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Navegando pela minha cidade
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Na semana passada estacionei o carro na Rua da Alegria
pois precisei de ir tratar de um assunto na Fernandes Thomaz. O assunto era de
tratamento rápido e como o estacionamento do carro não ficou a perturbar o
regular e normal funcionamento do trânsito arrisquei em deixá-lo num local de
estacionamento proibido.
Quando voltei, já a uma grande distância vi um papelinho
agarrado ao vidro pelo limpa para-brisas. Que grande chatice! Se eu tivesse
ficado no carro com ele estacionado em dupla fila e os quatro piscas a
trabalhar nada acontecia. Aliás, estou convencido que há muita gente que acha
que os quatro piscas servem para terem o direito a fazerem isto mesmo.
Anda a gente a fazer economias
e a apertar o cinto para ser roubado pela Polícia Municipal que parece que só
serve para andar na caça à multa. Era isto que eu ia a
murmurar para mim próprio enquanto me aproximava do carro.
Apressei o passo para arrancar o papelinho que mais
parecia um pássaro apanhado numa armadilha. O vento batia-lhe de lado e uma
pequena asa branca agitava-se tremente. Queria libertá-lo, torcer-lhe o pescoço
e deitá-lo fora com o maior dos desprezos no primeiro caixote de lixo que
encontrasse.
Quando lhe peguei pela asa que tremia, li: “Professor
Karim – Médium Africano – Especialista do regresso imediato e definitivo do ser
amado. Resolve os problemas delicados para toda a vida; amor, amarrações,
afectividade, casamento, fidelidade, mesmo casos desesperados, impotência
sexual, maus-olhados, protecção contra os perigos, sorte no jogo, negócios
comerciais e problemas familiares, etc.
Resultado 100% garantia em apenas 3 dias – CONSULTAS NA PRESENÇA OU DISTÂNCIA”.
Afinal não era uma multa, mas sim um bilhete para navegar
num mar de rosas. Se o papelinho apertado entre o vidro e o limpa para-brisas
me tinha parecido um pássaro apanhado numa armadilha, isto era uma verdadeira
armadilha – uma cova de lobo – para quem viva num pântano de ignorância e de
sofrimento desesperado.
E elas são tantas! E são tantos, os Professores. Eu já
conhecia pelos anúncios em jornais de vários outros nomes que tudo resolvem: é
o Professor Karamba; Professor Mamadu; Professor Bambo; Professor Mafug; Sô Zé;
Professor Gadri; Maya, etc, etc.
São muitas as sanguessugas da dor.
A vida é uma armadilha mortal. E ninguém nos disse isso
quando eramos crianças. Ninguém nos preveniu. Talvez seja por isso que corremos
tantos riscos inconscientemente. Mas é isto mesmo a vida: uma aventura perigosa.
Mas é também muito mais do que isto.
Numa noite de tempestade, numa leprosaria nas margens do
Ganges, Teresa de Calcutá disse o que era a vida nestas palavras:
A vida é uma oportunidade, aproveita-a
A vida é beleza, admira-a
A vida é felicidade, desfruta-a
A vida é um sonho, torna-o realidade
A vida é um desafio, enfrenta-o
A vida é um dever, cumpre-o
A vida é um jogo, joga-o
A vida é preciosa, cuida dela
A vida é uma riqueza, conserva-a
A vida é amor, goza-o
A vida é um mistério, desvenda-o
A vida é promessa, cumpre-a
A vida é tristeza, supera-a
A vida é um hino, canta-o
A vida é uma luta, aceita-a
A vida é aventura, arrisca-a
A vida é alegria, merece-a
A vida é vida, defende-a
Nesta vida em
que os médicos; os advogados; os engenheiros; os enfermeiros e tantos outros
profissionais para exercerem a sua profissão têm de ter licença da respectiva
Ordem, não compreendo que seja permitida a actividade destes “Professores” que
oferecem 100% de garantia.
Porque 100%
garantido só temos o que a vox populi vox
Dei afirma: morte certa hora incerta.
Afonso Cabral