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Leitura Espiritual
Amigos de Deus |
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Vou continuar esta conversa diante de Nosso
Senhor, com uma nota que utilizei há uns anos e que mantém a actualidade.
Recolhi
então umas considerações de Teresa de Ávila: tudo o que se acaba e não contenta
Deus é nada e menos que nada.
Compreendem
porque é que uma alma deixa de saborear a paz e a serenidade quando se afasta
do seu fim, quando se esquece de que Deus a criou para a santidade?
Esforcem-se
por nunca perder este ponto de mira sobrenatural, nem sequer nos momentos de
diversão ou de descanso, tão necessários como o trabalho na vida de cada um.
Bem
podem chegar ao cume da vossa actividade profissional, alcançar os triunfos
mais retumbantes, como fruto da livre iniciativa com que exercem as actividades
temporais; mas se abandonarem o sentido sobrenatural que tem de presidir todo o
nosso trabalho humano, enganaram-se lamentavelmente no caminho.
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Permitam-me uma pequena digressão que vem
muito a propósito.
Nunca
perguntei a opinião política a nenhum dos que vêm ter comigo: não me interessa!
Com
esta minha norma de conduta, manifesto uma realidade que está muito metida no
âmago do Opus Dei, ao qual me dediquei completamente, com a graça e a
misericórdia divina, para servir a Santa Igreja.
Não
me interessa esse tema porque os cristãos gozam da mais completa liberdade, com
a consequente responsabilidade pessoal, para intervir como lhes parecer melhor
em questões de índole política, social, cultural, etc., sem outros limites além
dos que o Magistério da Igreja indica.
Só
ficaria preocupado - pelo bem dessas almas - se não respeitassem tais marcas,
porque teriam criado uma vincada oposição entre a fé que afirmam professar e as
obras: e, nessa altura, teria que lhes chamar a atenção com clareza.
Este
sacrossanto respeito pelas vossas opções, desde que elas não afastem da lei de
Deus, não se entende.
Não
o entende quem ignora o verdadeiro conceito da liberdade que Cristo nos ganhou
na Cruz, qua libertate Christus nos
liberavit, quem for sectário de um e de outro extremo, quem pretender impor
as suas opiniões temporais como dogmas. Também não o entende quem degrada o
homem, ao negar o valor da fé, colocando-a à mercê dos erros mais brutais.
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Mas voltemos ao nosso tema.
Dizia-lhes
que bem podem alcançar os êxitos mais espectaculares no terreno profissional,
na actuação pública, nos afazeres profissionais, mas se se descuidarem
interiormente e se afastarem de Nosso Senhor, o fim será um fracasso rotundo.
Perante
Deus, que é o que conta em última análise, quem luta por comportar-se como um
cristão autêntico, é que consegue a vitória: não existe uma solução intermédia.
Por
isso vocês conhecem tantas pessoas que deviam sentir-se muito felizes, ao
julgar a sua situação de um ponto de vista humano e, no entanto, arrastam uma
existência inquieta, azeda; parece que vendem alegria a granel, mas
aprofunda-se um pouco nas suas almas e fica a descoberto um sabor acre, mais
amargo que o fel.
Isto
não há-de acontecer a nenhum de nós, se deveras tratarmos de cumprir
constantemente a Vontade de Deus, de dar-lhe glória, de louvá-lo e de espalhar
o seu reinado entre todas as criaturas.
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A
coerência cristã da vida
Tenho muita pena sempre que sei que um
católico - um filho de Deus que, pelo Baptismo, é chamado a ser outro Cristo -
tranquiliza a consciência com uma simples piedade formalista, com uma
religiosidade que o leva a rezar de vez em quando (só se acha que lhe convém!);
a assistir à Santa Missa nos dias de preceito - e nem sequer em todos -, ao
passo que se preocupa pontualmente por acalmar o estômago, com refeições a
horas fixas; a ceder na fé, a trocá-la por um prato de lentilhas, desde que não
renuncie à sua posição...
E
depois, com descaramento ou com espalhafato, utiliza a etiqueta de cristão para
subir.
Não!
Não
nos conformemos com as etiquetas: quero que sejam cristãos de corpo inteiro,
íntegros; e, para o conseguirem, têm que procurar decididamente o alimento
espiritual adequado.
Vocês sabem por experiência pessoal - e
têm-me ouvido repetir com frequência, para evitar desânimos - que a vida
interior consiste em começar e recomeçar todos os dias; e notam no vosso
coração, como eu noto no meu, que precisamos de lutar continuamente.
Terão
observado no vosso exame - a mim acontece-me o mesmo: desculpem que faça
referências a mim próprio, mas enquanto falo convosco vou pensando com Nosso
Senhor nas necessidades da minha alma - que sofrem repetidamente pequenos
reveses, que às vezes parecem descomunais, porque revelam uma evidente falta de
amor, de entrega, de espírito de sacrifício, de delicadeza.
Fomentem
as ânsias de reparação, com uma contrição sincera, mas não percam a paz.
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Por volta dos primeiros anos da década de 40,
eu ia muito a Valência.
Não
tinha então nenhum meio humano e, com os que - como vocês agora - se reuniam
com este pobre sacerdote, fazia oração onde podíamos, algumas tardes numa praia
solitária.
Como
os primeiros amigos do Mestre, lembras-te?
S.
