Quaresma
Semana Santa
Evangelho:
Jo 12, 1-11
1 Seis dias antes da Páscoa, Jesus foi a Betânia, onde se
encontrava Lázaro, que Jesus tinha ressuscitado. 2 Ofereceram-Lhe lá
uma ceia. Marta servia, e Lázaro era um dos que estavam à mesa com Ele. 3
Então, Maria tomou uma libra de perfume feito de nardo puro de grande preço,
ungiu os pés de Jesus e Os enxugou com os seus cabelos; e a casa encheu-se com
o cheiro do perfume. 4 Judas Iscariotes, um dos Seus discípulos,
aquele que O havia de entregar, disse: 5 «Porque não se vendeu este
perfume por trezentos denários para se dar aos pobres?». 6 Disse
isto, não porque se importasse com os pobres, mas porque era ladrão e, tendo a
bolsa, roubava o que nela se deitava. 7 Mas Jesus respondeu:
«Deixa-a; ela reservou este perfume para o dia da Minha sepultura; 8
porque pobres sempre os tereis convosco, mas a Mim nem sempre Me tereis». 9
Uma grande multidão de judeus soube que Jesus estava ali e foi lá, não somente
por causa de Jesus, mas também para ver Lázaro, a quem Ele tinha ressuscitado
dos mortos. 10 Os príncipes dos sacerdotes deliberaram então matar
também Lázaro, 11 porque muitos judeus, por causa dele, se afastavam
e acreditavam em Jesus.
Comentário:
Tudo
quanto possamos oferecer ao Senhor ficará muito aquém do que Ele “merece”:
Ele
deu-nos a vida e mantém-na;
Fez-nos
Seus irmãos e salvou-nos;
Constantemente
perdoa os nossos pecados;
Nunca
recusa o nosso arrependimento;
Aguarda-nos
na Vida Eterna.
Então?
(ama, comentário sobre Jo 12, 1-11, 2014.03.30)
Leitura espiritual
SANTO
AGOSTINHO - CONFISSÕES
LIVRO
SEXTO
CAPÍTULO
XIII
O
pedido de casamento
Instavam solicitamente
comigo para que me casasse. Já havia feito o pedido, já havia recebido uma
promessa, ajudado sobretudo por minha mãe, que nutria a esperança que eu, uma vez
casado, seria regenerado nas águas salutares do baptismo. Minha mãe alegrava-se
por me ver cada dia mais apto para recebê-lo, vendo que na minha fé se
realizavam os seus votos e as tuas promessas.
Contudo, nada revelaste à
minha mãe que, a meu pedido e por seu desejo, te suplicava com forte clamor de
coração, todos os dias que lhe desse alguma visão sobre meu futuro matrimónio.
Via, sim, algumas coisas vãs e fantásticas, que o espírito humano engendra
quando preocupado. Ela relatava-me, sem a confiança que costumava dar às visões
que lhe enviavas, mas com desprezo. Dizia que distinguia, por um vago
discernimento que não podia explicar com palavras, a diferença que havia entre as
tuas revelações e os sonhos da sua alma.
Contudo, insistia no matrimónio,
e pediu-se a mão de uma jovem, a que ainda faltavam dois anos para ser núbil
(em todo o Império Romano era a idade de 12 anos), mas, como ela agradava, era
preciso esperar.
CAPÍTULO
XIV
Um
projeto desfeito
Éramos muitos os amigos,
que aborrecíamos as mazelas da agitação da vida humana. Nas nossas conversas,
havíamos debatido e quase resolvido retirar-nos da multidão para viver sossegadamente.
Nosso projecto organizava a vida de tal sorte que tudo o que tivéssemos seria comunitário,
formando de todos os patrimónios um património único. Graças à nossa amizade sincera
não haveria mais a fortuna deste ou daquele, mas uma só fortuna comum.
Seriamos cerca de dez
homens os que desejávamos formar essa sociedade. Alguns de nós, muito ricos,
como Romaniano, meu conterrâneo, cujos sérios cuidados de negócios o tinham trazido
à corte imperial. Era muito meu amigo desde menino, e um dos que mais instavam
nesse projecto, tendo a sua opinião um grande peso pois a sua riqueza era bem
superior à dos outros.
