Tempo de Advento
Evangelho:
Mt 17, 10-13
10
Os discípulos perguntaram-Lhe: «Porque dizem, pois, os escribas que Elias deve
vir primeiro?». 11 Ele respondeu-lhes: «Elias certamente há-de vir e
restabelecerá todas as coisas. 12 Digo-vos, porém, que Elias já
veio, e não o reconheceram, antes fizeram dele o que quiseram. Assim também o
Filho do Homem há-de padecer às suas mãos». 13 Então os discípulos
compreenderam que falava de João Baptista.
Comentário:
O discípulo
não é mais que o seu mestre afirmou Jesus e bem se vê como esta sentença é
verdadeira.
O Mestre de João padeceu e morreu pela salvação de todos os homens.
João também dará a sua vida mas neste caso por defender a verdade que é o
próprio Mestre.
(ama, comentário sobre Mt 17
10-13, 2014.12.13)
Leitura espiritual
Resumos da Fé cristã
TEMA
38
O
nono e o décimo mandamentos do Decálogo
Estes dois mandamentos ajudam a viver
a santa pureza (o nono) e o desprendimento dos bens materiais (o décimo) nos pensamentos
e nos desejos.
«Não
cobiçarás a mulher do teu próximo e não desejarás a sua casa, nem o seu campo,
nem o seu escravo, nem a sua escrava, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem
nada que lhe pertença» [i].
«Aquele
que olhar para uma mulher, desejando-a, já cometeu adultério com ela no seu
coração» [ii].
1. Os pecados
internos
Estes dois mandamentos referem-se aos
actos internos correspondentes aos pecados contra o sexto e o sétimo
mandamentos, que a tradição moral classifica como pecados internos.
De forma positiva, regulam a forma de
viver a pureza (o nono) e o desprendimento (o décimo) nos pensamentos e nos
desejos, segundo as palavras do Senhor:
«Bem-aventurados
os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus. Bem-aventurados os
puros de coração, porque verão a Deus» [iii].
A primeira questão a que se terá de
dar resposta é se faz sentido falar de pecados internos; ou, dito de outro
modo, porque se qualifica negativamente um exercício da inteligência e da
vontade se não se concretiza numa acção externa reprovável?
Pela pergunta não parece evidente,
pois nas listas de pecados que o Novo Testamento nos apresenta aparecem
sobretudo actos externos (adultério, fornicação, homicídio, idolatria,
feitiçaria, pleito, ira, etc.). No entanto, nesses mesmos elencos também vemos
citados, como pecados, certos actos internos (invejas, má concupiscência,
avareza) [iv].
O próprio Jesus explica que é do
coração do homem que «procedem as más
intenções, os assassínios, os adultérios, as prostituições, os roubos, os
falsos testemunhos e as blasfémias» [v].
No âmbito específico da castidade,
ensina «que todo aquele que olhar para uma mulher, desejando-a, já cometeu adultério
com ela no seu coração» [vi].
Destes textos, provém um importante
contributo para a moral, porque dão a entender como a fonte das acções humanas
- por conseguinte da bondade ou maldade da pessoa - se encontra nos desejos do
coração, no que a pessoa “quer” e escolhe.
A maldade do homicídio, do adultério
ou do roubo não está principalmente na materialidade da acção ou nas suas
consequências, mas antes na vontade (no coração) do homicida, do adúltero, do
ladrão, que ao escolher determinada acção, está a desejá-la: está-se decidido a
seguir numa direcção contrária ao amor do próximo e, portanto, também do amor
de Deus.
A vontade tende sempre para um bem,
mas, em certas ocasiões, trata-se de um bem aparente, alguma coisa que aqui e
agora não é ordenável racionalmente em função do bem da pessoa no seu conjunto.
O ladrão deseja alguma coisa que
considera um bem, mas o facto de que esse objecto pertença a outra pessoa torna
impossível que a escolha feita se ordene ao bem da sua pessoa ou, o que é o
mesmo, à plenitude da sua vida.
Neste sentido, não é necessário o acto
exterior para determinar a vontade num sentido positivo ou negativo.
Quem decide roubar um objecto, mesmo
que o não possa concretizar devido a algum imprevisto, actuou mal.
Realizou um acto interno contra a
virtude da justiça.
A bondade e a maldade da pessoa dão-se
na vontade, assim, rigorosamente falando teria de se utilizar essas categorias
para se referir aos desejos (queridos, aceites) e não aos pensamentos.
Ao falar da inteligência utilizamos
outras categorias, como verdadeiro e falso.
