Jesus Cristo. Deus e Homem
verdadeiro. 4
4. A Humanidade Santíssima
de Jesus Cristo
«Na
Encarnação “a natureza humana foi assumida, não absorvida” (GS 22, 2)»
(Catecismo, 470). Por isso a Igreja ensinou «a plena realidade da alma humana,
com as suas operações de inteligência e vontade, e do corpo humano de Cristo.
Mas, paralelamente, a mesma Igreja teve de lembrar repetidamente que a natureza
humana de Cristo pertence, como própria, à pessoa divina do Filho de Deus que a
assumiu. Tudo o que Ele fez e faz nela, depende de “um da Trindade”. Portanto,
o Filho de Deus comunica à sua humanidade, o seu próprio modo de existir
pessoal na Santíssima Trindade. E assim, tanto na sua alma, como no seu corpo,
Cristo exprime humanamente os costumes divinos da Trindade (cf. Jo 14, 9-10»
(Catecismo, 470).
A
alma humana de Cristo é dotada de um verdadeiro conhecimento humano. A doutrina
católica ensinou tradicionalmente que Cristo, enquanto homem, possuía um
conhecimento adquirido, uma ciência infusa e a ciência beata própria dos
bem-aventurados no Céu. O conhecimento adquirido de Cristo não podia ser, por si
mesmo, ilimitado: «por isso o Filho de Deus, fazendo-Se homem, pôde aceitar
“crescer em sabedoria, estatura e graça” (Lc 2, 52) e também teve de Se
informar sobre o que, na condição humana, deve aprender-se de modo experimental
(cf. Mc 6, 38; 8, 27; Jo 11, 34)» (Catecismo, 472). Cristo, em quem repousa a
plenitude do Espírito Santo com os Seus dons (cf. Is 11, 1-3), possuiu também a
ciência infusa, quer dizer, aquele conhecimento que não se adquire directamente
pelo trabalho da razão, mas é infundido directamente por Deus na inteligência
humana. Com efeito, «o Filho também mostrava, no seu conhecimento humano, a
clarividência divina que tinha dos pensamentos secretos do coração dos homens
(cf. Mc 2, 8; Jo 2, 25; 6, 61» (Catecismo, 473). Cristo possuía também a
ciência própria dos beatos: «Pela sua união com a Sabedoria divina na pessoa do
Verbo Encarnado, o conhecimento humano de Cristo gozava, em plenitude, da
ciência dos desígnios eternos que tinha vindo revelar (cf. Mc 8, 31; 9, 31; 10,
33-34; 14, 18-20, 26-30» (Catecismo, 474). Por tudo isto deve afirmar-se que
Cristo, enquanto homem, é infalível: admitir o erro n’Ele seria admiti-lo no
Verbo, única pessoa existente em Cristo. No que se refere a uma eventual
ignorância propriamente dita, é preciso ter presente que «o que neste domínio
reconhece ignorar (cf. Mc 13, 32) declara, noutro ponto não ter a missão de o
revelar (cf. Act 1, 7)» (Catecismo, 474). Entende-se que Cristo era humanamente
consciente de ser o Verbo e da sua missão salvífica 13. Por outro
lado, a teologia católica, ao pensar que Cristo possuía já na terra a visão
imediata de Deus, negou sempre a existência em Cristo da virtude da fé 14.
Frente
às heresias monoenergeta e monotelista que, em lógica continuidade com o
monofisismo precedente, afirmavam que em Cristo há uma só operação ou uma só
vontade, a Igreja confessou no III Concílio ecuménico de Constantinopla, no ano
681, que «Cristo possui duas vontades e duas operações naturais, divinas e
humanas, não opostas mas cooperantes, de forma que o Verbo feito carne quis
humanamente, em obediência ao Pai, tudo quanto decidiu divinamente com o Pai e
o Espírito Santo para a nossa salvação (cf. DS 556-559). A vontade humana de
Cristo “segue a sua vontade divina sem fazer resistência nem oposição em
relação a ela, antes estando subordinada a essa vontade omnipotente” (DS 556)»
(Catecismo, 475). Trata-se de uma questão fundamental pois está directamente
relacionada com o ser de Cristo e com a nossa salvação. São Máximo, o
Confessor, distinguiu-se neste esforço doutrinal de clarificação e serviu-se,
com grande eficácia, da conhecida passagem da oração de Jesus no Horto, em que
aparece o acordo da vontade humana de Cristo com a vontade do Pai (cf. Mt 26,
39).
Consequência
da dualidade de naturezas é também a dualidade de operações. Em Cristo há duas
operações, as divinas, procedentes da sua natureza divina e as humanas, que
procedem da natureza humana. Fala-se também de operações teândricas para
referir aquelas em que a operação humana actua como instrumento da divina: é o
caso dos milagres realizados por Cristo.