Fora combinado que todos
os anos, dois de nós, como magistrados, administrariam todo o necessário,
ficando os outros em paz. Mas quando se começou a discutir se as mulheres consentiriam
nesse acordo – alguns dentre nós eram casados, e outros pensavam em casar – todo
o plano, tão bem construído, se desvaneceu nas nossas mãos, fez-se em pedaços e
teve de ser abandonado.
Novamente aos suspiros e
gemidos, voltamos a caminhar pelos largos e batidos caminhos do século, porque no
nosso coração havia mil pensamentos, mas o teu conselho permanece eternamente.
Na tua sabedoria rias-te dos nossos projectos, e preparavas o cumprimento dos
teus, a fim de dar-nos alimento no tempo oportuno, abrindo as tuas mãos e
enchendo-nos de bênçãos.
CAPÍTULO
XV
A
separação da amante
Entretanto,
multiplicavam-se os meus pecados. Quando arrancaram do meu lado, por ser impedimento
ao meu matrimónio, aquela com quem partilhava o leito, o meu coração, ao qual
ela estava unida, ficou ferido e sangrando. Ela, por sua vez, voltando para a
África, fez-te voto, Senhor, de jamais conhecer outro homem, deixando comigo o
filho natural que dela tivera.
Mas eu, desgraçado, fui
incapaz de imitar aquela mulher. Estava impaciente pelo prazo de dois anos que deveria
transcorrer até receber por esposa aquela que pedira em casamento – e porque eu
não era amante do matrimónio, mas escravo da sensualidade – procurei pois outra
mulher, não como esposa, mas para alimentar e manter íntegra ou agravada a
doença da minha alma, sob a tutela do meu hábito, até que contraísse matrimónio.
Mas nem por isso sarava a chaga causada pela separação da primeira mulher; mas,
depois de ardor e sofrimento agudíssimos, começava a corromper-se doendo tanto
mais desesperadamente quanto mais fria se tornava.
CAPÍTULO
XVI
A
aproximação de Deus
Louvor e glória a ti, ó
fonte das misericórdias! Eu tornava-me cada vez mais miserável, e tu te
aproximavas cada vez mais de mim. Já estava junto de mim a tua destra, para me
arrancar do lodo dos meus vícios, e em purificar, e eu não o sabia. Mas nada
havia que me fizesse sair do profundo abismo dos prazeres carnais, a não ser o
medo da morte e do teu juízo futuro, que jamais saiu do meu peito, através das
várias doutrinas que segui.
Discutia com meus amigos
Alípio e Nebrídio, sobre o bem e o mal finais; facilmente o meu juízo teria
dado a palma a Epicuro, se eu não acreditasse na imortalidade da alma e do
julgamento dos nossos actos, coisas em que Epicuro nunca acreditou. E eu
perguntava: “Se fossemos imortais, e vivêssemos em perpétuo gozo sensorial, sem
temor algum de perdê-lo, não seriamos felizes? Que mais poderíamos desejar?”
Ignorava eu que isto era fruto de uma grande miséria. Não podia, tão imerso no
vício e cego como estava, imaginar a luz da virtude e uma beleza invisível aos
olhos da carne, e somente visível das profundezas da alma. Na minha miséria,
não indagava de que fonte provinha esse grande gosto em conversar com os
amigos, por maior que fosse a abundância dos prazeres carnais, segundo a ideia
que eu tinha então? Eu amava a meus amigos desinteressadamente, e também sentia
que eles me amavam com o mesmo desinteresse.
Ó caminhos tortuosos! Ai
da alma temerária que, afastando-se de ti, esperava achar algo melhor! Dá
voltas e mais voltas, para todos os lados, mas tudo lhe é duro, porque só tu és
o seu descanso. Mas eis que estás presente, e nos livras de nossos miseráveis
erros, e nos pões no teu caminho, e nos consolas dizendo: “Correi, que eu vos
levarei e conduzirei ao termo, e aí serei o vosso sustento!
