Jesus Cristo o Santo de Deus
CAPÍTULO I
«SEMELHANTE A NÓS EM TUDO, EXCEPTO NO
PECADO»
A santidade da humanidade de Cristo
4. Santificados em Cristo Jesus
Existem
dois meios que nos permitem, acima de tudo, alcançar a santidade de Cristo: a
Fé e os Sacramentos.
A
Fé é a única possibilidade que temos para entrar em contacto com Cristo.
«Alcança
Cristo – diz Santo Agostinho – quem crê em Cristo» [i].
Se
nos perguntarmos como pode a experiência de Deus, feita por um homem que viveu
há dois mil anos num ponto limitado do tempo e do espaço, superar tempo e
espaço e comunicar-se a todos os homens, tornando-se a sua experiência e a sua
santidade, a resposta está na Fé.
Da
parte de Cristo que comunica tal santidade, isso foi possível elo facto de que
Ele é Deus e homem, é o mediador; que a salvação por Ele operada aconteceu
dentro da humanidade, que a mesma foi pensada e desejada para todos os homens e
por isso foi a eles destinada e é, em
certo sentido, Sua de direito.
Mas
da parte daquele ao qual tal santidade é comunicada, isto é, da parte do homem,
isso só é possível através da Fé.
É pela Fé – diz S. Paulo – que
Cristo habita nos nossos corações [ii].
Também
os Sacramentos, sem a Fé, são válidos, mas ineficazes, são operados mas não
operantes.
O
segundo meio com que nos apropriamos da santidade de Cristo é constituído pelos
Sacramentos, em particular pela Eucaristia.
Com
a Eucaristia não entramos somente em contacto – como na audição da Palavra –
com esta ou aquela doutrina de Cristo, mas com o próprio «Santo de Deus».
Na
Eucaristia «Cristo derrama-se em nós e funde-se connosco, mudando-nos e
transformando-nos em Si como uma gota de água num oceano infinito de unguento
perfumado.
Tais
são os efeitos que pode produzir este unguento naqueles que o encontram: não os
torna somente perfumados e não somente os faz respirar aquele perfuma, mas
transforma a sua própria substância no perfume daquele unguento e nós
tornamo-nos o bom odor de Cristo» [iii].
5. «Chamados a ser santos»
Até
agora, fizemos duas coisas, a respeito da santidade de Cristo: contemplámo-la
e, de seguida, apropriámo-nos dela.
Resta-nos
ainda fazer uma última coisa, sem a qual tudo fica em risco de ficar em
suspenso no vazio e sem fruto: é imitá-la.
Agindo
deste modo, nós não passamos a «outro género», isto é, da exegese à ascese, da
teologia a uma pia meditação.
Este
é o engano que levou a teologia para uma falsa neutralidade e ciência, pelo
qual um certo estudo da teologia muitas vezes torna áridas a fé e a piedade dos
jovens, em vez de a incrementar.
Para
o Novo Testamento é inconcebível uma consideração sobre Cristo, a qual não
termine com um apelo, com um
«portanto»…
«Exorto-vos,
portanto, irmãos, a oferecer os vossos corpos como sacrifício vivo, santo e
agradável a Deus»: é deste modo que S. Paulo conclui a exposição do mistério de
Cristo na sua carta aos Romanos [iv].
Foi
dito com razão que «sob o ponto de vista cristão, tudo, mas mesmo tudo, deve
ser edificante, e aquele género de representação científica que não acaba por
edificar é, por isso mesmo, anticristão» [v].
Não
quer dizer que a dimensão edificante deva estar presente sempre da mesma
maneira e no mesmo grau de explicitação, mas é decerto necessário que ela possa
ser vista como por transparência e seja, às vezes, manifestada.
Depois
da contemplação da santidade de
Cristo, e da sua apropriação mediante
a fé chegamos então à sua imitação.
Mas
o que nos falta ainda, se já fomos «santificados em Jesus Cristo»?
A
resposta encontramo-la continuando a ler o que S. Paulo escreve depois destas
palavras:
«Àqueles
que foram santificados em Jesus Cristo, chamados a ser santos» com todos os
que, em qualquer lugar, invocam o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo» [vi].