Quando o nono mandamento proíbe os
“pensamentos impuros” não se está a referir às imagens, ou ao pensamento em si,
mas ao movimento da vontade que aceita o deleite desordenado que certa imagem
(interna ou externa) provoca [vii].
Os pecados internos podem dividir-se
em:
- “Maus pensamentos” (complacência
morosa):
São a representação imaginária de um
acto pecaminoso sem ânimo para o realizar.
É pecado mortal se se trata de matéria
grave e caso se procure ou se consinta em deleitar-se nela.
- Mau desejo (desiderium):
Desejo interior e genérico de uma
acção pecaminosa da qual a pessoa sente gozo.
Não coincide com a intenção de a
realizar (que implica sempre um querer eficaz), embora em não poucos casos se
fizesse, se não existissem alguns motivos que inibem a pessoa (tais como as
consequências da acção, a dificuldade para a realizar, etc.).
- Gozo pecaminoso:
É a complacência deliberada numa má
acção já realizada por si ou por outros.
Renova o pecado na alma.
Os pecados internos, em si mesmos,
costumam ter menor gravidade que os correspondentes pecados externos, porque o
acto externo manifesta voluntariedade mais intensa.
No entanto, são de facto muito
perigosos, sobretudo para as pessoas que procuram viver na amizade e intimidade
com Deus, já que:
- Cometem-se com mais facilidade, pois
basta o consentimento da vontade; e as tentações podem ser mais frequentes;
- Presta-se-lhes menos atenção, pois
às vezes, por ignorância e, outras vezes, por certa cumplicidade com as
paixões, não se querem reconhecer como pecados, pelo menos, veniais, se o
consentimento foi imperfeito.
Os pecados internos podem deformar a
consciência, por exemplo, quando se admite o pecado venial interno
habitualmente ou com certa frequência, mesmo que se queira evitar o pecado
mortal.
Esta deformação pode dar lugar a
manifestações de irritabilidade, a faltas de caridade, ao espírito crítico, a
resignar-se com ter frequentes tentações sem lutar tenazmente contra elas, etc.
[viii];
Nalguns casos pode conduzir mesmo a
não querer reconhecer os pecados internos, envolvendo-os em explicações sem
qualquer razão, que acabam por confundir cada vez mais a consciência; como consequência,
cresce facilmente o amor-próprio, nascem inquietações, torna-se mais custosa a
humildade e a contrição sincera, e pode-se acabar num estado de tibieza.
Na luta contra os pecados internos, é
muito importante não dar lugar aos escrúpulos [ix].
Para lutar contra os pecados internos,
ajudam-nos:
- A frequência dos sacramentos que nos
dão ou aumentam a graça e nos curam as nossas misérias quotidianas;
- A oração, a mortificação e o
trabalho, procurando sinceramente Deus;
- A humildade – que nos permite
reconhecer as nossas misérias sem desesperar face aos nossos erros – e a confiança
em Deus, sabendo que quer sempre perdoar os nossos pecados;
- Exercitarmo-nos na sinceridade com
Deus, connosco próprios e na direcção espiritual, cuidando com esmero o exame
de consciência.
2.
A purificação do coração
O nono e décimo mandamentos consideram
os mecanismos íntimos que estão na raiz dos pecados contra a castidade e a
justiça; e, em sentido amplo, de qualquer pecado [x].
Em sentido positivo, estes mandamentos
convidam a actuar com recta intenção, com coração puro.
Por isso, têm grande importância, já
que não se limitam à consideração externa das acções, mas consideram a fonte de
que procedem essas acções.
Estes dinamismos internos são
fundamentais na vida moral cristã, pois tanto as virtudes infusas como os dons
do Espírito Santo são modelados pelas disposições da pessoa.
Em certo sentido, possuem particular
importância as virtudes morais, que são mais propriamente disposições da
vontade e dos outros apetites para actuar bem.
Tendo estes elementos presentes, é
possível desterrar certa caricatura que se apresenta da vida moral como se ela
se reduzisse apenas à luta contra os pecados, descobrindo-se antes o imenso
panorama de esforço positivo por crescer na virtude (por purificar o coração)
que tem a existência humana e em particular o cristão.
Estes mandamentos referem-se mais
especificamente aos pecados internos contra as virtudes da castidade e da
justiça, que estão bem reflectidos no texto da Sagrada Escritura que fala de
«três espécies de cupidez ou concupiscência: a concupiscência da carne, a
concupiscência dos olhos e a soberba da vida [xi]» [xii].
