São Josemaria Escrivá
Amigos de Deus
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Na parábola dos convidados para o banquete,
o pai de família, depois de tomar conhecimento de que alguns dos que deveriam
comparecer na festa se tinham desculpado com razões sem razão, ordena ao
criado: vai pelos caminhos e ao longo dos cercados e força a vir - compelle intrare - aqueles que
encontrares.
Não é isto coacção?
Não é usar de violência contra a legítima
liberdade de cada consciência?
Se meditarmos o Evangelho e ponderarmos os
ensinamentos de Jesus, não confundiremos essas ordens com a coacção.
Vejam
como Cristo insinua sempre: se queres ser perfeito..., se alguém quer vir atrás
de mim...
Esse
compelle intrare não implica
violência física nem moral; é reflexo do ímpeto do exemplo cristão, que mostra
no seu proceder a força de Deus.
Vede
como o Pai atrai: deleita ensinando; não impondo a necessidade.
Assim
atrai a Si.
Quando se respira esse ambiente de
liberdade, entende-se claramente que actuar mal não é uma libertação, mas uma
escravidão. Quem peca contra Deus conserva o livre arbítrio relativamente à liberdade
de coacção, mas perdeu-o em relação à liberdade de culpa. Talvez declare que
procedeu de acordo com as suas preferências, mas não conseguirá pronunciar o
nome da verdadeira liberdade, porque se fez escravo daquilo por que se decidiu
e decidiu-se pelo pior, pela ausência de Deus, e aí não há liberdade.
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Repito: não aceito outra escravidão senão a
do Amor de Deus. E isto porque, como já tenho comentado noutras ocasiões, a
religião é a maior rebeldia do homem, que não tolera viver como um animal, que
não se conforma - não sossega - enquanto não ganha intimidade e conhece o
Criador.
Quero-os
rebeldes, livres de todas os laços, porque os quero - Cristo quer-nos! - filhos
de Deus.
Escravidão
ou filiação divina: eis o dilema da nossa vida.
Ou
filhos de Deus ou escravos da soberba, da sensualidade, desse egoísmo
angustiante em que tantas almas parecem debater-se.
O Amor de Deus marca o caminho da verdade,
da justiça, do bem.
Quando
nos decidimos a responder a Nosso Senhor: a minha liberdade para Ti,
encontramo-nos libertos de todas as cadeias que nos atavam a coisas sem
importância, a preocupações ridículas, a ambições mesquinhas.
E
a liberdade - tesouro incalculável, pérola maravilhosa que seria triste lançar
aos animais - emprega-se inteiramente em aprender a fazer o bem.
Esta é a liberdade gloriosa dos filhos de
Deus.
Os
cristãos amedrontados - coibidos ou invejosos - na sua conduta, perante a
libertinagem dos que não aceitam a Palavra de Deus, demonstram ter um conceito
miserável da nossa fé. Se cumprirmos verdadeiramente a Lei de Cristo - se nos
esforçarmos por cumpri-la, porque nem sempre o conseguiremos -
descobrir-nos-emos dotados dessa maravilhosa elegância de espírito, que não
precisa de ir buscar a outro sítio o sentido da mais plena dignidade humana.
A nossa fé não é uma carga, nem uma
limitação.
Que pobre ideia da verdade cristã
manifestaria quem assim pensasse! Ao decidirmo-nos por Deus não perdemos nada;
ganhamos tudo.
Quem, à custa da sua alma, conserva a sua
vida, perdê-la-á; e quem perder a sua vida por amor de Mim, voltará a achá-la.
Tirámos a carta que ganha, conseguimos o
primeiro prémio. Quando alguma coisa nos impedir de ver isto com clareza,
examinemos o interior da nossa alma.
Talvez
haja pouca fé, pouca intimidade pessoal com Deus, pouca vida de oração.
Temos
de pedir a Nosso Senhor - através de sua Mãe e nossa Mãe - que aumente em nós o
seu amor, que nos conceda saborear a doçura da sua presença; porque só quando
se ama se chega à mais plena liberdade: a de jamais querer abandonar, por toda
a eternidade, o objecto dos nossos amores.
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Gosto sempre de lembrar, quando me dirijo a
vós e conversamos todos juntos com Deus Nosso Senhor, que estou a fazer a minha
oração pessoal em voz alta.
Pela
vossa parte, deveis esforçar-vos também por alimentar a vossa oração nas vossas
almas, mesmo quando, por qualquer circunstância, como a de hoje, por exemplo,
sintamos a obrigação de tratar de um tema que não parece, à primeira vista,
muito adequado para um diálogo de amor, que é isso o nosso colóquio com o
Senhor.
Digo
à primeira vista, porque tudo o que nos acontece, tudo o que se passa ao nosso
lado pode e deve ser tema da nossa meditação.
Tenho de falar-vos do tempo, deste tempo
que vai passando. Não vou repetir a conhecida afirmação de que um ano a mais é
um ano a menos...
Nem
sequer vos sugiro que pergunteis o que é que por aí pensam da passagem dos
dias, pois provavelmente - se o fizésseis - ouviríeis alguma resposta deste
estilo: juventude, divino tesouro, que passas para não voltar... embora admita
que talvez ouvísseis alguma consideração com mais sentido sobrenatural.
Também não quero deter-me a pensar na
brevidade da vida, com laivos de nostalgia.
Para
nós, cristãos, a fugacidade do caminho terreno deve incitar-nos a aproveitar
melhor o tempo, não a temer Nosso Senhor, e muito menos a olhar a morte como um
final desastroso.
