24/10/2014

Põe tudo nas mãos de Deus

Além da sua graça abundante e eficaz, Nosso Senhor deu-te a cabeça, as mãos, as faculdades intelectuais, para que faças frutificar os teus talentos. Deus quer realizar milagres constantes – ressuscitar mortos, dar ouvido aos surdos, vista aos cegos, possibilidades de andar aos coxos... –, através da tua actuação profissional santificada, convertida em holocausto grato a Deus e útil às almas. (Forja, 984)


A tua barca – os teus talentos, as tuas aspirações, os teus êxitos – não vale para nada, a não ser que a ponhas à disposição de Jesus Cristo, que permitas que Ele possa entrar nela com liberdade, que não a convertas num ídolo. Sozinho, com a tua barca, se prescindires do Mestre, sobrenaturalmente falando, encaminhas-te directamente para o naufrágio. Só se admitires, se procurares a presença e o governo de Nosso Senhor, estarás a salvo das tempestades e dos reveses da vida. Põe tudo nas mãos de Deus: que os teus pensamentos, as aventuras boas da tua imaginação, as tuas ambições humanas nobres, os teus amores limpos, passem pelo coração de Cristo. De outra forma, mais tarde ou mais cedo, irão a pique com o teu egoísmo. (Amigos de Deus, 21)

O Céu e o Inferno

Acerca do Céu e do Inferno, João Paulo I contava a seguinte história: Um homem apresenta-se a S. Pedro para conhecer o seu destino eterno. Consultado o livro da vida S. Pedro diz-Lhe que mereceu o Céu e indica-Lhe o caminho: Segues por esse corredor e, lá ao fundo, a porta da direita dar-te-á acesso ao Céu.
Contentíssimo porque naturalmente seguro de ter conquistado o Céu, o homem atreve-se a pedir a S. Pedro que o deixe satisfazer a sua curiosidade e, ao menos por breves momentos, ver o Inferno.
- Bom, diz-Lhe S. Pedro, no mesmo corredor, lá ao fundo, mas a porta da esquerda.
E o homem assim fez e, pela porta entreaberta, viu uma enorme sala, na qual havia uma mesa onde estavam dispostas iguarias e manjares dos mais suculentos e apetitosos e uma multidão sentada à mesa, mas, tudo isto num enorme caos e indescritível confusão.
Munidos de colheres enormes as pessoas tentavam desesperadamente saciar a sua fome mas, dadas as dimensões das colheres, não conseguiam levar à boca nem o mais pequeno pedaço de comida que se espalhava a toda a volta. Eram visíveis o desespero e a frustração mais completas e as discussões e querelas violentas que estalavam por todo o lado.
Fechada a porta, abriu então a que lhe estava indicada e entrou resolutamente no seu destino eterno. A surpresa foi grande, porque, a enormíssima sala era exactamente igual à outra, tal como a mesa e as iguarias nela dispostas, bem como as enormes colheres. Mas ao invés da outra, aqui havia uma paz e uma tranquilidade absolutas. É que, cada uma das pessoas sentadas à mesa, munida da sua gigantesca colher, alimentava a pessoa em frente de si, do outro lado da mesa.
(P. jorge margarido correia Notas num Retiro Enxomil 2005.04.15)

Tratado do verbo encarnado 09 – Out 24

Questão 2: Do modo da união do Verbo Encarnado

Art. 3 — Se a união do Verbo encarnado se fez no suposto ou na hipóstase.

O terceiro discute-se assim. — Parece que a união do Verbo encarnado não se fez no suposto, mas, na hipóstase.

1. — Pois, diz Agostinho: Tanto a substância divina como a humana são o Filho único de Deus, mas uma pelo Verbo, a outra pelo homem. E Leão Papa também diz: Um destes refulge pelos milagres e o outro sucumbe pelas injúrias. Ora, dois seres entre si diferentes diferem pelo suposto. Logo, a união do Verbo encarnado não se fez no suposto.

2. Demais. — A hipóstase não é senão uma substância particular, como diz Boécio. Ora, é manifesto que em Cristo há outra substância particular além da hipóstase do Verbo, isto é, o corpo, a alma e o composto deles. Logo, em Cristo há outra hipóstase além da hipóstase do Verbo.

