Art.
3 — Se a graça é o mesmo que a virtude.
[II Sent., dist. XXVI, a. 4, De
Verit., q. 27, a. 2].
O terceiro discute-se assim. — Parece
que a graça é o mesmo que a virtude.
1. — Pois, como diz Agostinho, a graça
operante é a fé, que obra por amor. Ora, a fé que obra pelo amor, é uma
virtude. Logo, a graça também o é.
2. Demais. — Ao que convém a definição
convém também o definido. Ora, as definições dadas, da virtude, pelos santos ou
pelos filósofos, convêm à graça, pois também ela torna bom o sujeito e a sua
obra, também ela é uma boa qualidade da mente, pela qual vivemos rectamente,
etc. Logo, a graça é uma virtude.
3. Demais. — A graça é uma qualidade.
Ora, é manifesto que não pertence à quarta espécie da qualidade, que é a forma
e a figura fixa de um objeto, pois, não pertence ao corpo. Nem à terceira,
porque não é paixão ou qualidade possível, que pertence à parte sensitiva da
alma, como prova Aristóteles, pois a graça principalmente está na alma. Nem,
por fim, à segunda espécie, que é a potência ou impotência da natureza, pois, é
superior à natureza e não pode buscar o bem e o mal, como a potência natural.
Logo, há-de pertencer à primeira espécie, que é o hábito ou disposição. Ora, os
hábitos da alma são as virtudes, pois, a própria ciência é, de certo modo, uma
virtude. Logo, a graça é o mesmo que a virtude.
Mas, em contrário. — Se a graça é uma
virtude, há-de ser, por excelência, uma das três virtudes teologais. Ora, não é
a fé, nem a esperança que podem existir sem a graça santificante. Nem a
caridade, porque a graça prepara a caridade, como diz Agostinho. Logo, a graça
não é uma virtude.
Alguns ensinaram que a
graça é a essência idêntica à virtude, diferindo desta apenas racionalmente.
Pois tira essa denominação de tornar o homem agradável a Deus, ou por ser dada
gratuitamente, ao passo que a virtude confere a perfeição para agir bem. E esta
parece ter sido a opinião do Mestre das Sentenças.
Mas, é inadmissível a quem reflectir
atentamente na essência da virtude. Pois, como diz o Filósofo, a virtude é uma
disposição do que é perfeito, chamo perfeito ao que é disposto segundo a
natureza. Donde se vê que a virtude de um ser é assim chamada em relação a
alguma natureza preexistente, isto é, quando está disposto do modo conveniente
à sua natureza. Ora, é manifesto que as virtudes adquiridas pelos actos
humanos, de que já tratamos (q. 55 ss), são disposições pelas quais o homem se
ordena convenientemente à natureza que o torna homem. Ao passo que as virtudes
infusas o dispõem de modo mais alto e para um fim mais elevado. Donde, hão-de
também dispô-lo em ordem a uma natureza mais alta, i. é, à natureza divina
participada, chamada lume da graça, conforme a escritura (2 Pd 1, 4):
Comunicou-nos as mui grandes e preciosas graças que tinha prometido, para que
por elas sejais feitos participantes da natureza divina. E por termos recebido
tal natureza é que nos consideramos regenerados, como filhos de Deus.
Assim, pois, como o lume natural da
razão é algo de superior às virtudes adquiridas, assim denominadas por se lhe
ordenarem para ele, assim, o lume da graça, que é uma participação da natureza
divina, é algo de superior às virtudes infusas, dele derivadas e ao qual se
ordenam. Por isso, o Apóstolo diz (Ef 5, 8): Noutro tempo eram trevas, mas
agora sois luz no Senhor: andai como filhos da luz. Donde, assim como as
virtudes adquiridas aperfeiçoam o homem para proceder segundo a luz natural da
razão, assim as virtudes infusas, para proceder de acordo com a luz da graça.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— A fé, que obra o amor, Agostinho denomina-a graça, porque o acto da fé, que
assim obra, é o primeiro acto pelo qual se manifesta a graça santificante.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O bem, que entra
na definição da virtude, é assim chamado relativamente à conveniência com
alguma natureza preexistente, essencial ou participada. Ora, não assim o bem é
atribuído à graça, mas como à raiz da bondade do homem, segundo já se disse.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A graça reduz-se
à primeira espécie de qualidade. Nem é o mesmo que a virtude, mas é um certo
hábito, pressuposto às virtudes infusas, como princípio e raiz delas.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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