DE MAGISTRO
(DO MESTRE)
CAPÍTULO
X
SE
É POSSÍVEL ENSINAR ALGO SEM SINAIS.
AS
COISAS NÃO SE APRENDEM PELAS PALAVRAS
AGOSTINHO
– Parece-te que podemos
indicar, sem uso de sinais, tudo que podemos fazer, logo após sermos
interrogados, ou algo deve ser excluído?
ADEODATO
– Na verdade, tenho pensado
muito neste género de coisas, sem, todavia encontrar nada que se possa ensinar
sem sinal, executando, talvez, o próprio falar e ensinar, mas este só se nos perguntarem
o que é ensinar.
Parece-me que quem pergunta
– qualquer coisa que eu faça após a indagação para que aprenda – não o pode
aprender através da própria coisa, que deseja lhe seja mostrada.
Por exemplo: se quando estou
fazendo outra coisa, alguém me perguntasse que é caminhar e eu, imediatamente,
buscasse demonstrar-lhe a coisa sem usar sinais começando a caminhar, como
poderia evitar que ele entendesse que caminhar é apenas o quando andei?
Ora, se ele pensar nisso,
terá sido levado a engano, pois julgará que quem andar mais, ou menos, do quanto
eu andei, não caminhou.
E o que vale quanto a esta
palavra aplica-se também a todas aquelas que julguei se possam mostrar sem
sinal, menos as duas que exclui.
AGOSTINHO
– Concordo com isso, mas não
te parece que falar é uma coisa e ensinar é outra?
ADEODATO
– Certamente, pois se fossem
a mesma coisa não se poderia ensinar senão falando; ora, como muitas coisas são
ensinadas com outros sinais que não palavras, quem poderia negar a diferença?
AGOSTINHO
– Ensinar e significar são a
mesma coisa ou diferem em algo?
ADEODATO
– Creio que a mesma.
AGOSTINHO
– Será correcto afirmar que
nós usamos de sinais (que significamos) para ensinar?
ADEODATO
– Sem dúvida.
AGOSTINHO
– Se alguém afirmasse que
ensinamos para usar sinais (para significar), não seria facilmente refutado
pela afirmação precedente?
ADEODATO
– Seria.
AGOSTINHO
– Se usarmos, pois, os
sinais para ensinar, não ensinamos para usar os sinais: uma coisa é ensinar e
outra é usar os sinais (significar)
ADEODATO
– É verdade, e quando disse
que eram a mesma coisa, eu não respondi correctamente.
AGOSTINHO
– Agora, responde a isto:
quem ensina o que é ensinar o faz usando sinais ou outro modo?
ADEODATO
– Não vejo como o poderia
fazer diversamente.
AGOSTINHO
– Não é, pois, verdade a tua
afirmação anterior, isto é, que não se pode ensinar sem sinais a quem indague o
que é ensinar, porque constatamos que nem mesmo isto podemos fazer sem usar
sinais, pois me concedeste que uma coisa é usar sinais (significar) e outra
ensinar.
Se são coisas distintas e
uma se mostra pela outra, quer dizer que certamente não se mostra por si mesma,
como te pareceu.
Portanto até aqui nada
encontramos que se mostre por si mesmo, salvo a palavra que, entre as outras
coisas, significa também a si mesma; mas como ela também é um sinal, parece
nada haver que possa ensinar-se sem sinais.
ADEODATO
– Nada tenho a opor.
AGOSTINHO
– Concluímos então que nada
pode ser ensinado sem sinais, e que o próprio conhecimento tem de ser, para
nós, mais caro que os sinais pelos quais o obtemos, embora nem todas as coisas
que eles exprimem devam ser preferidas aos seus próprios sinais.
ADEODATO
– Parece ser assim mesmo.
(Revisão
de versão portuguesa por ama)