LIVRO
SÉTIMO
CAPÍTULO
I
A
ideia de Deus
Já havia morrido a minha
adolescência má e nefanda; entrava na juventude, e quanto mais crescia em
idade, mais vergonhosa se tornava a minha vaidade, a ponto de não poder
imaginar uma substância além da que se pode perceber com os olhos.
Desde que comecei a receber
as lições da sabedoria, não mais te imaginava, meu Deus, sob a forma de um
corpo humano – sempre fugi dessa ideia, e alegrava-me encontrar essa doutrina na
fé da nossa mãe espiritual, a Igreja Católica; - mas não me ocorria outro modo
de te imaginar.
E sendo eu homem – e que
homem – esforçava-me para imaginar a ti, o sumo, o único e verdadeiro Deus. Com
toda a minha alma eu te julgava incorruptível, inviolável e imutável. Mesmo não
sabendo de onde nem como me vinha esta certeza, eu via com clareza e tinha como
certo que o incorruptível é melhor do que o corruptível. Sem hesitar, colocava
o que não pode ser vencido acima do que o pode ser, e o que não sofre mudança
parecia-me melhor do que é susceptível a mudanças.
O meu coração clamava
violentamente contra todos os meus fantasmas. Esforçava-me por afugentar, com
um só golpe, o redemoinho de imagens imundas que volteavam ao meu redor.
Mas, apenas disperso, num
piscar de olhos, tornavam a formar-se os atropelos sobre minha vista, obscurecendo-a.
Apesar de não te atribuir uma figura humana, contudo, necessitava de te
conceber como algo corporal, situado no espaço, quer imanente ao mundo, quer
difundido por fora do mundo, através do infinito; tal era o ser incorruptível,
inviolável e imutável que eu colocava acima do que é corruptível, sujeito à
deterioração e às mudanças. O que não ocupava espaço parecia-me um nada absoluto,
perfeito, e não um simples vazio, como quando se tira um corpo de um lugar,
permanecendo o lugar vazio de todo o corpo, terrestre, húmido, aéreo ou
celeste, mas, enfim, um lugar vazio, como que um nada espaçoso.
Assim, pois, com o coração
pesado, sem consciência clara de mim mesmo, considerava como um perfeito nada
tudo o que não tivesse extensão por determinado espaço, ou não se difundisse ou
pudesse assumir um desses estados. As formas percorridas pelos meus olhos eram os
moldes das imagens pelas quais andava o meu espírito; não via que a mesma
faculdade com que formava essas imagens não era da mesma natureza que ela, não
obstante não pudesse formá-las se ela não fosse por sua vez algo grande.
E também a ti, vida da
minha vida, imaginava-te como um Ser imenso, penetrando por todas as partes,
através dos espaços infinitos, toda a massa do mundo, alastrando-se sem limites
na imensidão, de sorte que a terra, o céu e todas as coisas te continham, e
tudo isso tinha em ti seu limite, sem que te limitasses em parte alguma. E
assim como a massa do ar – deste ar que está sobre a terra – não impede a
passagem da luz do sol, não o impede de a atravessar, de a penetrar sem romper
ou cortar, antes enchendo-a totalmente, assim eu pensava que não somente a substância
do céu, do ar e do mar, mas também a da terra se deixava atravessar e penetrar
por ti em todas as suas partes, grandes e pequenas, que receberiam a tua presença,
que, com secreta inspiração, governa interior e exteriormente tudo o que
criaste.
Assim eu conjecturava, por
não poder imaginar-te de outra forma; mas a minha conjectura era falsa. Porque,
se assim fosse, uma porção maior da terra conteria parte maior de ti; e uma
porção menor da terra conteria parte menor. E de tal modo estariam as coisas impregnadas
de ti, que o corpo de um elefante conteria tanto mais do teu ser que o corpo do
passarinho, pois aquele é maior do que este, e ocupa mais espaço. Assim,
fragmentado entre as partes do universo, estarias presente nas grandes partes
do universo por grandes partes de ti, e nas pequenas por pequenas, o que não
acontece. Mas ainda não tinhas iluminado minhas trevas.
(Revisão
de versão portuguesa por ama)