Tempo comum XXIX Semana
54 Dizia também às
multidões: «Quando vós vedes uma nuvem levantar-se no poente, logo dizeis: Aí
vem chuva; e assim sucede. 55 E quando sentis soprar o vento do sul,
dizeis: Haverá calor; e assim sucede. 56 Hipócritas, sabeis
distinguir os aspectos da terra e do céu; como, pois, não sabeis reconhecer o
tempo presente? 57 E porque não discernis também por vós mesmos o
que é justo? 58 Quando, pois, fores com o teu adversário ao
magistrado, faz o possível por fazer as pazes com ele pelo caminho, para que
não suceda que te leve ao juiz, e o juiz te entregue ao guarda, e o guarda te
meta na cadeia. 59 Digo-te que não sairás de lá, enquanto não
pagares até o último centavo».
Comentário:
As palavras – conselhos – de Jesus Cristo, são tão apropriadas e
lógicas que, qualquer pessoa com bom senso as poderia pronunciar.
Não resolver, a tempo, coisas graves como são as dívidas - sejam
quais forem - deixando para um último instante essa atitude, é correr um risco
que, além de desnecessário, pode redundar em prejuízo avultado.
Que maior prejuízo poderá haver que perder a Vida Eterna na contemplação
da Face do Senhor por não ter, em devido tempo – que é este e não outro –
tratado de ‘saldar as contas’ que possamos ter pendentes com Ele?
(ama, comentário sobre Lc 12, 54-58, 2013.10.25)
Leitura espiritual
HISTÓRIA DE UMA ALMA
Santa Teresinha do Menino Jesus
Manuscrito
"A" - Parte I
ALENÇON
(1873 - 1877)
J.M.J.T.
Jesus
Janeiro
de 1895
(História primaveril de uma Florzinha branca
escrita por ela mesma e dedicada à Reverenda Madre Inês de Jesus.)
A vós,
querida Madre, que sois duplamente minha mãe, quero confiar a história de minha
alma... No dia em que me pedistes para fazê-lo, cheguei a pensar que isso
dissiparia o meu coração, ao ocupá-lo consigo mesmo; mas depois Jesus me levou
a compreender que, obedecendo com toda simplicidade, eu Lhe agradaria. Aliás,
só quero uma coisa: Começar a cantar o que repetirei por toda a eternidade:
"As Misericórdias do Senhor!!!"...
Antes de
pegar a caneta, ajoelhei-me diante da imagem de Maria (aquela mesma que tantas
provas nos deu das maternas predilecções da Rainha do céu pela nossa família),
e lhe pedi que guiasse a minha mão para que eu não escrevesse uma linha sequer
que não lhe agradasse. Em seguida, abrindo o Evangelho, os meus olhos pousaram
sobre estas palavras: «Jesus, tendo subido a uma montanha, chamou a si quem Ele
quis; e vieram a Ele" (São Marcos, cap. III, v. 13). Eis o mistério de
minha vocação, da minha vida inteira, e, sobretudo, o mistério dos privilégios
dispensados por Jesus à minha alma... Não chama os que são dignos, mas quem Ele
quer, ou, como diz São Paulo: "Farei misericórdia a quem eu fizer misericórdia;
terei compaixão de quem eu tiver compaixão. Desta forma, a escolha não depende
daquele que quer, nem daquele que corre, mas da misericórdia de Deus"
(Carta aos Romanos, cap. IX, v. 15 e 16).
Durante
muito tempo eu perguntava-me porque Deus tinha preferências, por todas as almas
não recebiam a mesma medida de graças. Estranhava ao vê-lo prodigalizar favores
extraordinários aos santos que o haviam ofendido, como São Paulo ou Santo
Agostinho, a quem forçava, por assim dizer, a receber as Suas graças; e quando
lia a vida daqueles santos a quem o Senhor acariciou desde o berço até a
sepultura, retirando do seu caminho todos os obstáculos que os impedisse de se
elevar até Ele e provendo essas almas com tais benefícios para que nada lhes
ofuscasse o brilho imaculado das suas vestes batismais, eu perguntava-me porque
tantos pobres selvagens, por exemplo, morriam antes mesmo de ouvir ou sequer
pronunciar o nome de Deus...
Jesus
quis instruir-me a respeito deste mistério. Pôs diante dos meus olhos o livro
da natureza e compreendi que todas as flores por ele criadas são belas, e que o
esplendor da rosa e a brancura do lírio não tiram o perfume da humilde violeta
nem a simplicidade encantadora da margarida... Compreendi que se todas as
flores quisessem ser rosas, a natureza perderia a sua pompa primaveril e os
campos já não seriam salpicados de florzinhas...
O mesmo
ocorre no mundo das almas, o jardim de Jesus. Ele quis criar grandes santos,
que podem ser comparados aos lírios e às rosas; mas criou também outros
menores, e estes devem conformar-se em ser margaridas ou violetas destinadas a
alegrar os olhos de Deus quando contempla os seus pés. A perfeição consiste em
fazer a Sua vontade, em ser aquilo que Ele quer que sejamos...
