Tempo Comum
Semana V
Evangelho:
Mc 6, 53-56
53 Tendo passado à outra
margem, foram à região de Genesaré, e lá atracaram. 54 Tendo
desembarcado, logo O conheceram 55 e, percorrendo toda aquela
região, começaram a trazer-Lhe todos os doentes em macas, para onde sabiam que
Ele estava. 56 Em qualquer lugar a que chegava, nas aldeias, nas
cidades ou nas herdades, punham os enfermos no meio das praças, e pediam-Lhe
que, ao menos, os deixasse tocar a orla do Seu vestido. E todos os que O
tocavam ficavam curados.
Comentário:
As curas operadas por Jesus Cristo são sempre consequência da Fé.
Assim o relatam repetidas vezes os Evangelhos acrescentando com
frequência as palavras do Senhor:
«Vai... a tua Fé te salvou!»
Aqui sucede o mesmo.
O Senhor constata a Fé dos enfermos que queriam tocar-lhe ao menos nos
vestidos e a Fé dos que os traziam para as praças para que, ao passar, os
curasse.
(ama, comentário sobre Mc 6,
53-56, 2015.02.9)
Leitura espiritual
Para a liberdade - 2
Voltar para Cristo - 2
A
falta de alegria é um desses indicadores que permitem descobrir quando a
vontade está a perder a orientação para Deus.
Com
a luz do Espírito Santo poderemos ver onde está posto o coração, para retificar
o que seja necessário.
A
parábola do filho pródigo é o guia autêntico no itinerário para a conversão.
O
ponto de partida é o momento em que o filho se apercebe da sua indigência
material e sobretudo espiritual – a falta de alegria – pois toma consciência de
ter abusado da sua liberdade filial.
Começa
então a examinar a sua situação com objetividade. Olha para dentro de si, in se autem reversus [i],
sem medo a reconhecer a dura verdade dos factos. O panorama é de fome, solidão,
tristeza, falta de carinho...
Como
cheguei a esta situação? perguntar-se-ia.
Poderia
ter atirado a culpa à má fortuna ou ao período de carestia que a região
atravessava.
No
entanto, atreve-se a assumir as suas decisões anteriores sem se esquivar da
responsabilidade.
Foi
ele próprio, livremente, quem trocou a fidelidade ao seu pai pela ilusão de uma
felicidade irreal.
Foi
amadurecendo nele a ideia de que os bens que lhe cabiam, neste caso a herança
paterna, teriam a capacidade de saciar as suas ânsias de bem-estar, de
realização pessoal.
A
sua vontade tinha-se ido fechando no seu pequeno tesouro: as suas ambições, a
sua diversão, o seu tempo, a sua sensualidade, a sua preguiça.
Foi
a viva perceção da sua penúria que o fez reagir e aperceber-se do pouco que
valia por si só, das cruéis servidões a que se tinha visto sujeito sem o seu
pai:
quantos jornaleiros lá em
casa do meu pai têm pão em abundância e eu aqui morro de fome! [ii]
A
casa do Pai: a Igreja Santa de Deus, esta porçãozinha da Igreja que é a Obra...
perdeu o medo a chamar as coisas pelo seu nome, e o contacto com a verdade
sobre si próprio encaminha-o para a liberdade: a verdade vos fará livres. [iii]
Perante
a realidade das coisas toma corpo a nostalgia do amor do Pai; é a viagem de
regresso a casa.
Deve
regressar-se ao lar muitas vezes na vida porque é o lugar do reencontro
connosco mesmos, onde redescobrimos o que somos: filhos de Deus.
A
casa é também a consciência, sacrário íntimo da pessoa.
E o filho pródigo, que com tanta determinação
tinha exigido os seus direitos, à vista da verdade nua e crua sobre si mesmo,
renuncia agora a todo o direito.
Levantar-me-ei, irei ter
com meu pai, e dir-lhe-ei: “pai, pequei contra o céu e contra ti; já não sou
digno de ser chamado teu filho; trata-me como a uno dos teus jornaleiros”.
Levantou-se e foi ter com o pai [iv].
No
regresso já principia a alegria da conversão.
O
arrependimento abriu a porta à esperança e, na decisão de regressar, a
liberdade recuperou a sua disposição para o amor.
Mas
além disso, o encontro com o pai supera as melhores expectativas.
O
pobre coração humano, humilhado pelas suas faltas, ver-se-á inundado pela
infinita misericórdia do Amor: quando ele ainda estava longe, o pai viu-o,
ficou movido de compaixão e, correndo, lançou-se-lhe aos braços e beijou-o [v]
A
liberdade amadurece no amor a Deus; a liberdade filial não se contabiliza num
balanço de acertos e de erros; os erros convertem-se em acertos, em ocasiões de
amar mais, quando sabemos rectificar e pedir perdão, com plena confiança na
misericórdia de Deus.