Um
ano que termina - já foi dito de mil modos, mais ou menos poéticos - com a
graça e a misericórdia de Deus, é mais um passo que nos aproxima do Céu, nossa
Pátria definitiva.
Ao pensar nesta realidade, compreendo
perfeitamente aquela exclamação que S. Paulo escreve aos de Corinto: tempus breve est!, que breve é a nossa
passagem pela terra!
Para
um cristão coerente, estas palavras soam, no mais íntimo do seu coração, como
uma censura à falta de generosidade e como um convite constante a ser leal.
Realmente
é curto o nosso tempo para amar, para dar, para desagravar.
Não
é justo, portanto, que o malbaratemos, nem que atiremos irresponsavelmente este
tesouro pela janela fora. Não podemos desperdiçar esta etapa do mundo que Deus
confia a cada um de nós.
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Abramos o Evangelho de S. Mateus, no
capítulo vigésimo quinto: então será
semelhante o reino dos céus a dez virgens que, tomando as suas lâmpadas, saíram
ao encontro do esposo e da esposa. Mas cinco delas eram loucas e cinco
prudentes.
O
evangelista conta que as prudentes aproveitaram o tempo.
Abastecem-se
discretamente do azeite necessário e estão preparadas quando as avisam:
Eia,
está na hora!
Eis
que vem o esposo, saí ao seu encontro; avivam as suas lâmpadas
e apressam-se a recebê-lo com alegria.
Há-de chegar também para nós esse dia, que
será o último e não nos causa medo.
Confiando
firmemente na graça de Deus, estamos dispostos desde este momento, com
generosidade, com fortaleza, pondo amor nas pequenas coisas, a acudir a esse
encontro com o Senhor, levando as lâmpadas acesas, porque nos espera a grande
festa do Céu.
Somos
nós, irmãos queridíssimos, os que intervimos nas bodas do Verbo.
Nós,
que já temos fé na Igreja, que nos alimentamos com a Sagrada Escritura, que nos
sentimos contentes pelo facto de a Igreja estar unida a Deus.
Pensai
agora, peço-vos, se viestes a esta boda com o traje nupcial: examinai
atentamente os vossos pensamentos. Asseguro-vos - e também o asseguro a mim
mesmo - que esse traje de cerimónia será tecido com o amor de Deus com que
tivermos sabido realizar até as mais pequenas tarefas.
Efectivamente, é próprio dos apaixonados
cuidar dos pormenores, mesmo nas acções que aparentemente não têm importância.
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Mas voltemos à sequência da parábola.
E as fátuas, que fazem?
A
partir de então, já põem empenho em esperar o Esposo, pois vão comprar azeite.
Mas
decidiram-se tarde e, enquanto foram, chegou o esposo; e as que estavam
preparadas entraram com ele a celebrar as bodas, e fechou-se a porta.
Mais
tarde vieram também as outras virgens, dizendo: Senhor, Senhor, abre-nos!
Não
é que tenham permanecido inactivas, pois tentaram fazer alguma coisa... mas
ouviram a voz que lhes responde com dureza: não
vos conheço.
Não
souberam ou não quiseram preparar-se com a solicitude devida e esqueceram-se de
tomar a razoável precaução de adquirir o azeite a tempo.
Faltou-lhes
generosidade para cumprirem acabadamente o pouco que lhes tinha sido pedido.
Dispunham
na verdade de muitas horas, mas desaproveitaram-nas.
Pensemos na nossa vida com valentia.
Por
que é que às vezes não conseguimos os minutos de que precisamos para terminar
amorosamente o trabalho que nos diz respeito e que é o meio da nossa
santificação?
Por
que descuidamos as obrigações familiares?
Por
que é que se nos mete a precipitação no momento de rezar ou de assistir ao
Santo Sacrifício da Missa?
Por
que nos faltará a serenidade e a calma para cumprir os deveres do nosso estado
e nos entretemos sem qualquer pressa nos caprichos pessoais? Podeis
responder-me: são coisas pequenas.
Sim, com efeito, mas essas coisas pequenas
são o azeite, o nosso azeite, que mantém viva a chama e acesa a luz.
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Desde a primeira hora
O
reino dos céus é semelhante a um pai de família que, ao romper da manhã, saiu a
contratar operários para a sua vinha.
Conheceis
já a narração: aquele homem volta à praça em diferentes ocasiões para contratar
trabalhadores, sendo uns chamados ao romper da aurora e outros muito perto da
noite.
Todos recebem um denário: o salário que te
tinha prometido, isto é, a minha imagem e semelhança.
No
denário está impressa a imagem do Rei.
Esta
é a misericórdia de Deus, que chama a cada um de acordo com as suas
circunstâncias pessoais, porque quer que todos os homens se salvem.
Mas
nós nascemos cristãos, fomos educados na fé, fomos escolhidos claramente pelo
Senhor.
Esta
é a realidade.
Então,
quando vos sentis chamados a corresponder, mesmo que seja à última hora,
podereis continuar na praça pública a apanhar sol, como muitos daqueles
operários, porque lhes sobrava tempo?
Não nos deve sobrar o tempo.
Nem
um segundo.
E
não exagero!
Trabalho
há sempre.
O
mundo é grande e são milhões as almas que não ouviram ainda falar claramente da
doutrina de Cristo.
Dirijo-me
a cada um de vós.
Se
te sobra tempo, medita um pouco: é muito possível que vivas no meio da tibieza,
ou que, sobrenaturalmente, sejas um paralítico.
Não
te mexes, estás parado, estéril, sem realizar todo o bem que deverias comunicar
aos que se encontram a teu lado, no teu ambiente, no teu trabalho, na tua
família.
(cont)