Compreendi
também que o amor de Nosso Senhor se manifesta tanto na alma mais simples, que
não coloca nenhuma resistência a sua graça, quanto na alma mais sublime. É
próprio do amor abaixar-se. Se todas as almas se parecessem às dos santos
doutores que iluminaram a Igreja com a luz de sua doutrina, parece que Deus não
teria que se abaixar bastante para vir a seus corações. Mas criou a criança,
que nada sabe e só balbucia fracos gemidos, criou o pobre selvagem, que só tem
a lei natural para guiá-lo. E também a seus corações ele se abaixa! São suas
flores campestres, cuja simplicidade o encanta...
Assim se
abaixando, Deus mostra sua grandeza infinita. Assim como o sol ilumina os
cedros e cada florzinha, como se somente ela existisse sobre a terra, da mesma
forma Deus cuida pessoalmente de cada alma, como se não existisse outra além
dela. E assim como na natureza todas as estações estão de tal modo organizadas
que no momento certo se abre até a mais humilde margarida, da mesma forma tudo
concorre para o bem de cada alma.
Certamente,
querida Madre, estais vos perguntando onde quero chegar, pois até agora nada
disse que se pareça com a história de minha vida. Mas pedistes-me que
escrevesse tudo que viesse ao meu pensamento, sem nenhum constrangimento. Assim
sendo, o que vou escrever não é propriamente minha vida, mas meus pensamentos
sobre as graças que Deus se dignou conceder-me.
Encontro-me
num momento de minha existência em que posso lançar um olhar sobre o passado;
minha alma amadureceu no crisol das provações exteriores e interiores. Agora,
como a flor fortalecida pela tempestade, levanto a cabeça e vejo que em mim se
realizam as palavras do salmo XXII: «O Senhor é meu pastor, nada me falta: em
verdes pastagens me faz repousar; ele me conduz para fontes tranquilas e
restaura minhas forças... Ainda que eu ande pelo vale das sombras, nenhum mal
temerei, porque tu, vais comigo!" O Senhor sempre foi compassivo e
misericordioso para comigo... lento na ira e rico em misericórdia... (Salmo
CII, v. 8). Por isso, Madre, canto feliz ao vosso lado as misericórdias do
Senhor... Somente para vós vou escrever a história da florzinha colhida por Jesus.
Por isso, vou falar-vos com total confiança, sem preocupar-me com estilo nem
com as numerosas digressões que possa fazer. Um coração de mãe sempre compreende
seu filho, mesmo quando só sabe balbuciar. Portanto, estou certa de que serei
compreendida e decifrada por vós, que formastes meu coração e o oferecestes a
Jesus!...
Parece-me
que se uma florzinha pudesse falar, contaria simplesmente o que Deus fez para
ela, sem procurar esconder os presentes por ele concedidos. Não diria, a
pretexto de falsa humildade, que é feia e sem perfume, que o sol roubou-lhe o
esplendor e que as tempestades quebraram-lhe o talo, quando está intimamente
convencida do contrário.
A flor
que vai contar sua história se alegra em poder apregoar as delicadezas
totalmente gratuitas de Jesus. Reconhece que nada havia nela capaz de atrair
seus olhares divinos, e que somente sua misericórdia fez tudo que de bom há
nela...
Ele a fez
nascer numa terra santa e toda impregnada por um perfume virginal. Ele fez com
que a precedessem oito lírios reluzentes de brancura. Em seu amor, quis
preservar sua florzinha do sopro envenenado do mundo; e mal se entreabria sua
corola, este divino Salvador a transplantou para a montanha do Carmelo, onde os
dois lírios que a haviam cercado de carinho e embalado na primavera de sua vida
já exalavam seu suave perfume...
Já se
passaram sete anos desde que a florzinha se enraizou no jardim do Esposo das
Virgens, e agora três lírios – a contar com ela – balançam ali suas corolas
perfumadas; um pouco mais longe, outro lírio está se abrindo ante o olhar de
Jesus. E os dois caules benditos dos quais brotaram estas flores já estão
reunidos na pátria celestial para sempre... Aí se reencontraram com os outros
quatro lírios que não chegaram a abrir suas corolas na terra... Oh! Que Jesus
se digne não deixar por muito tempo nesta terra estranha as flores que ainda
permanecem no exílio! que em breve o ramo de lírios se complete no céu!
Acabo,
Madre, de resumir em poucas palavras o que Deus fez por mim. Agora vou entrar
nos detalhes de minha vida de criança. Sei que onde qualquer outra pessoa só
veria um relato cansativo, vosso coração de mãe encontrará verdadeiras
delícias... Além do mais, as lembranças que vou evocar também vos pertencem,
pois ao vosso lado passei minha infância e tenho a felicidade de pertencer a
pais inigualáveis que nos cercaram dos mesmos cuidados e do mesmo carinho. Que
eles abençoem a menor de suas filhas e a ajudem a cantar as misericórdias do
Senhor!
