sobre o que essas imagens/frases dizem à minha vivência da fé, e dá-lo a conhecer aos outros, partilhando assim, aquilo que, quero acreditar Deus me vai colocando no coração.

Vivamos verdadeiramente a Fé que nos foi dada em união de oração com toda a Igreja, testemunhando não só com palavras, mas também com gestos e actos, o amor com que Deus permanente e infinitamente nos ama.

Sempre, sempre para a maior glória de Deus!


Marinha Grande, 18 de Agosto de 2014
Joaquim Mexia Alves


Nota:
E tenhamos muito cuidado com algum tipo de imagens e frases que envolvem “energias” e “luzes”, frases do Papa Francisco e de outros que afinal nunca as disseram, bem como nomes de anjos, lembrando-nos que a Bíblia apenas nos refere três nomes de anjos: Gabriel, Rafael e Miguel.
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Evangelho do dia, coment e Leit. esp. (Enc.Communium interpetres dolorum)

Tempo comum XXVI Semana

Santa Teresa do Menino Jesus – Doutora da Igreja

Evangelho: Lc 9, 57-62

57 Indo eles pelo caminho, veio um homem que Lhe disse: «Seguir-Te-ei para onde quer que fores». 58 Jesus respondeu-lhe: «As raposas têm suas tocas e as aves do céu têm seus ninhos, porém, o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça». 59 A um outro disse: «Segue-Me». Mas ele disse: «Senhor, permite-me que eu vá primeiro sepultar meu pai». 60 Mas Jesus replicou: «Deixa que os mortos sepultem os seus mortos; tu vai anunciar o reino de Deus». 61 Um outro disse-Lhe: «Senhor, seguir-Te-ei, mas permite que vá primeiro dizer adeus aos de minha casa». 62 Jesus respondeu-lhe: «Ninguém que, depois de ter metido a mão no arado olha para trás, é apto para o reino de Deus».

Comentário:

Pode, à primeira vista, parecer um pouco excessivo, talvez radical deixar para depois despedir-se dos progenitores dando-lhes sepultura…
De facto, Jesus não diz que tal não se deve descurar mas que, na vida presente, o homem, tem de ter prioridades em relação à vida eterna.
Tudo cabe, tudo tem o seu lugar e o seu tempo, mas, atenção, o minuto que passa não voltará jamais, nem a oportunidade perdida é, confirmadamente, recuperável.
Convém, portanto, ter as coisas claras e fazer o que se deve quando se proporciona sem demoras ou justificações por mais justas ou admissíveis que possam apresentar-se porque, nada há mais importante e inadiável que a própria salvação e, esta, passará sempre pelo seguimento pronto e incondicional de Jesus Cristo Nosso Senhor e Salvador.

(ama, comentário sobre Lc 9, 57-62,Cascais, 2012.10.03)

Leitura espiritual



Documentos do Magistério
CARTA ENCÍCLICA
COMMUNIUM INTERPRETES DOLORUM
DO SUMO PONTÍFICE PAPA PIO XII
AOS VENERÁVEIS IRMÃOS
PATRIARCAS, PRIMAZES, ARCEBISPOS E BISPOS
E OUTROS ORDINÁRIOS DO LUGAR
EM PAZ E COMUNHÃO COM A SÉ APOSTÓLICA
PARA PEDIR ORAÇÕES PÚBLICAS PARA
A PAZ ENTRE OS POVOS


1. Intérpretes das dores comuns, das quais quase todos os povos há longo tempo estão amargamente oprimidos, nada entendemos descuidar que objetive manter – ou de algum modo abrandar –, a imensidão das misérias tendo em vista apressar o fim do terrível conflito. Mas bem sabemos que as reservas humanas são insuficientes para remediar essas desventuras; bem sabemos que a sagacidade humana, especialmente quando cegada pelo ódio e pela revanche, dificilmente atinge a uma justa e equitativa composição e a uma fraterna concórdia. É necessário, portanto, elevar frequentes orações ao Pai das luzes e da misericórdia (cf. Tg 1, 17; 2 Cor 1,3). Somente ele pode, em tão grave perturbação e agitação de espírito, tornar ciente a todos que já são muitas as ruínas e desmedido o acúmulo de desgraças, excessivas as lágrimas, bem como o sangue derramado. De modo que as exigências divinas e humanas impõem que cesse o mais rápido possível esse espantoso flagelo.

