05/01/2018

Leitura espiritual

Jesus Cristo o Santo de Deus

CAPÍTULO I

«SEMELHANTE A NÓS EM TUDO, EXCEPTO NO PECADO»

A santidade da humanidade de Cristo

4. Santificados em Cristo Jesus

Existem dois meios que nos permitem, acima de tudo, alcançar a santidade de Cristo: a Fé e os Sacramentos.
A Fé é a única possibilidade que temos para entrar em contacto com Cristo.
«Alcança Cristo – diz Santo Agostinho – quem crê em Cristo» [i].
Se nos perguntarmos como pode a experiência de Deus, feita por um homem que viveu há dois mil anos num ponto limitado do tempo e do espaço, superar tempo e espaço e comunicar-se a todos os homens, tornando-se a sua experiência e a sua santidade, a resposta está na Fé.
Da parte de Cristo que comunica tal santidade, isso foi possível elo facto de que Ele é Deus e homem, é o mediador; que a salvação por Ele operada aconteceu dentro da humanidade, que a mesma foi pensada e desejada para todos os homens e por isso foi a eles destinada e é, em certo sentido, Sua de direito.
Mas da parte daquele ao qual tal santidade é comunicada, isto é, da parte do homem, isso só é possível através da Fé.
É pela Fé – diz S. Paulo – que Cristo habita nos nossos corações [ii].
Também os Sacramentos, sem a Fé, são válidos, mas ineficazes, são operados mas não operantes.

O segundo meio com que nos apropriamos da santidade de Cristo é constituído pelos Sacramentos, em particular pela Eucaristia.
Com a Eucaristia não entramos somente em contacto – como na audição da Palavra – com esta ou aquela doutrina de Cristo, mas com o próprio «Santo de Deus».
Na Eucaristia «Cristo derrama-se em nós e funde-se connosco, mudando-nos e transformando-nos em Si como uma gota de água num oceano infinito de unguento perfumado.
Tais são os efeitos que pode produzir este unguento naqueles que o encontram: não os torna somente perfumados e não somente os faz respirar aquele perfuma, mas transforma a sua própria substância no perfume daquele unguento e nós tornamo-nos o bom odor de Cristo» [iii].

5. «Chamados a ser santos»

Até agora, fizemos duas coisas, a respeito da santidade de Cristo: contemplámo-la e, de seguida, apropriámo-nos dela.
Resta-nos ainda fazer uma última coisa, sem a qual tudo fica em risco de ficar em suspenso no vazio e sem fruto: é imitá-la.
Agindo deste modo, nós não passamos a «outro género», isto é, da exegese à ascese, da teologia a uma pia meditação.
Este é o engano que levou a teologia para uma falsa neutralidade e ciência, pelo qual um certo estudo da teologia muitas vezes torna áridas a fé e a piedade dos jovens, em vez de a incrementar.
Para o Novo Testamento é inconcebível uma consideração sobre Cristo, a qual não termine com um apelo, com um «portanto»…
«Exorto-vos, portanto, irmãos, a oferecer os vossos corpos como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus»: é deste modo que S. Paulo conclui a exposição do mistério de Cristo na sua carta aos Romanos [iv].
Foi dito com razão que «sob o ponto de vista cristão, tudo, mas mesmo tudo, deve ser edificante, e aquele género de representação científica que não acaba por edificar é, por isso mesmo, anticristão» [v].
Não quer dizer que a dimensão edificante deva estar presente sempre da mesma maneira e no mesmo grau de explicitação, mas é decerto necessário que ela possa ser vista como por transparência e seja, às vezes, manifestada.

Depois da contemplação da santidade de Cristo, e da sua apropriação mediante a fé chegamos então à sua imitação.
Mas o que nos falta ainda, se já fomos «santificados em Jesus Cristo»?
A resposta encontramo-la continuando a ler o que S. Paulo escreve depois destas palavras:
«Àqueles que foram santificados em Jesus Cristo, chamados a ser santos» com todos os que, em qualquer lugar, invocam o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo» [vi].
Os crentes são «santificados em Jesus Cristo» e, ao mesmo tempo, «chamados a ser santos».
Santificados e santificandos.
À boa nova de que somos santos, de que a santidade de Cristo também é nossa, segue-se imediatamente o apelo a tornar-nos santos:
«Como é santo Aquele que vos chamou, sede vós também santos, em toda a vossa maneira de viver, poi como está escrito: sereis santos porque Eu sou santo» [vii].