O
realismo da Encarnação do Verbo manifestou-se também na última grande
controvérsia cristológica da época patrística: a disputa sobre as imagens. O
costume de representar Cristo, em frescos, ícones, baixos-relevos, etc., é
antiquíssima e existem testemunhos que remontam, pelo menos, ao século segundo.
A crise iconoclasta produziu-se em Constantinopla no início do século VIII e
teve origem numa decisão do Imperador. Já antes tinha havido teólogos que se
tinham mostrado, ao longo dos séculos, partidários ou contrários ao uso das
imagens, mas ambas as tendências tinham coexistido pacificamente. Os opositores
costumavam aduzir que Deus não tem limites e não pode, portanto, encerrar-se no
interior dumas linhas, duns traços, não se pode circunscrever. No entanto, como
assinalou São João Damasceno é a própria Encarnação que circunscreve o Verbo
que não se pode circunscrever «Uma vez que o Verbo se fez carne, assumindo uma
verdadeira natureza humana, o corpo de Cristo era circunscrito. Portanto, o
rosto humano de Jesus pode ser “pintado” (Gl 3, 2)» (Catecismo, 476). No II
Concílio ecuménico de Niceia, do ano 787, «a Igreja reconheceu como legítimo
que Ele fosse representado em santas imagens» (Catecismo, 476). Com efeito, «as
particularidades individuais do corpo de Cristo exprimem a pessoa divina do
Filho de Deus. Este fez seus, os traços do seu corpo humano de tal modo que,
pintados numa imagem sagrada, podem ser venerados porque o crente que venera a Sua
imagem, venera nela a pessoa nela representada» 15.
A
alma de Cristo, ao não ser divina por essência mas humana, foi aperfeiçoada,
como as almas dos outros homens, mediante a graça habitual, que é «um dom
habitual, uma disposição estável e sobrenatural que aperfeiçoa a alma, mesmo
para a tornar capaz de viver com Deus e de agir por seu amor» (Catecismo,
2000). Cristo é santo, como anunciou o arcanjo S. Gabriel a S. Santa Maria na
Anunciação (Lc 1, 35). A humanidade de Cristo é radicalmente santa, fonte e
paradigma de santidade de todos os homens. Pela Encarnação, a natureza humana
de Cristo foi elevada à maior união com a divindade – com a Pessoa do Verbo – à
qual criatura alguma pode ser elevada. Do ponto de vista da humanidade do
Senhor, a união hipostática é o maior dom que jamais se tenha podido receber, e
costuma conhecer-se com o nome de graça de união. Pela graça habitual a alma de
Cristo foi divinizada com essa transformação que eleva a natureza e as
operações da alma ao plano da vida íntima de Deus, proporcionando às suas
operações sobrenaturais uma conaturalidade que, de outro modo, não teria. A sua
plenitude de graça implica também a existência das virtudes infusas e dos dons
do Espírito Santo. Desta plenitude de graça de Cristo, «todos recebemos, graça
sobre graça» (Jo 1, 16). A graça e os dons foram outorgados a Cristo não só em
atenção à sua dignidade de Filho, mas também em atenção à sua missão de novo
Adão e Cabeça da Igreja. Por isso, fala-se duma graça capital em Cristo, que
não é uma graça distinta da graça pessoal do Senhor, mas um aspecto dessa mesma
graça que sublinha a sua acção santificadora sobre os membros da Igreja. A
Igreja, com efeito, «é o Corpo de Cristo» (Catecismo, 805), um Corpo «cuja
cabeça é Cristo: ela vive d’Ele, n’Ele e para Ele; e Ele vive com ela e nela»
(Catecismo, 807).
O
Coração do Verbo encarnado. «Jesus, conheceu-nos e amou-nos, a todos e a cada
um, durante a Sua vida, a Sua agonia e a Sua paixão, entregando-Se por cada um
de nós: “O Filho de Deus amou-me e entregou-Se por mim”. Amou-nos a todos com
um coração humano» (Catecismo, 478). Por este motivo, o Sagrado Coração de
Jesus «é considerado sinal e símbolo, por excelência daquele amor com que o
divino Redentor ama, sem cessar, o eterno Pai e todos os homens» (cf. ibidem).
Catecismo
da Igreja Católica, 422-483.
Bento
XVI-Joseph Ratzinger, Jesus de Nazaré, Esfera dos Livros, Lisboa 2007, pp.
395-435.
A.
Amato, Jesús el Señor, BAC, Madrid 1998.
F.
Ocáriz – L.F. Mateo Seco – J.A. Riestra, El misterio de Jesucristo, 3ª ed.,
EUNSA, Pamplona 2004.
(Resumos
da Fé cristã: © 2013, Gabinete de Informação do Opus Dei na Internet)
13
Cf. Comissão Teológica Internacional, La conciencia que Jesús tenía de Sí mismo
y de su misión (1985), em ID., Documentos 1969-1996, 2ª ed., BAC, Madrid 2000,
377-391.
14
Cf. Congregação para a Doutrina da Fé, Notificação, n. V, 26-XI-2006.
15
Concílio de Niceia II, DS 601.