O nono mandamento trata do domínio da
concupiscência da carne; e o décimo da concupiscência do bem alheio.
Ou seja, proíbem deixar-se arrastar
por essas concupiscências de modo consciente e voluntário.
Estas tendências desordenadas ou
concupiscências consistem na «revolta que a “carne” instiga contra o
“espírito”.
Procede da desobediência do primeiro
pecado» [xiii].
Depois do pecado original, ninguém
está isento da concupiscência, excepto Nosso Senhor Jesus Cristo e a Virgem
Santa Maria.
Embora a concupiscência, em si mesma,
não seja pecado, inclina para o pecado e engendra-o, quando não se submete à
razão iluminada pela fé com a ajuda da graça.
Esquecendo-se que existe a concupiscência,
é fácil pensar que todas as tendências que se experimentam “são naturais” e que
não faz mal deixar-se levar por elas.
Muitos dão-se conta como isto é falso
ao considerarem o que sucede com a inclinação para a violência: reconhecem que
ninguém se deve deixar arrastar por este impulso, mas dominá-lo, porque não é
natural.
No entanto, quando se trata da pureza,
já não querem reconhecer o mesmo, dizem que não é mau em se deixarem levar por
este estímulo “natural”.
O nono mandamento ajuda-nos a compreender
que não é assim, porque a concupiscência retorceu a natureza e o que se
experimenta como natural é, frequentemente, consequência do pecado que é preciso
vencer.
O mesmo se poderia dizer do afã
imoderado de riquezas ou da cobiça a que se refere o décimo mandamento.
É importante conhecer esta desordem
causada em nós pelo pecado original e pelos nossos pecados pessoais, visto que
tal conhecimento:
- Impulsiona-nos a rezar: só Deus nos
perdoa o pecado original, que deu origem à concupiscência, e só com a ajuda
divina conseguiremos vencer essa tendência desordenada; a graça de Deus sara a
nossa natureza das feridas do pecado, além de a elevar à ordem sobrenatural;
- Ensina-nos a amar a Criação, porque
saiu boa das mãos de Deus; são os nossos pecados desordenados que provocam o
mau uso dos bens criados.
3.
O combate pela pureza
Pureza de coração significa possuir
uma maneira santa de sentir. Com a ajuda de Deus, e o esforço pessoal,
consegue-se ser cada vez mais “limpos de coração”: limpeza nos “pensamentos” e
nos desejos.
No que se refere ao nono mandamento, o
cristão consegue esta pureza com a graça de Deus, bem como através da virtude e
do dom da castidade, da pureza de intenção, da pureza do olhar e da oração [xiv].
A pureza do olhar não se limita a
rejeitar a contemplação de imagens claramente inconvenientes, mas exige a
purificação do uso dos nossos sentidos externos, que nos levem a olhar, a
contemplar o mundo e as outras pessoas com visão sobrenatural.
Trata-se de luta positiva que permite
ao homem descobrir a verdadeira beleza de toda a criação, de modo particular, a
beleza dos que foram criados à imagem e semelhança de Deus [xv].
«A pureza exige o pudor.
O pudor é parte integrante da
temperança.
O pudor preserva a intimidade da
pessoa.
Designa a recusa de mostrar o que deve
ficar oculto.
Ordena-se à castidade e comprova-lhe a
delicadeza.
Orienta os olhares e as atitudes em
conformidade com a dignidade das pessoas e com a união que existe entre elas» [xvi].
4.
A pureza do coração
«O desejo da verdadeira felicidade
liberta o homem do apego imoderado aos bens deste mundo, e terá a sua plenitude
na visão beatífica de Deus» [xvii].
«A promessa de ver a Deus ultrapassa
toda a bem-aventurança. (...)
Na Escritura ver é possuir. (...)
Por isso aquele que vê a Deus obteve
todos os bens que se possam imaginar» [xviii].
Os bens materiais são bons como meios,
mas não são fins.
Não podem encher o coração do homem,
que está feito para Deus e não se sacia com o bem-estar material.
«O décimo mandamento condena a avidez
e o desejo duma apropriação desmesurada dos bens terrenos; e proíbe a cupidez
desregrada, nascida da paixão imoderada das riquezas e do seu poder.
Interdita também o desejo de cometer
uma injustiça pela qual se prejudicaria o próximo nos seus bens temporais» [xix].
O pecado é aversão a Deus e conversão
às criaturas.