3. Demais. — A hipóstase do Verbo não está contida em nenhum género nem espécie como resulta do que se disse na Primeira Parte. Ora, Cristo, enquanto feito homem, está contido na espécie humana. Pois, diz Dionísio: Encerrou-se nos termos da nossa natureza aquele que excede sobre-eminente e totalmente toda a ordem da natureza. Ora, não estaria ele contido na espécie humana se não fosse uma determinada hipóstase dessa espécie. Logo, em Cristo há outra hipóstase além da hipóstase do Verbo. E assim, a mesma conclusão que antes.

Mas, em contrário, diz Damasceno: Em Nosso Senhor Jesus Cristo reconhecemos duas naturezas, mas uma só hipóstase.

Alguns, ignorando a relação da hipóstase com a pessoa, embora concedam que há em Cristo uma só pessoa, ensinaram contudo ser uma a hipóstase de Deus e outra, a do homem, como se a união fosse feita na pessoa e não na hipóstase. O que é uma doutrina errónea, por três razões.

Primeiro, porque a pessoa não acrescenta à hipóstase senão uma natureza determinada, isto é, racional, e por isso Boécio diz, que a pessoa é uma substância individual de natureza racional. Donde, o mesmo é atribuir uma hipóstase própria à natureza humana de Cristo, que uma própria pessoa. E assim o entendendo, os santos Padres, condenaram ambas essas doutrinas no Quinto Concílio celebrado em Constantinopla. E determinaram: Quem pretender introduzir no mistério de Cristo duas substâncias ou duas pessoas, seja anátema, pois, a santa Trindade não sofre nenhum acréscimo de pessoa ou de subsistência, depois de encarnado o uno Verbo de Deus, da santa Trindade. Ora, a subsistência é idêntica ao seu subsistente, o que é próprio da hipóstase, como está claro em Boécio.

Segundo, porque dado que a pessoa faça algum acréscimo à hipóstase, no que se possa fazer a união, isso não seria senão uma propriedade pertinente à dignidade. E por isso alguns dizem, que a pessoa é a hipóstase distinta pela propriedade e pertinente à dignidade. Se, portanto, a união fosse feita na pessoa e não na hipóstase, seria consequência que não se teria feito a união senão segundo uma certa dignidade. E isto foi, com a aprovação do Sínodo Efesino, condenado por Cirilo, nestas palavras: Quem, no Cristo uno, dividir as subsistências, depois de adunadas copulando­ as por uma união fundada numa certa dignidade, autoridade ou potência, e não antes, pelo concurso fundado na adunação natural - seja anátema.

Terceiro, porque tanto é hipóstase aquela a que são atribuídas as operações e as propriedades da natureza, como aquela a que é atribuído o que concreta e essencialmente pertence à natureza. Assim, dizemos que este homem determinado é um suposto, porque se supõe aquilo que pertence ao homem, disso recebendo a predicação. Se, portanto houver outra hipóstase em Cristo, além da hipóstase do Verbo, resulta que se verificará de algum outro ser, que não o Verbo, o que pertence ao homem, como, o ter nascido de uma Virgem, o ter sofrido, sido crucificado e sepultado. Mas esta doutrina também foi condenada, com a aprovação do Concílio Efesino. com estas palavras: Quem, às duas pessoas ou subsistências, de que falam as Escrituras Evangélicas e Apostólicas, atribui as expressões aplicadas pelos santos a Cristo, ou que ele a si mesmo se atribuir, e aplicar certas dessas expressões a Cristo enquanto homem, sem se referir ao que é especialmente considerado como Verbo proveniente de Deus, e certas outras como atribuídas a Deus, como sendo o Verbo, de Deus Padre, seja anátema.