2. Por isso, o avizinhar-se do mês de maio, consagrado de modo particular à virgem Mãe de Deus, como já ocorreu nos anos passados, assim agora desejamos exortar todos novamente – especialmente as crianças e os inocentes adolescentes – para que implorem ao divino Redentor, por intercessão de sua Mãe santíssima, que os povos que se encontram em discórdia, lutas e toda espécie de desgraça possam libertar-se do luto e de todas as longas angústias. Por serem os pecados por nós cometidos diante de Deus (cf. Br 6,1) que nos mantêm distantes dele e nos jogam miseravelmente na ruína, não basta, como de resto é notório a todos vós, veneráveis irmãos, elevar ao céu assíduas orações; não basta acorrer em grande número aos altares da Virgem santíssima para depor ofertas, flores e súplicas; mas é necessário também renovar os costumes em público e privadamente, de modo a pôr aquelas sólidas bases sobre as quais se apóia o edifício da vida doméstica e civil, edifício não em desarmonia e ultrapassado, mas homogêneo e duradouro. Recordem, portanto, todos e traduzam na vida prática as admoestações dos profetas: "Retornai a mim, diz o Senhor dos exércitos, e eu retornarei a vós..." (Zc 1,3); e, ao mesmo tempo, reflitam sobre aquelas palavras do grande bispo de Hipona: "Mude o coração e será mudada também a ação. Arranque a cobiça e semeie a caridade". (1)"Desejas a paz? Seja justo e terás a paz, pois a justiça e a paz se abraçam (Sl 84, 11). Se não amas a justiça, não terás a paz. Afinal, a justiça e a paz se amam e estão entre elas de tal modo unidas, que se atuas com justiça, encontrarás a paz que abraça a justiça... Se, portanto, queres chegar à paz, opera de modo justo; foge do mal e segue o bem. Isso quer dizer amar a justiça, e quando tiveres deixado o mal e feito o bem, procura a paz e segue-a". (2)

3. Se todos os fiéis estiverem animados e dispostos, não há dúvida que suas orações chegarão ao trono do altíssimo e obterão do Senhor aplacado o conforto e os dons de que tanto, no presente, temos necessidade.

4. Bem sabeis de quais dons, ajuda e conforto temos necessidade neste angustioso momento. Em primeiro lugar, porém, há necessidade de pedir a Deus que as mentes e os corações dos homens sejam iluminados e renovados pelos ensinamentos da doutrina cristã, dos quais pode vir a salvação privada e pública, para que essa devastadora luta de povos e de continentes cesse de encrudelecer-se, e os cidadãos de todas as classes, re-conjugados pelo vínculo da amizade, saindo do enorme acúmulo de ruínas se unam para reconstruir, sob a insígnia da justiça e da caridade, o edifício humano. Deve-se, por outro lado, pedir ao Redentor divino e a sua santíssima Mãe, em espírito de oração e penitência, que seja verdadeira e sincera a paz que dará um fim a essa guerra funesta e sangrenta.

5. Não é, no entanto, fácil, em meio a tanto desarranjo de coisas, enquanto a disposição de muitos ainda permanece agitada de sentimentos de vingança, alcançar uma paz que seja igualmente moderada pela equidade e pela justiça, que satisfaça com fraterna caridade as aspirações de todos os povos e elimine os germes latentes das discórdias e das rivalidades. Consequentemente de modo especial são esses que têm necessidade das luzes celestes, cabendo-lhes o gravíssimo encargo de resolver tal problema, de cujo juízo depende a sorte não apenas de sua nação, mas também de toda a humanidade e das futuras gerações. Por esse motivo pedimos que todos dirijam a Deus fervorosas e intensas orações e, particularmente, as crianças durante o mês de maio implorem da Mãe da divina Sabedoria a assistência sobrenatural àqueles cuja sentença deverá decidir a causa de todos os povos. Considerem estes, refletindo atentamente diante de Deus, que tudo o que ultrapassasse os limites da justiça e da eqüidade, certamente, cedo ou tarde, voltaria com enorme dano para os vencidos e vencedores, pois aí estaria escondida a semente de novas guerras.

6. Desejamos também que todos os que responderem de boa vontade a esta nossa exortação não esqueçam a triste condição daqueles que, ou fugitivos ou exilados há muito tempo, aguardam com ânsia reencontrar o aconchego do próprio lar, ou relegados nos campos de concentração esperam, após a guerra, a justa liberdade, ou, enfim, jazem enfermos nos hospitais. A esses infelizes e a todos os outros, para os quais o presente conflito foi causa de angústias e dores, queira conceder a benigna Virgem Mãe de Deus a celeste consolação, e despertar a força daquela paciência cristã, através da qual também os sofrimentos mais agudos tornam-se toleráveis e colaboram para o mérito da felicidade eterna.

Será zelo vosso, veneráveis irmãos, comunicar essa nossa paternal exortação com o voto aos féis confiados aos vossos cuidados; aos quais - e principalmente a vós todos e a cada um - concedemos, sob os auspícios dos dons celestes e penhor de nossa benevolência, a bênção apostólica.

Dado em Roma, junto a São Pedro, no dia 15 de Abril, Domingo do Bom Pastor, do ano de 1945, VII do nosso pontificado.

 PIO PP. XII

(Revisão da versão portuguesa por ama)
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Notas:
(1) S. Agostinho, Serm. de Script., 72, 4; PL 38, 468.
(2) S. Agostinho, In Ps. 84, 12; PL 37,1078. Existe versão em português, publicada pela Paulus: "Comentário aos Salmos" (vol. II).