Tempo comum XXXII Semana
Evangelho:
Lc 17, 20-25
20
Tendo-Lhe os fariseus perguntado quando viria o reino de Deus, respondeu-lhes:
«O reino de Deus não virá ostensivamente. 21 Não se dirá: Ei-lo aqui
ou ei-lo acolá. Porque eis que o reino de Deus está no meio de vós». 22
Depois disse aos Seus discípulos: «Virá tempo em que desejareis ver um só dos
dias do Filho do Homem e não o vereis. 23 E vos dirão: Ei-lo aqui,
ou ei-lo acolá. Não vades, nem os sigais. 24 Porque, assim como o
clarão brilhante de um relâmpago ilumina o céu de uma extremidade à outra,
assim será o Filho do Homem no Seu dia. 25 Mas primeiro é necessário
que Ele sofra muito e seja rejeitado por esta geração.
Comentário:
Se, como Jesus Cristo afirma, «reino
de Deus está no meio de vós» e, Ele, é a Verdade, então o Rei
está connosco!
Procurá-lo?
Sim,
sem dúvida, mas no nosso coração, na nossa alma em graça que é onde Ele habita.
Não
temos de andar preocupados em buscar o que está connosco, além de uma perda de
tempo é impróprio de um cristão.
Que
alguns se fazem passar por Jesus Cristo ou pretendam, de alguma forma,
personificá-lo sabemo-lo sobejamente mas nós, cristãos, temos sempre presentes
as palavras do Apóstolo: «Não sou eu quem
vive, é Cristo que vive em mim».
(ama, comentário
sobre Lc 17, 20-25, 2014.11.13)
Leitura espiritual
A PACIÊNCIA
…/4
O egoísta é monótono.
Dirige-se a Deus e aos outros, dizendo sempre: ‘Dá-me!’
É um homem que vive para pegar,
para tomar, para armazenar, para desfrutar, em suma, para obter...
O egoísta parece ter,
dentro do coração, um cachorrinho obsessivo, que dia e noite late sem parar,
com voz esganiçada e estridente: Eu! Eu! Eu! E, quando a voz afina: Mim! Mim!
Mim!
Só que o mundo está
repleto de outros cachorros iguais e responde-lhe com o eco das suas próprias
palavras, de modo que por toda a parte se lança contra ele o mesmo ganido: Eu!
Eu! Eu!
Certamente o mundo não
costuma fazer-nos a toda a hora reverências orientais nem nos estende aos pés
tapetes vermelhos.
NA CONTRAMÃO DOS HOMENS E
DE DEUS
Desse entrechoque de
egoísmos, logicamente, hão-de sair faíscas. Um encontrão! Uma cotovelada! Um
“chega para lá!” Um “eu primeiro!” Um “espere um pouco e você vai ver!”
A colisão de egoísmos é
inevitável, pois o meu egoísmo sempre vai na contramão do outro, e é fisicamente
impossível colocar dois centros diferentes no mesmo círculo ou dois umbigos do mundo
exatacmente no mesmo ponto.
Estamos vendo, e parece
coisa clara, que a maior parte das nossas impaciências são apenas egoísmos
contrariados.
Se as fôssemos examinando
uma após outra, numa espécie de microscópio espiritual, acabaríamos verificando
que, nelas, nas impaciências, estão todas as cores de que o egoísmo humano se
tinge, quer seja a cor orgulhosa, quer a comodista, a hedonista, a sensual ou a
invejosa...
Todas aquelas cores do
espectro em que a luz triste do egoísmo se dispersa.
Alguém já disse – sem
dúvida com exagerada dureza – que o mundo é um chiqueiro de egoísmos, onde
estes, em recinto fechado, se mordem e dilaceram.
Algo parecido com isso é o
que não tardará a descobrir, por experiência própria, quem adoptar como
filosofia de conduta “gozar a vida”, “passar o melhor possível”, “conseguir o
máximo”, “ter vantagem em tudo”.
O pior, porém, não é que
isso tudo não passe de uma ilusão trágica, decepcionante, num mundo que não nos
abre alas como ao seu “príncipe”.
O pior é que o egoísta,
por princípio, anda sempre na contramão de Deus, e isso é muito mais sério e
perigoso.
Deus só tem uma mão: o
Amor.
O egoísmo trafega em outro
sentido.
É significativo que uma
condição prévia para andar na mão de Deus e para aprender o amor cristão seja
esta:
Quem quiser salvar a sua vida – diz Cristo – a perderá; mas quem perder a
sua vida por amor de mim (quem souber sacrificá-la por amor), a salvará [i].
A mão de Deus é o Amor.
Sair dela é atravessar-se
na estrada, e aí todas as colisões são inevitáveis.
O egoísmo colide com tudo
e, além disso, tem a triste faculdade de tornar negativas todas as coisas,
opondo-as a si.
O egoísta, por exemplo, em
vez de valer-se do temperamento da esposa para saber “como” deve amá-la,
serve-se disso como motivo para humilhá-la e ofendê-la. Não pensa:
‘Ela é lenta, vou
estimulá-la, vou ajudá-la’.
Pensa: ‘Ela é lenta;
atrasa tudo! Não julgava que fosse tão lerda quando casei! Isto não pode
continuar!’
São duas maneiras opostas
de reagir perante uma mesma situação. Duas maneiras que se podem dar em todas
as situações.
As mais belas coisas estiolam
nas mãos do egoísta.