Na
história de minha alma, até minha entrada no Carmelo, distingo três períodos
bem definidos: o primeiro, embora de curta duração, não é o menos fecundo em
recordações. Ele vai do despertar de minha razão até a partida de nossa querida
mãe para a pátria celeste.
Deus
deu-me a graça de despertar minha inteligência muito cedo e de gravar tão
profundamente em minha memória as recordações de minha infância, de modo que me
parecem ter acontecido ontem. Sem dúvida, Jesus, em seu amor, quis fazer-me
conhecer a mãe incomparável que me dera, mas que sua mão divina tinha pressa de
coroar no céu!
Durante
toda minha vida, Deus quis cercar-me de amor. Minhas primeiras recordações
estão repletas dos mas ternos sorrisos e carícias... Mas, se ele colocara muito
amor perto de mim, também o pôs em meu coração, criando-o amoroso e sensível.
Assim, eu amava muito papai e mamãe, e lhes demonstrava meu carinho de mil
maneiras, pois eu era muito expansiva. Só que os meios que eu usava eram, às
vezes, estranhos, como o prova este trecho de uma carta de mamãe:
"A
menina é um verdadeiro diabinho, que vem me acariciar desejando-me a morte:
´Como eu gostaria que morresses, minha pobre mãezinha...!´censuram-na e ela
responde: ´Mas é para ires para o céu! Não dizes que precisamos morrer para ir
para lá?´ Em seus excessos de amor, deseja também a morte de seu pai".
No dia 25
de Junho de 1874, quando eu tinha apenas 18 meses, eis o que mamãe dizia de
mim: «Vosso pai acaba de instalar um
balanço. Celina está deslumbrada, mas é preciso ver a pequena balançar-se! É de
rir; segura-se como uma moça, não há perigo de que se solte a corda e quando a
balançam mais devagar, grita. Nós a amarramos na frente com outra corda, mas
apesar de tudo não fico tranqüila quando a vejo lá em cima.
"Recentemente
aconteceu uma aventura engraçada com a pequena. Tenho costume de ir à missa das
cinco e meia. Nos primeiros dias, não ousava deixá-la sozinha; mas ao ver que
ela nunca acordava, decidi deixá-la. Deitava-a na minha cama e puxava o berço
de modo que seria impossível que ela caísse. Mas um dia me esqueci de puxar o
berço. Quando cheguei, vi que a pequena não estava na cama. Neste momento
escutei um grito; olhei e a vi sentada numa cadeira que estava de frente à
cabeceira de minha cama, com a cabecinha deitada no travesseiro e dormindo mal,
pois estava mal acomodada. Não entendi como pôde cair sentada naquela cadeira,
pois ela estava deitada. Dei graças a Deus por que nenhum mal lhe aconteceu;
foi realmente providencial, pois poderia ter rolado no chão. Seu anjo de guarda
cuidou dela, como também as almas do purgatório, a quem diariamente faço uma
oração para que protejam a pequena. Assim vejo a coisa... vejam como
quiserem..."
No final
da carta, mamãe acrescentava:«Eis que o bebezinho acaba de passar a mãozinha
sobre o meu rosto e me beijar. Esta pobre pequena não quer me deixar nem por um
instante e não sai de perto de mim. Gosta muito de ir ao jardim, mas se eu
também não for, ela não quer ficar. Começa a chorar e só pára quando a trazem a
mim".
(Aqui a
passagem de uma outra carta): "Teresinha perguntou-me outro dia se iria
para o céu. Disse-lhe que sim, se se comportar direito. Respondeu-me:
"Sim, mas se eu não for ajuizada irei para o inferno... mas sei o que
farei: voaria contigo, que estarás no céu. Mas como Deus faria para me pegar? Tu
me segurarias bem forte em teus braços?" Vi em seus olhos que acreditava
piamente que o Bom Deus nada poderia fazer-lhe ainda que estivesse nos braços
de sua mãe...
«Maria
gosta muito de sua irmãzinha e a acha muito mimosa. Isto não é de se estranhar,
pois esta pobre pequena tem receio de desagradá-la nas mínimas coisas. Ontem,
sabendo que ela tanto gosta de rosas, quis dar-lhe uma, mas suplicou-me que não
a colhesse, porque Maria proibira. Estava rubra de emoção. Assim mesmo, dei-lhe
duas e ela não queria entrar em casa. Embora eu lhe dissesse que as rosas eram
minhas, ela afirmava: "Não, as rosas são de Maria..."
«A menina
se emociona facilmente. Quando faz alguma traquinagem, todos precisam saber.
Ontem, tendo rasgado, sem querer, um canto do papel de parede, ficou em estado
lastimável, e quis logo contar ao pai. Quando este chegou, quatro horas depois,
ninguém se lembrava mais do acontecido e ela foi correndo dizer a Maria:
"Diga logo para o papai que eu rasguei o papel". E ficou esperando
sua condenação como um criminoso; mas tem em sua pequena ideia que obterá mais
facilmente o perdão se confessar a falta".
(cont.)
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