Tempo comum XXV Semana
Evangelho:
Lc 9, 43-45
43
E todos se admiravam da grandeza de Deus. Enquanto todos admiravam as coisas
que fazia, Jesus disse aos discípulos: 44 «Fixai bem estas palavras:
O Filho do Homem está para ser entregue nas mãos dos homens». 45
Eles, porém, não entendiam esta linguagem; era-lhes tão obscura que não a
compreendiam; e tinham medo de O interrogar acerca dela.
Comentário:
A “linguagem” de Deus e, por vezes,
difícil de entender?
Talvez... Precisamente porque nós,
homens, esperamos ouvir outras coisas diferentes das que o Senhor diz.
Frequentemente o que desejamos e ouvir o que nos convém, o que vem ao encontro
dois nossos desejos.
Queremos, de facto, ouvir Deus o ou
ouvir-nos a nós?
(ama,
comentário sobre Lc 9, 43-45, V. Moura, 2013.09.27)
Leitura espiritual
Documentos do Magistério
CARTA ENCÍCLICA
IMMORTALE DEI
DO SUMO PONTIFÍCE PAPA LEÃO XIII
A TODOS OS NOSSOS VENERÁVEIS
IRMÃOS, OS PATRIARCAS, PRIMAZES, ARCEBISPOS
E BISPOS DO ORBE CATÓLICO,
EM GRAÇA E COMUNHÃO COM A SÉ APOSTÓLICA
SOBRE A CONSTITUIÇÃO CRISTÃ
DOS ESTADOS
25.
Semelhantemente, nessa espécie dos deveres se colocam a caridade mútua, a
bondade, a liberalidade.
O
homem, que é ao mesmo tempo cidadão e cristão, não mais rasgado em dois por
obrigações contraditórias.
Enfim,
os bens consideráveis com que a religião cristã enriquece espontaneamente a
própria vida terrena dos indivíduos são adquiridos para a comunidade e para a
sociedade civil: donde ressalta a evidência destas palavras: “A sorte do Estado
depende do culto que se tributa a Deus: e há entre ambos numerosos laços de
parentesco e de estrita amizade” (Sacr. Imp. Ad Cyllirium Alexandr. Et
Episcopos metrop. Cfr. Labbeum, Collect. Conc. T. III).
26.
Em várias passagens Santo Agostinho, segundo o seu costume, salientou o valor
desses bens, mormente quando interpela a Igreja Católica nestes termos: “Tu
conduzes e instruis as crianças com ternura, os jovens com força, os velhos com
calma, como o comporta a idade não somente do corpo, mas ainda da alma.
Sujeitas as mulheres aos maridos por uma casta e fiel obediência, não para
cevar a paixão, mas para propagar a espécie e constituir a sociedade da família.
Dás autoridade aos maridos sobre as mulheres, não para zombarem do sexo, mas
para seguirem as leis de um sincero amor. Subordinas os filhos aos pais por uma
espécie de servidão livre e prepões os pais aos filhos por uma espécie de terna
autoridade. Unes não só em sociedade, mas numa espécie de fraternidade, os
cidadãos aos cidadãos, as nações às nações e os homens entre si pela lembrança
dos primeiros pais. Ensinas os reis a velarem sobre os povos, e prescreves aos
povos submeter-se aos reis. Ensinas com cuidado a quem é que é devida a honra,
a quem a afeição, a quem o respeito, a quem o temor, a quem a consolação, a
quem a advertência, a quem o incentivo, a quem a correcção, a quem a
reprimenda, a quem o castigo; e fazes saber como, se nem todas essas coisas são
devidas a todos, a todos é devida a caridade, e a ninguém a injustiça” (De
moribus Eccl., cap. XXX, n. 63).
27.