Os
crentes são «santificados em Jesus Cristo» e, ao mesmo tempo, «chamados a ser
santos».
Santificados
e santificandos.
À
boa nova de que somos santos, de que a santidade de Cristo também é nossa,
segue-se imediatamente o apelo a tornar-nos santos:
«Como
é santo Aquele que vos chamou, sede vós também santos, em toda a vossa maneira
de viver, poi como está escrito: sereis santos porque Eu sou santo» [vii].
Vimos
já também Jesus, ao longo da Sua vida, é santificado («Aquele que o Pai
santificou e enviou ao mundo») e «Se faz» santo («por eles Eu santifico-me a
Mim mesmo»).
Também
em Jesus houve uma santidade que Lhe foi dada e uma santidade adquirida.
Isto
conduz-nos ao grande horizonte da imitação de Cristo.
«Pois
que – foi escrito – a Idade Média tinha-se desviado cada vez mais ao acentuar
ao lado de Cristo enquanto modelo, Lutero acentuou o outro lado, afirmando que
Ele é dom e que este dom pertence à fé aceitá-lo» [viii]
Mas
o mesmo autor que comentava este facto acrescentava, embora fosse também ele
protestante, que agora «aquilo em que se deve insistir é no lado de Cristo como
modelo», para que a doutrina sobre a Fé não se reduza a uma folha de figueira
que cobre as omissões mais anti-cristãs. [ix]
Sobre
este tema existe um esplêndido tratado do Concílio Vaticano II, onde é focada a
vocação universal dos baptizados à santidade.
Também
o Concílio Vaticano fomenta o apelo à santidade dos cristãos na santidade de
Jesus que é o «Santo de Deus».
Depois
de evocar os textos bíblicos que falam da santidade de Cristo e da Igreja por
Ele santificada, o texto conciliar prossegue dizendo:
«Por
isso, todos na Igreja, tanto os que pertencem à hierarquia com os que são por
ela pastoreados, são chamados à santidade, segundo a palavra do Apóstolo.
«Esta
é a vontade de Deus, a vossa santificação» [x],[xi].
Não
se trata de uma nova santidade a acrescentar à santidade recebida de Cristo,
através da Fé e dos Sacramentos, mas de manter, desenvolver e manifestar, no
dia-a-dia, a mesma santidade recebida de Cristo:
«Eles
– prossegue ainda o mesmo texto do Concílio – devem com o auxílio divino,
conservar e aperfeiçoar, vivendo-a, esta santidade que receberam» [xii]
A
santidade de Cristo divide-se em mil cores diferentes quantas são os Santos na
Igreja, não havendo nenhum Santo igual a outro; mas essa santidade é produzida
por uma única luz.
«Ninguém
adquire a santidade por si mesmo, e esta não é obra de virtude humana, poi
todos a recebem de Cristo e através dele; é como se muitos espelhos fossem
expostos ao sol: todos brilham e emitem raios, de tal modo que parece haver
muitos sóis, quando na realidade é um único sol que brilha em todos eles» [xiii]
Este
apelo à santidade é mais necessária e indispensável observância do Concílio.
Sem
ele todas as outras observâncias são impossíveis ou inúteis; e, no entanto,
esta observância é a que está em risco de ser mais negligenciada, já que
somente Deus e a consciência no-la exigem e reclamam e não as pressões ou
interesses de grupos humanos particulares da Igreja.
Por
vezes tem-se a impressão de que, em certas comunidades e em certas Famílias
Religiosas, depois do Concílio, se tenha dado mais importância ao «fazer os
Santos», do que «fazer-se santos», isto é, ter mais empenho em levar aos
altares os Fundadores das suas Congregações ou dos seus confrades que em
imitar-lhes os exemplos e as virtudes.
(cont)
rainiero cantalamessa, Pregador da Casa Pontifícia.
[i] Santo Agostinho, Sermo 243,2 (PL 8,1144.
[iii] N. Cabasillas, Vida em Cristo, IV, 3 (PG 150,593).
[v] S. Kierkegaard, A doença mortal, pref., in Obras, op. Cit. P. 621.
[viii] S. Kierkegaard, Diário, X, 1, A, 154.
[xiii] N. Cabasilas, Comentário à divina liturgia, 36 (PG 150,449).