Donde, é claro é uma heresia já primitivamente condenada, dizer que em Cristo há duas hipóstases ou dois supostos, ou que a união não foi feita na hipóstase ou no suposto. Donde o ler-se no mesmo Sínodo: Quem não confessar que o Verbo, de Deus Padre, se uniu à carne, segundo a subsistência, e que Cristo faz um mesmo ser com a sua carne, sendo ao mesmo tempo Deus e homem - seja anátema.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Assim como uma diferença acidental causa uma alteração no sujeito, assim, uma diferença essencial o torna outro, Pois, é manifesto que a alteração proveniente de uma diferença acidental pode, nas causas criadas, pertencer à mesma hipóstase ou ao mesmo suposto, porque a identidade numérica pode ser substracto de diversos acidentes, mas não é possível nas coisas criadas, que a identidade numérica possa subsistir em diversas essências ou naturezas Donde, assim como as alterações numa criatura não significam diversidade de suposto, mas só diversidade de formas acidentais, assim quando dissermos de Cristo tal causa e tal outra, isso não implica diversidade de suposto ou de hipóstase, mas, diversidade de naturezas. Por isso diz Gregório Nazianzeno: O Salvador subsiste em tal causa e tal outra, sem ser contudo um e outro. Digo tal causa e tal outra, contrariamente ao que há na Trindade, pois, referindo-nos a este mistério, dizemos um e outro, para não confundir as subsistências, e não dizemos tal causa e tal outra.

RESPOSTA À SEGUNDA — A hipóstase significa uma substância particular, não de qualquer modo, mas enquanto existente no seu complemento. Mas, quando entra na união de um ser mais completo, como se dá com as mãos e os pés, já não se chama hipóstase. E semelhantemente, a natureza humana em Cristo, embora seja uma substância particular, como porém entra na união de um ser completo, isto é, de Cristo na sua totalidade, enquanto Deus e homem, não pode chamar-se hipóstase ou suposto, mas é esse ser completo, para o qual concorre, que se chama hipóstase ou suposto.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Na ordem da criação, uma coisa singular não entra no género ou na espécie, em razão do que a ela lhe pertence à individuação, mas, em razão da natureza, determinada pela forma, pois, a individuação das coisas compostas é fundada, antes, na matéria: Donde, devemos dizer que Cristo pertence à espécie humana, em razão da natureza assumida, e não em razão da hipóstase, em si mesma.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Evangelho diário, coment., leit. espiritual (História de uma alma)

Tempo comum XXIX Semana

Evangelho: Lc 12 54-59

54 Dizia também às multidões: «Quando vós vedes uma nuvem levantar-se no poente, logo dizeis: Aí vem chuva; e assim sucede. 55 E quando sentis soprar o vento do sul, dizeis: Haverá calor; e assim sucede. 56 Hipócritas, sabeis distinguir os aspectos da terra e do céu; como, pois, não sabeis reconhecer o tempo presente? 57 E porque não discernis também por vós mesmos o que é justo? 58 Quando, pois, fores com o teu adversário ao magistrado, faz o possível por fazer as pazes com ele pelo caminho, para que não suceda que te leve ao juiz, e o juiz te entregue ao guarda, e o guarda te meta na cadeia. 59 Digo-te que não sairás de lá, enquanto não pagares até o último centavo».

Comentário

As palavras – conselhos – de Jesus Cristo, são tão apropriadas e lógicas que, qualquer pessoa com bom senso as poderia pronunciar.
Não resolver, a tempo, coisas graves como são as dívidas - sejam quais forem - deixando para um último instante essa atitude, é correr um risco que, além de desnecessário, pode redundar em prejuízo avultado.
Que maior prejuízo poderá haver que perder a Vida Eterna na contemplação da Face do Senhor por não ter, em devido tempo – que é este e não outro – tratado de ‘saldar as contas’ que possamos ter pendentes com Ele?

(ama, comentário sobre Lc 12, 54-58, 2013.10.25)


Leitura espiritual


HISTÓRIA DE UMA ALMA


Santa Teresinha do Menino Jesus

Manuscrito "A" - Parte I


ALENÇON (1873 - 1877)
J.M.J.T.
Jesus
Janeiro de 1895
(História primaveril de uma Florzinha branca escrita por ela mesma e dedicada à Reverenda Madre Inês de Jesus.)

A vós, querida Madre, que sois duplamente minha mãe, quero confiar a história de minha alma... No dia em que me pedistes para fazê-lo, cheguei a pensar que isso dissiparia o meu coração, ao ocupá-lo consigo mesmo; mas depois Jesus me levou a compreender que, obedecendo com toda simplicidade, eu Lhe agradaria. Aliás, só quero uma coisa: Começar a cantar o que repetirei por toda a eternidade: "As Misericórdias do Senhor!!!"...