Vale a pena repisar bem a
afirmação de que o nosso egoísmo é a causa fundamental dos nossos
aborrecimentos.
Assim como o lendário Rei
Midas tinha o poder de transformar em ouro tudo o que tocava, o egoísta tem a
virtude de transformar em pontas, em cacos de vidro, em navalhas e espinheiros,
tudo o que não se curva aos seus desejos.
O QUE A VIDA ESPERA DE NÓS
No relato autobiográfico
intitulado Em busca de sentido: um
psicólogo no campo de concentração, [ii]
o psiquiatra Viktor Frankl relata o ambiente de profundo abatimento que se ia
apossando do espírito de seus companheiros de barracão, no campo de
concentração nazista em que se encontravam, à medida que as expectativas de
libertação se afunilavam e o futuro aparecia cada vez mais sombrio.
Era comum ouvir-se dizer:
– ‘Eu já não espero mais
nada da vida’.
‘Que resposta podemos dar
a essas palavras?’ – perguntava-se Frankl.
E a seguir, com vibrações
de descoberta, explica a nova luz que se acendeu nele e que procurou transmitir
aos outros:
‘Do que realmente
precisamos é de uma mudança radical da nossa atitude perante a vida.
Temos que aprender nós
mesmos, e depois ensinar aos desesperados, que na verdade não é importante o
que nós esperamos da vida; importante é o que a vida espera de nós’.
Numa noite em que um corte
de luz mergulhou os prisioneiros numa depressão ainda maior, Frankl, embora
gelado e sonolento, irritado e cansado, sentiu que era preciso fazer alguma
coisa para infundir ânimo àqueles pobres farrapos humanos que já desistiam da
vida. Levantou-se, então, e falou. Expôs com veemente ardor a sua descoberta.
E essa ideia de que a vida
tem um sentido infinitamente superior ao de simplesmente satisfazer desejos,
obter coisas, passar bem, gozar de boa saúde, invadiu, como um clarão de
esperança, aqueles corações agoniados.
Entenderam que Deus, a
esposa, os filhos, os amigos, o mundo esperavam deles (deles que pareciam
animais acuados, prestes a serem levados para o matadouro) um testemunho – na
vida ou na morte – de que o ser humano foi feito para algo muito maior do que
comer, beber, gozar, rir na fortuna e chorar na adversidade.
Deus e os outros esperavam
algo que só cada um deles, com grandeza de alma, podia dar. Deus e o mundo
“precisavam” de cada um deles!
Esta concepção da vida,
como é óbvio, opõe-se frontalmente à atitude egoísta acima descrita.
É a outra possível
vertente da nossa existência.
A única verdadeira.
A vida só pode ser encarada
como uma missão a cumprir, que nos é confiada por Deus, como uma edificação de
que somos responsáveis e de que outros dependem.
Não vivemos para obter;
vivemos para edificar.
QUERENDO EDIFICAR UMA
TORRE
O próprio Cristo utiliza a
imagem da edificação para falar de nós. Diante do seu futuro, o homem é um
construtor.
Deus facilita-lhe o
material, desvenda-lhe aos poucos as linhas mestras da “obra” a ser realizada e
estende-lhe a mão para ajudá-lo na tarefa.
Mas cada qual é
responsável por fazer a obra bem-feita.
Quem
de vós, se quiser edificar uma torre, não se senta primeiro e calcula...?
[iii].
Aprofundando na imagem da
edificação, Cristo diz-nos ainda como se deve fazer o cálculo, qual é a
garantia de que a construção será sólida e indestrutível:
Aquele
que ouve as minhas palavras e as põe em prática é semelhante a um homem
prudente que edificou a sua casa sobre rocha. Caiu a chuva, vieram as
enchentes, sopraram os ventos e investiram contra aquela casa: ela, porém, não
caiu, porque estava edificada sobre rocha [iv].
Construir sobre rocha,
fazer uma edificação que nenhuma contrariedade – vento ou chuva, tremores ou
enchentes – possa abalar, só se consegue quando o alicerce sobre o qual se
levanta é a palavra de Cristo: Aquele que
ouve as minhas palavras e as põe em prática...
É a palavra, é a mensagem
de Cristo que indica a “mão de direcção” que Deus quer deixar sinalizada no
coração dos homens: a mão do Amor.
Amar a Deus de todo o
coração, com toda a alma e com todas as forças; amar o próximo como a nós
mesmos, mais ainda, como Cristo nos amou – ninguém
tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos [v]–,
este é o alicerce, este é o pilar firmíssimo, esta é a “mão de Deus”!
(cont.)
FRANCISCO FAUS, [vi]
A PACIÊNCIA, 2ª edição, QUADRANTE,
São Paulo 1998
(Revisão da versão
portuguesa por ama)
[i] cf. Mt 16, 25 e Mc
8, 35
[ii] 3ª ed.,
Sinodal-Vozes, 1993, págs. 76 e segs.
[vi]
Francisco Faus é licenciado em Direito pela
Universidade de Barcelona e Doutor em Direito Canônico pela Universidade de São
Tomás de Aquino de Roma. Ordenado sacerdote em 1955, reside em São Paulo, onde
exerce uma intensa atividade de atenção espiritual entre estudantes
universitários e profissionais. Autor de diversas obras literárias, algumas
delas premiadas, já publicou na coleção Temas Cristãos, entre outros, os
títulos O valor das dificuldades, O homem bom, Lágrimas de Cristo, lágrimas dos
homens, Maria, a mãe de Jesus, A voz da consciência e A paz na família.