Lucas escreve que, ao sair de Tiro com Paulo, a caminho de Jerusalém,
acompanharam-nos todos, com as suas mulheres e filhos até fora da cidade e
ajoelhados na praia fizemos oração.
Pois um dia, ao fim da tarde, durante um
daqueles pores do Sol maravilhosos vimos que uma barca se aproximava da
beira-mar e que saltaram para terra uns homens morenos, fortes como rochas,
molhados, de tronco nu, tão queimados pela brisa que pareciam de bronze.
Começaram
a tirar da água a rede que traziam arrastada pela barca, repleta de peixes
brilhantes como a prata.
Puxavam
com muito brio, os pés metidos na areia, com uma energia prodigiosa.
De
repente veio uma criança, muito queimada também, aproximou-se da corda,
agarrou-a com as mãozinhas e começou a puxar com evidente falta de habilidade.
Aqueles
pescadores rudes, nada refinados, devem ter sentido o coração estremecer e
permitiram que aquele pequeno colaborasse; não o afastaram, apesar de ele
estorvar em vez de ajudar.
Pensei em vocês e em mim; em vocês, que ainda
não conhecia e em mim; nesse puxar pela corda todos os dias, em tantas coisas.
Se nos apresentarmos diante de Deus Nosso Senhor como esse pequeno, convencidos
da nossa debilidade mas dispostos a cumprir os seus desígnios, alcançaremos a
meta mais facilmente: arrastaremos a rede até à beira-mar, repleta de frutos
abundantes, porque onde as nossas forças falham, chega o poder de Deus.
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Sinceridade
na direcção espiritual
Conhecem muito bem as obrigações do vosso
caminho de cristãos, que os hão-de levar sem parar e com calma à santidade;
também estão precavidos contra as dificuldades, praticamente contra todas,
porque já se vislumbram desde o princípio do caminho.
Agora
insisto em que se deixem ajudar e guiar por um director de almas, a quem
confiem todos os entusiasmos santos, os problemas diários que afectarem a vida
interior, as derrotas que sofrerem e as vitórias.
Nessa direcção espiritual mostrem-se sempre
muito sinceros: não deixem nada por dizer, abram completamente a alma, sem medo
e sem vergonha.
Olhem
que, se não, esse caminho tão plano e tão fácil de andar complica-se e o que ao
princípio não era nada acaba por se converter num nó que sufoca.
Não
penseis que os que se perdem caem vítimas de um fracasso repentino; cada um
deles errou no princípio do seu caminho ou então descuidou por muito tempo a
sua alma, de modo que, enfraquecendo progressivamente a força das suas virtudes
e crescendo pelo contrário, pouco a pouco, a dos vícios, veio a desfalecer
miseravelmente...
Uma casa não se desmorona de repente por um
acidente imprevisível: ou já havia algum defeito nos alicerces ou o desleixo
dos que a habitavam se prolongou por muito tempo, de modo que os defeitos, a
princípio pequeníssimos, foram corroendo a firmeza da estrutura, pelo que,
quando chegou a tempestade ou surgiram as chuvas torrenciais, ruiu sem remédio,
pondo a descoberto o antigo descuido.
Lembram-se da história do cigano que se foi
confessar?
Não
passa de uma história, de uma historieta, porque da confissão nunca se fala e,
além disso, estimo muito os ciganos.
Coitadinho!
Estava
realmente arrependido: Senhor Padre, acuso-me de ter roubado uma arreata...-
pouca coisa, não é? - e atrás vinha uma burra...; e depois outra arreata...; e
outra burra... e assim até vinte.
Meus filhos, o mesmo acontece no nosso
comportamento: quando cedemos na arreata, depois vem o resto, a seguir vem uma
série de más inclinações, de misérias que aviltam e envergonham; e acontece o
mesmo na convivência: começa-se com uma pequena falta de delicadeza e acaba-se
a viver de costas uns para os outros, no meio da indiferença mais gelada.
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Caçai as raposas pequenas que destroem a
vinha, as nossas vinhas em flor.
Fiéis
no pequeno, muito fiéis no pequeno.
Se
procurarmos esforçar-nos assim, também havemos de aprender a recorrer com
confiança aos braços de Santa Maria, como seus filhos. Não vos lembrava eu ao
princípio que todos nós temos muito poucos anos, tantos quantos passaram desde
que nos decidimos a ter muita intimidade com Deus?
Pois
é razoável que a nossa miséria e a nossa insuficiência se aproximem da grandeza
e da pureza santa da Mãe de Deus, que é também nossa Mãe.
Posso contar-vos outra história real, porque
já passaram tantos, tantos anos desde que aconteceu; e porque há-de ajudá-los a
pensar, pelo contraste e pela crueza das expressões.
Estava
a dirigir um retiro para sacerdotes de diversas dioceses.
Procurava-os
com afecto e com interesse, para que viessem falar comigo, aliviar a
consciência desabafando, porque os sacerdotes também precisam do conselho e da
ajuda de um irmão.
Comecei
a conversar com um, um pouco rude, mas muito nobre e sincero; puxava-lhe um
pouco pela língua, com delicadeza e clareza para sarar qualquer ferida que
existisse dentro do seu coração.
A
certa altura interrompeu-me, mais ou menos com estas palavras: tenho uma grande
inveja da minha burra; tem prestado serviços paroquiais em sete freguesias e
não há nada a apontar-lhe.
Ah!
Se eu tivesse feito o mesmo!
(cont)