Antes de pegar a caneta, ajoelhei-me diante da imagem de Maria (aquela mesma que tantas provas nos deu das maternas predilecções da Rainha do céu pela nossa família), e lhe pedi que guiasse a minha mão para que eu não escrevesse uma linha sequer que não lhe agradasse. Em seguida, abrindo o Evangelho, os meus olhos pousaram sobre estas palavras: «Jesus, tendo subido a uma montanha, chamou a si quem Ele quis; e vieram a Ele" (São Marcos, cap. III, v. 13). Eis o mistério de minha vocação, da minha vida inteira, e, sobretudo, o mistério dos privilégios dispensados por Jesus à minha alma... Não chama os que são dignos, mas quem Ele quer, ou, como diz São Paulo: "Farei misericórdia a quem eu fizer misericórdia; terei compaixão de quem eu tiver compaixão. Desta forma, a escolha não depende daquele que quer, nem daquele que corre, mas da misericórdia de Deus" (Carta aos Romanos, cap. IX, v. 15 e 16).

Durante muito tempo eu perguntava-me porque Deus tinha preferências, por todas as almas não recebiam a mesma medida de graças. Estranhava ao vê-lo prodigalizar favores extraordinários aos santos que o haviam ofendido, como São Paulo ou Santo Agostinho, a quem forçava, por assim dizer, a receber as Suas graças; e quando lia a vida daqueles santos a quem o Senhor acariciou desde o berço até a sepultura, retirando do seu caminho todos os obstáculos que os impedisse de se elevar até Ele e provendo essas almas com tais benefícios para que nada lhes ofuscasse o brilho imaculado das suas vestes batismais, eu perguntava-me porque tantos pobres selvagens, por exemplo, morriam antes mesmo de ouvir ou sequer pronunciar o nome de Deus...

Jesus quis instruir-me a respeito deste mistério. Pôs diante dos meus olhos o livro da natureza e compreendi que todas as flores por ele criadas são belas, e que o esplendor da rosa e a brancura do lírio não tiram o perfume da humilde violeta nem a simplicidade encantadora da margarida... Compreendi que se todas as flores quisessem ser rosas, a natureza perderia a sua pompa primaveril e os campos já não seriam salpicados de florzinhas...

O mesmo ocorre no mundo das almas, o jardim de Jesus. Ele quis criar grandes santos, que podem ser comparados aos lírios e às rosas; mas criou também outros menores, e estes devem conformar-se em ser margaridas ou violetas destinadas a alegrar os olhos de Deus quando contempla os seus pés. A perfeição consiste em fazer a Sua vontade, em ser aquilo que Ele quer que sejamos...

Compreendi também que o amor de Nosso Senhor se manifesta tanto na alma mais simples, que não coloca nenhuma resistência a sua graça, quanto na alma mais sublime. É próprio do amor abaixar-se. Se todas as almas se parecessem às dos santos doutores que iluminaram a Igreja com a luz de sua doutrina, parece que Deus não teria que se abaixar bastante para vir a seus corações. Mas criou a criança, que nada sabe e só balbucia fracos gemidos, criou o pobre selvagem, que só tem a lei natural para guiá-lo. E também a seus corações ele se abaixa! São suas flores campestres, cuja simplicidade o encanta...

Assim se abaixando, Deus mostra sua grandeza infinita. Assim como o sol ilumina os cedros e cada florzinha, como se somente ela existisse sobre a terra, da mesma forma Deus cuida pessoalmente de cada alma, como se não existisse outra além dela. E assim como na natureza todas as estações estão de tal modo organizadas que no momento certo se abre até a mais humilde margarida, da mesma forma tudo concorre para o bem de cada alma.

Certamente, querida Madre, estais vos perguntando onde quero chegar, pois até agora nada disse que se pareça com a história de minha vida. Mas pedistes-me que escrevesse tudo que viesse ao meu pensamento, sem nenhum constrangimento. Assim sendo, o que vou escrever não é propriamente minha vida, mas meus pensamentos sobre as graças que Deus se dignou conceder-me.

