Jesus Cristo o Santo de Deus
CAPÍTULO VI
«TU AMAS-ME?»
O AMOR POR JESUS
1.
Porquê
amar Jesus Cristo?
O primeiro motivo para amar
Jesus Cristo e o mais simples, é que Ele mesmo no-lo pede.
Na última aparição de Jesus
ressuscitado recordada no evangelho de João, a um certo momento, Jesus
dirige-se a Simão Pedro e pergunta-lhe por três vezes seguidas:
«Simão, filho de João, tu amas-Me?» [i]
Por duas vezes, nestas
palavras de Jesus é utilizado o verbo agapao
que significa, habitualmente, a forma mais alta do amor, do ágape, ou da
caridade, e uma vez que o verbo phileo,
que significa o amor de amizade, o querer bem ou ter afeição por alguém.
“No fim da vida seremos
interrogados sobre o amor” [ii] e
vemos que o mesmo sucede com os Apóstolos: no fim da sua vida com Jesus, no fim
do evangelho, foram interrogados sobre o amor.
Não sobre outra coisa.
Como todas as grandes
palavras de Cristo no evangelho, também esta «Tu amas-Me?» não é dirigida só a
quem a ouviu pela primeira vez, neste caso a Pedro, mas a todos aqueles que
leem o evangelho.
De outro modo o evangelho
não seria o livro que é, o livro que contém palavras que «Não passam» [iii]
Como pode, de resto, alguém
que sabe quem é Jesus Cristo, ouvir aquelas palavras dos Seus lábios e não se
sentir pessoalmente interpelado, não perceber que aquele «tu» do «tu amas-Me?» se dirige a ele mesmo?
Esta pergunta coloca-nos de
repente numa posição especial, isola-nos de todos, individualiza-nos, faz de
nós pessoas.
À pergunta “Tu amas-Me?” não
se pode responder por interposta pessoa ou interposta instituição.
Não basta fazer parte de um
corpo, a Igreja, que ama Jesus.
Notamos isso na própria
narração evangélica, sem com isto querer forçar o texto.
Até àquele momento o
cenário, apresenta-se apinhado de gente e movimentado: juntamente com Simão
Pedro, estavam Tomé e Natanael, os dois filhos de Zebedeu e outros dois
discípulos.
Em conjunto tinham pescado
comido e reconhecido o Senhor.
Mas, agora, improvisamente àquela
pergunta do Jesus, tudo e todos são como que mergulhados do nada e desaparecem
da cena evangélica.
Cria-se um espaço íntimo em
que se encontram sozinhos, um defronte do outro, Jesus e Pedro.
O Apóstolo é individualizado
e isolado de todos por aquela pergunta inesperada: “Tu amas-Me?”
É uma pergunta à qual
ninguém pode responder por Ele e à qual ele não pode responder – como fez
tantas outras vezes – em nome de todos os outros, mas a que deve responder só
por si mesmo.
E, de facto, vê-se que Pedro
é constrangido, pelo aperto das três perguntas, a reflectir, passando das
primeiras duas repostas, imediatas mas superficiais, última, na qual se vê
assomar nele o conhecimento do seu passado etambém uma grande humildade:
«Senhor, Tu conheces tudo;
Tu sabes que eu Te amo» [iv].
Deve-se, portanto, amar
Jesus porque Ele mesmo no-lo pede.
Mas também por um outro
motivo: porque Ele nos amou em primeiro lugar.
Era isso que inflamava mais
que outra coisa o Apóstolo Paulo:
«Ele amou-me – dizia – e
entregou-Se a Si mesmo por mim!» [v].
«O amor de Cristo – dizia
ele ainda – leva-nos a pensar que um morreu por todos» [vi].
O facto de Jesus nos ter
amado em primeiro lugar e até ao ponto de dar a Sua vida por nós,
”constrange-nos”, ou, como se pode dizer também – “força-nos de todos os
lados”, e urge em nós interiormente.
Trata-se daquela tão
conhecida lei pela qual o amor «a nullo
amato amar perdona» [vii],isto
é, não permite àquele que é amado corresponder com o seu amor!
«Como não corresponder com
amor a quem tanto nos amou?», canta um hino da Igreja. [viii]
O amor só com amor se paga.
Nenhum outro peço é
adequado.
Deve-se, pois, amar Jesus
sobretudo porque Ele édigno de amor e amável em Si mesmo.
Ele reúne em Si toda a
beleza, toda a perfeição e santidade.
O nosso coração tem necessidade
de “alguma coisa de majestoso” para amar; por isso, nada a não ser Ele pode
satisfazê-lo plenamente.
Se o Pai celeste encontra
n’Ele, como está escrito, «toda a complacência», se o Filho é objecto de todo o
Seu amor [ix]como
não há-de ser também do nosso?
Se Ele enche e satisfaz toda
a capacidade infinita de amor de Deus Pai, não encherá também a nossa?
Além disso, deve-se amar
Jesus, porque somente O conhece quem O ama:
«Manifestar-Me-ei a quem Me
ama» [x]
Se é1 verdadeiro o axioma
que “não se pode amar aquilo que não se conhece” (Nihil volitum quim precognitum), é do mesmo modo verdadeiro,
especialmente quando se trata das coisas divinas, também o seu contrário, isto
é, não se conhece senão aquilo que se ama.
Stº Agostinho exprimiu este
conceito dizendo que, «não se entra na verdade senão através da caridade» [xi].
Esta intuição e valorizada
também nalgumas correntes do pensamento moderno, como a fenomenologia e o
existencialismo [xii].
Mas quando se trata de
Cristo e Deus, é valorizada sobretudo pela constante experiência dos santos e
de todos os crentes.
Sem um verdadeiro amor,
inspirado pelo Espirito Santo, o Jesus que se vem a conhecer através das mais
brilhantes e refinadas análises cristológicas, não é o verdadeiro Jesus.
(cont)
rainiero cantalamessa, Pregador da Casa Pontifícia.
[ii]
S. João da Cruz, Sentenças, n. 57
[vii]
Hino Adeste Fideles.
[viii]
Stº Agostinho, C. Faustum, 32,18 (PL,42,507
[xi]
Stº Agostinho, CFaustum, 32,18 (PI. 42,507)
[xii]
Cfr. M. Heldegger, Ser e Tempo, I, 5,29