Noutro lugar, o mesmo Doutor repreende nestes termos a falsa sabedoria dos
políticos filósofos: “Os que dizem que a doutrina de Cristo é contrária ao bem
do Estado dêem-nos um exército de soldados tais como os faz a doutrina de
Cristo, dêem-nos tais governadores de províncias, tais maridos, tais esposas,
tais pais, tais filhos, tais mestres, tais servos, tais reis, tais juízes, tais
contribuintes, enfim, e agentes do fisco tais como os quer a doutrina cristã! E
então ousem ainda dizer que ela é contrária ao Estado! Muito antes, porém, não
hesitem em confessar que ela é uma grande salvaguarda para o Estado quando é
seguida” (Epist. 138 (al. 5) ad Marcellinum, cap. II, n. 15).
28.
Tempo houve em que a filosofia do Evangelho governava os Estados.
Nessa
época, a influência da sabedoria cristã e a sua virtude divina penetravam as
leis, as instituições, os costumes dos povos, todas as categorias e todas as
relações da sociedade civil.
Então
a religião instituída por Jesus Cristo, solidamente estabelecida no grau de
dignidade que lhe é devido, em toda parte era florescente, graças ao favor dos
príncipes e à protecção legítima dos magistrados. Então o sacerdócio e o
império estavam ligados em si por uma feliz concórdia e pela permuta amistosa
de bons ofícios.
Organizada
assim, a sociedade civil deu frutos superiores a toda expectativa, frutos cuja
memória subsiste e subsistirá, consignada como está em inúmeros documentos que
artifício algum dos adversários poderá corromper ou obscurecer.
29.
Se a Europa cristã domou as nações bárbaras e as fez passar da ferocidade para
a mansidão, da superstição para a verdade; se repeliu vitoriosamente as
invasões muçulmanas, se guardou a supremacia da civilização, e se, em tudo que
faz honra à humanidade, constantemente e em toda parte se mostrou guia e
mestra; se brindou os povos com a verdadeira liberdade sob essas diversas
formas, se sapientissimamente fundou uma multidão de obras para o alívio das
misérias; é fora de toda dúvida que, assim, ela é grandemente devedora à
religião, sob cuja inspiração e com cujo auxílio empreendeu e realizou tão
grandes coisas.
30.
Todos esses bens durariam ainda se o acordo dos dois poderes houvesse
perseverado, e havia razão para esperar outros ainda maiores, se a autoridade,
se o ensino, se os conselhos da Igreja tivessem encontrado uma docilidade mais
fiel e mais constante. Porquanto dever-se-ia ter como lei imprescritível aquilo
que Yves de Chartres escreveu ao Papa Pascoal II: “Quando o mundo é bem
governado, a Igreja é florescente e fecunda. Mas, quando a discórdia se
interpõe entre eles, não somente as pequenas coisas não crescem, mas as
próprias grandes deparecem miseravelmente” (Epist. 238).
31.
Mas esse pernicioso e deplorável gosto de novidades que o século XVI viu
nascer, depois de primeiro haver transtornado a religião cristã, em breve, por
um declive natural, passou à filosofia, e da filosofia a todos os graus da
sociedade civil.
É
a essa fonte que cumpre fazer remontar esses princípios modernos de liberdade
desenfreada sonhados e promulgados por entre as grandes perturbações do último
século, como os princípios e fundamentos de um “direito novo”, até então
desconhecidos e sobre mais de um ponto em desacordo não somente com o direito
cristão, mas com o direito natural.
Eis
aqui o primeiro de todos esses princípios: todos os homens, já que são da mesma
raça e da mesma natureza, são semelhantes, e, “ipso facto”, iguais entre si na
prática da vida; cada um depende tão bem só de si, que de modo algum está
sujeito à autoridade de outrem: pode com toda liberdade pensar sobre qualquer
coisa o que quiser, fazer o que lhe aprouver; ninguém tem o direito de mandar
aos outros.
Numa
sociedade fundada sobre estes princípios, a autoridade pública é apenas a
vontade do povo, o qual, só de si mesmo dependendo, é também o único a mandar a
si.