O apego aos bens materiais alimenta
radicalmente esta conversão, provoca a cegueira da mente e o endurecimento do
coração:
«Se
alguém possuir bens deste mundo e, vendo o seu irmão com necessidade, lhe
fechar o seu coração, como é que o amor de Deus pode permanecer nele?» [xx].
O afã desmesurado dos bens materiais é
contrário à vida cristã: não se pode servir a Deus e às riquezas [xxi].
A importância exagerada que se concede
hoje ao bem-estar material, muito acima de outros valores, não é sinal de
progresso humano, mas de empobrecimento e de aviltamento do homem, cuja
dignidade reside em ser criatura espiritual chamada à vida eterna como filho de
Deus [xxii].
«O décimo mandamento exige que seja
banida a inveja do coração humano» [xxiii].
A inveja é um pecado capital.
«Designa a tristeza que se sente
perante o bem alheio e o desejo imoderado de se apropriar dele, mesmo
indevidamente» [xxiv].
Da inveja podem derivar muitos outros
pecados: ódio, murmuração, detracção, desobediência, etc.
A inveja significa rejeição da
caridade. Para lutar contra ela, devemos viver a virtude da benevolência, que
nos incita a desejar o bem dos outros como manifestação do amor que lhes temos.
A virtude da humildade também nos
ajuda nesta luta, pois não devemos esquecer que a inveja procede com frequência
do orgulho [xxv].
pablo requena
Bibliografia básica: Catecismo da
Igreja Católica, 2514-2557.
Leituras recomendadas:
S. Josemaria, homilia «Porque verão a Deus»,
em Amigos de Deus, 175-189; homilia «Desprendimento», em Amigos de Deus,
110-126.
[iv] Cf.
Gl, 5, 19-21; Rm 1, 29-31; Cl 3, 5. S. Paulo, depois de apelar a abster-se da
fornicação, escreve: «que cada um de vós saiba possuir o seu corpo em santidade
e honra, sem se deixar levar pelo desejo da paixão como os pagãos que não
conhecem Deus. (…) Deus não nos chamou à impureza mas à santidade (1 Ts 4,
3-7). Sublinha a importância dos afectos, que estão na origem das acções, e faz
ver a necessidade da sua purificação para a santidade.
[vii] Deste
modo, entender-se-á facilmente a diferença entre “sentir” e “consentir”,
referido a determinada paixão ou movimento da sensibilidade. Só quando se
consente com a vontade se pode falar de pecado (se a matéria for pecaminosa).
[viii] «Chapinhas
nas tentações, pões-te em perigo, brincas com a vista e com a imaginação, falas
de... disparates. E depois assustas-te por te assaltarem dúvidas, escrúpulos,
confusões, tristeza e desalento. Hás-de conceder-me que és pouco coerente» (S.
Josemaria, Sulco , 132).
[ix] «Não
te preocupes, aconteça o que acontecer, desde que não consintas. - Porque só a
vontade pode abrir a porta do coração e introduzir nele essas coisas
execrandas» (S. Josemaria, Caminho, 140); cf. Ibidem, 258.
[x] «O
décimo mandamento incide sobre a intenção do coração e resume, com o nono,
todos os preceitos da Lei» (Catecismo, 2534).
[xiv] Com
a graça de Deus, consegui-lo-ei: pela virtude e pelo dom da castidade, pois a
castidade permite amar com um coração recto e sem partilha; pela pureza de
intenção, que consiste em ter em vista o verdadeiro fim do homem: com um olhar
simples, o baptizado procura descobrir e cumprir em tudo a vontade de Deus (cf.
Rm 12, 2; Cl 1, 10) pela pureza do olhar, exterior e interior; pela disciplina
dos sentidos e da imaginação; pela rejeição da complacência em pensamentos
impuros que o levariam a desviar-se do caminho dos mandamentos divinos: “a
vista excita a paixão dos insensatos” (Sb 15, 5); pela oração» (Catecismo,
2520).
[xv] «Os
olhos! Por eles entram na alma muitas iniquidades. - Quantas experiências como
a de David!... - Se guardardes a vista, tereis assegurado a guarda do vosso
coração». (S. Josemaria, Caminho, 183. «- Meu Deus!: encontro graça e beleza em
tudo o que vejo: guardarei a vista a toda a hora, por Amor» (S. Josemaria,
Forja, 415).
[xviii] S.
Gregório de Nisa, Orationes de
Beatitudinibus, 6: PG 44, 1265A. Cf. Catecismo, 2548.
[xxi] cf. Mt 6, 24; Lc
16,13
[xxv] cf. Catecismo, 2540