Vimos já também Jesus, ao longo da Sua vida, é santificado («Aquele que o Pai santificou e enviou ao mundo») e «Se faz» santo («por eles Eu santifico-me a Mim mesmo»).
Também em Jesus houve uma santidade que Lhe foi dada e uma santidade adquirida.
Isto conduz-nos ao grande horizonte da imitação de Cristo.
«Pois que – foi escrito – a Idade Média tinha-se desviado cada vez mais ao acentuar ao lado de Cristo enquanto modelo, Lutero acentuou o outro lado, afirmando que Ele é dom e que este dom pertence à fé aceitá-lo» [viii]
Mas o mesmo autor que comentava este facto acrescentava, embora fosse também ele protestante, que agora «aquilo em que se deve insistir é no lado de Cristo como modelo», para que a doutrina sobre a Fé não se reduza a uma folha de figueira que cobre as omissões mais anti-cristãs. [ix]

Sobre este tema existe um esplêndido tratado do Concílio Vaticano II, onde é focada a vocação universal dos baptizados à santidade.
Também o Concílio Vaticano fomenta o apelo à santidade dos cristãos na santidade de Jesus que é o «Santo de Deus».
Depois de evocar os textos bíblicos que falam da santidade de Cristo e da Igreja por Ele santificada, o texto conciliar prossegue dizendo:
«Por isso, todos na Igreja, tanto os que pertencem à hierarquia com os que são por ela pastoreados, são chamados à santidade, segundo a palavra do Apóstolo.
«Esta é a vontade de Deus, a vossa santificação» [x],[xi].
Não se trata de uma nova santidade a acrescentar à santidade recebida de Cristo, através da Fé e dos Sacramentos, mas de manter, desenvolver e manifestar, no dia-a-dia, a mesma santidade recebida de Cristo:
«Eles – prossegue ainda o mesmo texto do Concílio – devem com o auxílio divino, conservar e aperfeiçoar, vivendo-a, esta santidade que receberam» [xii]
A santidade de Cristo divide-se em mil cores diferentes quantas são os Santos na Igreja, não havendo nenhum Santo igual a outro; mas essa santidade é produzida por uma única luz.
«Ninguém adquire a santidade por si mesmo, e esta não é obra de virtude humana, poi todos a recebem de Cristo e através dele; é como se muitos espelhos fossem expostos ao sol: todos brilham e emitem raios, de tal modo que parece haver muitos sóis, quando na realidade é um único sol que brilha em todos eles» [xiii]

Este apelo à santidade é mais necessária e indispensável observância do Concílio.
Sem ele todas as outras observâncias são impossíveis ou inúteis; e, no entanto, esta observância é a que está em risco de ser mais negligenciada, já que somente Deus e a consciência no-la exigem e reclamam e não as pressões ou interesses de grupos humanos particulares da Igreja.
Por vezes tem-se a impressão de que, em certas comunidades e em certas Famílias Religiosas, depois do Concílio, se tenha dado mais importância ao «fazer os Santos», do que «fazer-se santos», isto é, ter mais empenho em levar aos altares os Fundadores das suas Congregações ou dos seus confrades que em imitar-lhes os exemplos e as virtudes.

(cont)

rainiero cantalamessa, Pregador da Casa Pontifícia.





[i] Santo Agostinho, Sermo 243,2 (PL 8,1144.
[ii] Cfr. Ef 3,17.
[iii] N. Cabasillas, Vida em Cristo, IV, 3 (PG 150,593).
[iv] Rm 12,1.
[v] S. Kierkegaard, A doença mortal, pref., in Obras, op. Cit. P. 621.
[vi] 1Cor 1,2.
[vii] 1Pd 1,15-16.
[viii] S. Kierkegaard, Diário, X, 1, A, 154.
[ix] Ibidem
[x] !Ts 4,3.
[xi] Lumen gentium, 39
[xii] Lumen gentium, 40
[xiii] N. Cabasilas, Comentário à divina liturgia, 36 (PG 150,449).

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