Encontro-me num momento de minha existência em que posso lançar um olhar sobre o passado; minha alma amadureceu no crisol das provações exteriores e interiores. Agora, como a flor fortalecida pela tempestade, levanto a cabeça e vejo que em mim se realizam as palavras do salmo XXII: «O Senhor é meu pastor, nada me falta: em verdes pastagens me faz repousar; ele me conduz para fontes tranquilas e restaura minhas forças... Ainda que eu ande pelo vale das sombras, nenhum mal temerei, porque tu, vais comigo!" O Senhor sempre foi compassivo e misericordioso para comigo... lento na ira e rico em misericórdia... (Salmo CII, v. 8). Por isso, Madre, canto feliz ao vosso lado as misericórdias do Senhor... Somente para vós vou escrever a história da florzinha colhida por Jesus. Por isso, vou falar-vos com total confiança, sem preocupar-me com estilo nem com as numerosas digressões que possa fazer. Um coração de mãe sempre compreende seu filho, mesmo quando só sabe balbuciar. Portanto, estou certa de que serei compreendida e decifrada por vós, que formastes meu coração e o oferecestes a Jesus!...

Parece-me que se uma florzinha pudesse falar, contaria simplesmente o que Deus fez para ela, sem procurar esconder os presentes por ele concedidos. Não diria, a pretexto de falsa humildade, que é feia e sem perfume, que o sol roubou-lhe o esplendor e que as tempestades quebraram-lhe o talo, quando está intimamente convencida do contrário.

A flor que vai contar sua história se alegra em poder apregoar as delicadezas totalmente gratuitas de Jesus. Reconhece que nada havia nela capaz de atrair seus olhares divinos, e que somente sua misericórdia fez tudo que de bom há nela...

Ele a fez nascer numa terra santa e toda impregnada por um perfume virginal. Ele fez com que a precedessem oito lírios reluzentes de brancura. Em seu amor, quis preservar sua florzinha do sopro envenenado do mundo; e mal se entreabria sua corola, este divino Salvador a transplantou para a montanha do Carmelo, onde os dois lírios que a haviam cercado de carinho e embalado na primavera de sua vida já exalavam seu suave perfume...

Já se passaram sete anos desde que a florzinha se enraizou no jardim do Esposo das Virgens, e agora três lírios – a contar com ela – balançam ali suas corolas perfumadas; um pouco mais longe, outro lírio está se abrindo ante o olhar de Jesus. E os dois caules benditos dos quais brotaram estas flores já estão reunidos na pátria celestial para sempre... Aí se reencontraram com os outros quatro lírios que não chegaram a abrir suas corolas na terra... Oh! Que Jesus se digne não deixar por muito tempo nesta terra estranha as flores que ainda permanecem no exílio! que em breve o ramo de lírios se complete no céu!

Acabo, Madre, de resumir em poucas palavras o que Deus fez por mim. Agora vou entrar nos detalhes de minha vida de criança. Sei que onde qualquer outra pessoa só veria um relato cansativo, vosso coração de mãe encontrará verdadeiras delícias... Além do mais, as lembranças que vou evocar também vos pertencem, pois ao vosso lado passei minha infância e tenho a felicidade de pertencer a pais inigualáveis que nos cercaram dos mesmos cuidados e do mesmo carinho. Que eles abençoem a menor de suas filhas e a ajudem a cantar as misericórdias do Senhor!

Na história de minha alma, até minha entrada no Carmelo, distingo três períodos bem definidos: o primeiro, embora de curta duração, não é o menos fecundo em recordações. Ele vai do despertar de minha razão até a partida de nossa querida mãe para a pátria celeste.