Aprendamos
a recomeçar pela mão do nosso Pai: Terão observado no vosso exame – a mim
acontece-me o mesmo: desculpem que faça referências a mim próprio, mas enquanto
falo convosco vou pensando com Nosso Senhor nas necessidades da minha alma –
que sofrem repetidamente pequenos reveses, que às vezes parecem descomunais,
porque revelam uma evidente falta de amor, de entrega, de espírito de
sacrifício, de delicadeza. Fomentem as ânsias de reparação, com uma contrição
sincera, mas não percam a paz. [vi].
Não
percam a paz: este comovedor pedido paterno vai unido a uma chamada à
contrição, que é o mais importante do exame de consciência. São Josemaria abria
a sua alma para nos dar o alimento da sua experiência de convívio com Deus.
Agora
a sua experiência é a bem-aventurança, e a sua participação na paternidade de
Deus é mais intensa. Recorramos à sua intercessão para alcançar uma contrição
serena e filial; para que nos ensine a fazer um exame contrito, que não tire a
paz mas que a dê. Cada acto de contrição é um recomeçar.
Que
paz dá saber que, enquanto há vida, não há fracassos definitivos!
Viver em Cristo
São
João descreve no Apocalipse uma multidão incontável diante do trono e diante do
Cordeiro, vestidos de branco e com palmas nas mãos [vii].
A
palma é símbolo da alegria e do triunfo, da alegria de honrar a Deus e da
vitória dos que Lhe dão glória para sempre.
Poderíamos
dizer, seguindo esta imagem, que a palma da liberdade está na sua orientação
para Deus até chegar ao triunfo definitivo da santidade alcançada.
Como
conseguiremos tão preciosa conquista? O Concílio Vaticano II ensina que «a
liberdade do homem, ferida pelo pecado, não pode conseguir esta orientação para
Deus com plena eficácia se não for com a ajuda da graça» [viii].
Por
isso Deus enviou o seu Filho, que veio em nossa ajuda para nos fazer
participantes da Sua vitória na Cruz e para que recebamos o dom do Espírito
Santo.
A
nossa liberdade foi liberta no Calvário: «para sermos livres Cristo
libertou-nos.
N’Ele
participamos da verdade que nos faz livres.
O
Espírito Santo foi-nos dado e, como ensina o Apóstolo, onde está o Espírito, aí
está a liberdade. Já a partir de agora nos gloriamos da liberdade dos filhos de
Deus» [ix].
Deus
tinha prometido ao Seu Povo um princípio novo de vida, uma lei escrita no
coração que não só indicasse a direção, mas que desse também forças para
caminhar pela senda do amor a Deus: dar-vos-ei um coração novo e porei no vosso
interior um espírito novo. Arrancarei da vossa carne o coração de pedra e
dar-vos-ei um coração de carne. Porei o Meu espírito no vosso interior e farei
com que caminheis de acordo com os Meus preceitos e guardareis e cumprireis as
Minhas normas [x]
Esta
promessa fez-se realidade com o envio do Espírito Santo, porque o amor de Deus
foi derramado em nossos corações por meio do Espírito Santo que nos foi dado [xi].
Só
sobre este princípio novo poderemos construir uma vida liberta da escravidão do
egoísmo, uma vida de filhos livres. Porque os que são guiados pelo Espírito de
Deus, esses são filhos de Deus [xii]
Que
a vontade se apoie sobre a rocha sobrenatural da filiação divina, e não sobre a
areia das próprias forças.
Então
podem vencer-se as próprias limitações, superando os obstáculos a partir da
humildade, com a força de Deus.
A
vontade, sobrenaturalmente boa, vive assim endeusada, procurando fazer em tudo
a Vontade de Deus.
Como?
Mediante
o esquecimento de si, com a fortaleza de Cristo.
Portanto –
diz São Paulo – de boa vontade me
gloriarei nas minhas fraquezas, para que habite em mim a força de Cristo. Por
isso, alegro-me nas minhas fraquezas, nas afrontas, nas necessidades, nas
perseguições, nas angústias por Cristo, porque quando sou fraco, então é que
sou forte [xiii].
O
sentido da filiação divina é um fundamento realista para a liberdade; ensina a
recomeçar a partir da verdade da própria pequenez, que é ao mesmo tempo
grandeza de ser filho amadíssimo de Deus; é fonte de serenidade e de otimismo
para a luta.
O
filho de Deus sente-se apoiado pela omnipotência de um Pai que o ama com os
seus defeitos, ao mesmo tempo que o ajuda a lutar contra eles e o impulsiona
para a liberdade.
c. ruiz
(Revisão da versão portuguesa por ama)
[vi] Amigos de Deus, n.
13.
[viii] Concílio Vaticano
II, Const. past. Gaudium et spes, n. 17.
[ix] Catecismo da Igreja
Católica, n. 1741; Ga 5, 1; cfr. Jn 8, 32; cfr. 2 Co 3, 17; cfr. Rm 8, 21.