Jesus Cristo o Santo de Deus
Capítulo III
ACREDITAS?
A divindade de Cristo no Evangelho de S.
João
3 «Como podeis vós acreditar?»
…/3
Somente uma certeza
revelada, que tem por detrás de si a força e autoridade do próprio Deus, podia
desdobrar-se num livro com tal insistência e coerência, chegando, desde mil
lugares diferentes, , sempre à mesma conclusão: isto é, à identidade total
entre o Pai e o Filho, baseada, por parte do Pai, no amor pelo Filho e, por
parte do Filho, baseada na obediência ao Pai.
Tem havido no nosso século,
infelizmente, muitos estudiosos de grande nomeada que formaram um conceito
sobre o evangelho de João com a mesma atitude de quem estava habituado a
examinar uma tese de doutoramento de qualquer aluno seu; atentos somente bibliografia,
sempre solícitos a apanhá-los em falta sobre um ou outro pormenor, e incapazes
de compreender a única coisa fundamental que a João interessava dizer: que
Jesus Cristo é o Filho de Deus, que em Jesus a humanidade entra em contacto,
sem barreira alguma, com a vida eterna e com o próprio Deus.
«Porventura, Deus não
demonstrou ser estulta a sabedoria deste mundo? [i]»
Sim, demonstrou a sua
estultícia, e o pior é que o mundo está muitas vezes longe de o suspeitar e de
se aperceber disso. São muitos os que comentam esta frase de Paulo, sem se
aperceberem que é deles próprios que está falando:
Porque vós dizeis: «Nós
vemos!», o vosso pecado permanece, dizia Jesus. Se fosseis verdadeiramente
estultos e ignorantes, não teríeis culpa; mas porque dizeis ou pensais, que
sois sábios, o vosso pecado permanece [ii].
Dizia eu que João aprendeu a
língua dos homens do seu tempo para proclamar, por meio dela, a verdade que
salva: que Jesus Cristo é o Filho de Deus, que o Verbo era Deus.
Isto mereceu-lhe, na
tradição cristã, o título de «teólogo».
Esta palavra entrou
efectivamente na linguagem cristã com um sentido bem conciso e diferente
daquele que antes existira a partir de Platão.
Teólogos (theologountes) – lê-se num texto do
século II, onde o vocábulo apareceu pela primeira vez nas fontes cristãs – são
aqueles que «proclamam Cristo Deus» [iii].
Deste modo, João mostra-nos,
ainda hoje, aquilo que deve fazer cada teólogo cristão para merecer este
epíteto.
5.
«Bem-aventurado aquele que não se
escandaliza por causa de Mim»
A divindade de Cristo é o
cume mais elevado, o “Evereste”, da Fé. É muito mais difícil crer nela do que
crer simplesmente em Deus.
Se, portanto, sob um ponto
de vista objectivo, isto é, do dado de fé, - como vimos até aqui – ela é a
coisa mais importante em que se deve crer no Novo Testamento, e a obra de Deus
por excelência, sob um ponto de vista subjectivo, isto é, do nosso acto de fé,
ela é uma coisa mais difícil de crer.
Esta dificuldade está ligada
`possibilidade e, sobretudo, `inevitabilidade do “escândalo”:
«Bem-aventurado aquele – diz Jesus – que não se escandaliza por causa de
Mim! [iv]».
O escândalo reside no facto
que Aquele que Se proclama “Deus” é um homem do qual tudo se sabe:
«Este sabemos nós de onde Ele é», dizem os fariseus [v].
«É Filho de Deus – exclamava
Celso – um homem que viveu ainda há tão pouco tempo?» É um homem «de ontem ou
de anteontem?», um homem «nascido numa aldeia da Judeia, de uma pobre
fiandeira?» [vi].
Este escândalo é superado
somente com a Fé.
É uma ilusão pensar-se que
pode ser abafado acumulando provas históricas da divindade de Cristo e do
Cristianismo.
No que diz respeito à Fé
verdadeira, nós estamos na situação dos homens que Jesus encontrou durante a
Sua vida, ou, melhor talvez, na situação em que se encontravam os homens que,
depois da Páscoa, ouviam João e os outros Apóstolos proclamar que Jesus de
Nazaré – aquele homem “nascido numa obscura aldeia da Judeia”, que tinha sido
repudiado por todos e fora crucificado – era o Filho de Deus e Deus também Ele
próprio.
Não se pode crer
verdadeiramente – escreve alguém – senão numa situação de contemporaneidade, ou
seja, fazendo-se contemporâneo de Cristo e dos Apóstolos.
Mas a história e o passado
não nos ajudam a crer?
Não passaram já mil e
oitocentos anos – escreveu Kierkegaard – desde que Cristo viveu?
O Seu Nome não é anunciado e
não creem n’Ele no mundo inteiro?
A Sua doutrina não mudou a
face do mundo, não penetrou vitoriosamente em todos os recantos?
E a história não estabeleceu
de modo suficiente, quem Ele era, que Ele era Deus?
Não!
A história não estabeleceu
tal coisa nem poderia fazê-lo por toda a eternidade!
Como é possível pelo
resultado de uma existência humana, como foi a de Jesus, chegar a uma
conclusão, dizendo: Ergo, este homem
era Deus?
Uma pegada no caminho é uma
consequência do facto de que alguém passou por esse caminho.
Eu poderia enganar-me,
julgando, por exemplo, que se trata de uma ave.
Examinando mais
cuidadosamente poderei concluir que não se trata de uma ave, mas sim de um
outro animal.
Porém, não posso, por mais
que continue a examinar melhor, chegar à conclusão que não se trata de uma ave,
nem de outro animal qualquer, mas sim de um espírito, porque um espírito, por
natureza, não pode deixar vestígios no caminho.
Isto é um pouco parecido com
o que se passa no caso de Cristo.
Não podemos tirar conclusões
que Ele é Deus, examinando simplesmente aquilo que conhecemos d’Ele e da Sua
vida, ou seja, mediante a observação directa.
Quem quer crer em Cristo, é
obrigado a fazer-se Seu contemporâneo na humildade.
O problema está nisto:
Queres ou não queres crer
n’Ele como Ele próprio disse que era?
Em relação ao absoluto não
há senão um tempo: o presente, para quem não é contemporâneo do absoluto, ele
não existe de facto.
E visto que Cristo é o
absoluto, é difícil verificar que, em relação a Ele, só é possível uma
situação: a de contemporaneidade.
Cem, trezentos ou mil e
oitocentos anos; não alteram nem Lhe tiram nem Lhe aumentam nada revelam quem
Ele era, porque, quem Ele era, somente é manifestado pela fé [vii].
(cont)
rainiero cantalamessa, Pregador da Casa Pontifícia.
[i]
Eusébio de Cesareia, História Eclesiástica, V, 28,5 (PG 20,513)
[iii]
Eusébio de Cesareia, História Eclesiástica, V, 28,5 (PG 20,513)
[vi] CF. Orígenes, Contra
Celso, 1, 26.28; VI, 10 (SCh 132, 146sss.; SCh 147,202ssss.
[vii]
Cf. S. Kierkegaard, «O Exercicio do
Cristianismo» 1,11 in Obras, «0p. cit.». pp. 703sss.