Deus deu-me a graça de despertar minha inteligência muito cedo e de gravar tão profundamente em minha memória as recordações de minha infância, de modo que me parecem ter acontecido ontem. Sem dúvida, Jesus, em seu amor, quis fazer-me conhecer a mãe incomparável que me dera, mas que sua mão divina tinha pressa de coroar no céu!
Durante toda minha vida, Deus quis cercar-me de amor. Minhas primeiras recordações estão repletas dos mas ternos sorrisos e carícias... Mas, se ele colocara muito amor perto de mim, também o pôs em meu coração, criando-o amoroso e sensível. Assim, eu amava muito papai e mamãe, e lhes demonstrava meu carinho de mil maneiras, pois eu era muito expansiva. Só que os meios que eu usava eram, às vezes, estranhos, como o prova este trecho de uma carta de mamãe:
"A menina é um verdadeiro diabinho, que vem me acariciar desejando-me a morte: ´Como eu gostaria que morresses, minha pobre mãezinha...!´censuram-na e ela responde: ´Mas é para ires para o céu! Não dizes que precisamos morrer para ir para lá?´ Em seus excessos de amor, deseja também a morte de seu pai".

No dia 25 de Junho de 1874, quando eu tinha apenas 18 meses, eis o que mamãe dizia de mim:  «Vosso pai acaba de instalar um balanço. Celina está deslumbrada, mas é preciso ver a pequena balançar-se! É de rir; segura-se como uma moça, não há perigo de que se solte a corda e quando a balançam mais devagar, grita. Nós a amarramos na frente com outra corda, mas apesar de tudo não fico tranqüila quando a vejo lá em cima.

"Recentemente aconteceu uma aventura engraçada com a pequena. Tenho costume de ir à missa das cinco e meia. Nos primeiros dias, não ousava deixá-la sozinha; mas ao ver que ela nunca acordava, decidi deixá-la. Deitava-a na minha cama e puxava o berço de modo que seria impossível que ela caísse. Mas um dia me esqueci de puxar o berço. Quando cheguei, vi que a pequena não estava na cama. Neste momento escutei um grito; olhei e a vi sentada numa cadeira que estava de frente à cabeceira de minha cama, com a cabecinha deitada no travesseiro e dormindo mal, pois estava mal acomodada. Não entendi como pôde cair sentada naquela cadeira, pois ela estava deitada. Dei graças a Deus por que nenhum mal lhe aconteceu; foi realmente providencial, pois poderia ter rolado no chão. Seu anjo de guarda cuidou dela, como também as almas do purgatório, a quem diariamente faço uma oração para que protejam a pequena. Assim vejo a coisa... vejam como quiserem..."

No final da carta, mamãe acrescentava:«Eis que o bebezinho acaba de passar a mãozinha sobre o meu rosto e me beijar. Esta pobre pequena não quer me deixar nem por um instante e não sai de perto de mim. Gosta muito de ir ao jardim, mas se eu também não for, ela não quer ficar. Começa a chorar e só pára quando a trazem a mim".

(Aqui a passagem de uma outra carta): "Teresinha perguntou-me outro dia se iria para o céu. Disse-lhe que sim, se se comportar direito. Respondeu-me: "Sim, mas se eu não for ajuizada irei para o inferno... mas sei o que farei: voaria contigo, que estarás no céu. Mas como Deus faria para me pegar? Tu me segurarias bem forte em teus braços?" Vi em seus olhos que acreditava piamente que o Bom Deus nada poderia fazer-lhe ainda que estivesse nos braços de sua mãe...

«Maria gosta muito de sua irmãzinha e a acha muito mimosa. Isto não é de se estranhar, pois esta pobre pequena tem receio de desagradá-la nas mínimas coisas. Ontem, sabendo que ela tanto gosta de rosas, quis dar-lhe uma, mas suplicou-me que não a colhesse, porque Maria proibira. Estava rubra de emoção. Assim mesmo, dei-lhe duas e ela não queria entrar em casa. Embora eu lhe dissesse que as rosas eram minhas, ela afirmava: "Não, as rosas são de Maria..."

«A menina se emociona facilmente. Quando faz alguma traquinagem, todos precisam saber. Ontem, tendo rasgado, sem querer, um canto do papel de parede, ficou em estado lastimável, e quis logo contar ao pai. Quando este chegou, quatro horas depois, ninguém se lembrava mais do acontecido e ela foi correndo dizer a Maria: "Diga logo para o papai que eu rasguei o papel". E ficou esperando sua condenação como um criminoso; mas tem em sua pequena ideia que obterá mais facilmente o perdão se confessar a falta".

(cont.)