Escolhe
os seus mandatários, mas de tal sorte que lhes delega menos o direito do que a
função do poder, para exercê-la em seu nome. A soberania de Deus é passada em
silencia, exactamente como se Deus não existisse, ou não se ocupasse em nada
com a sociedade do género humano; ou então como se os homens, quer em
particular, quer em sociedade, não devessem nada a Deus, ou como se pudesse imaginar-se
um poder qualquer cuja causa, força, autoridade não residisse inteira no
próprio Deus.
32.
Destarte, como se vê, o Estado não é outra coisa senão a multidão soberana e
que se governa por si mesma e desde que o povo é considerado a fonte de todo o
direito e de todo o poder, segue-se que o Estado não se julga jungido a nenhuma
obrigação para com Deus, não professa oficialmente nenhuma religião, não é
obrigado a perquirir qual é a única verdadeira entre todas, nem a preferir uma
às outras, nem a favorecer uma principalmente; mas a todas deve atribuir a
igualdade em direito, com este fim apenas, de impedi-las de perturbarem a ordem
pública.
Por
conseguinte, cada um será livre de se fazer juiz de qualquer questão religiosa,
cada um será livre de abraçar a religião que prefere ou de não seguir nenhuma
se nenhuma lhe agradar.
Daí
decorrem necessariamente a liberdade sem freio de toda consciência, a liberdade
absoluta de adorar ou de não adorar a Deus, a licença sem limites de pensar e
de publicar os próprios pensamentos.
33.
Dado que o Estado repousa sobre esses princípios, hoje em grande favor, fácil é
ver a que lugar se relega injustamente a Igreja.
Com
efeito, onde quer que a prática está de acordo com tais doutrinas, a religião
católica é posta, no Estado, em pé de igualdade, ou mesmo de inferioridade, com
sociedades que lhes são estranhas.
Não
se tem em nenhuma conta as leis eclesiásticas; a Igreja, que recebeu de Jesus
Cristo ordem e missão de ensinar todas as nações, vê-se interdizer toda
ingerência na instrução pública.
Nas
matérias que são de direito misto, os chefes de Estado expedem por si mesmos
decretos arbitrários, e sobre esses pontos ostentam um soberbo desprezo pelas
santas leis da Igreja.
34.
Assim, fazem depender da sua jurisdição os casamentos dos cristãos; decretam
leis sobre o vínculo conjugal, sua unidade, sua estabilidade; deitam mão aos
bens dos clérigos e negam à Igreja o direito de possuir.
Em
suma, tratam a Igreja como se ela não tivesse nem o carácter nem os direitos de
uma sociedade perfeita, e fosse uma mera associação semelhante às outras que
existem no Estado.
Por
isso, tudo o que ela tem de direitos, de poder legítimo de acção, fazem-no
depender da concessão e do favor dos governantes.
35.
Nos Estados em que a legislação civil deixa à Igreja a sua autonomia, e onde
uma concordata pública interveio entre os dois poderes, a princípio grita-se
que é preciso separar os negócios da Igreja dos negócios do Estado, e isso no
intuito de poder agir impunemente contra a fé jurada e fazer-se árbitro de tudo
afastando todos os obstáculos.
Mas,
como a Igreja não pode sofrê-lo pacientemente, pois seria para ela desertar os
maiores e os mais sagrados dos deveres, e como reclama absolutamente o
cumprimento religioso da fé que lhe foi jurada, muitas vezes nascem entre o
poder espiritual e o poder civil conflitos, cujo desfecho quase inevitável é
sujeitar aquele que é menos provido de meios humanos ao que é mais provido.
Assim,
nessa situação política que muitos favorecem hoje em dia, há uma tendência das
ideias e das vontades para expulsar inteiramente a Igreja da sociedade, ou para
mantê-la sujeita e acorrentada ao Estado.
A
maior parte das medidas tomadas pelos governos inspiram-se nesse desígnio.
As
leis, a administração pública, a educação sem religião, a espoliação e a
destruição das Ordens religiosas, a supressão do poder temporal dos Pontífices
romanos, tudo tende a este fim: ferir no coração as instituições cristãos,
reduzir a nada a liberdade da Igreja Católica, e ao nada os seus demais
direitos.
(cont)
(revisão
da versão portuguesa por ama)