31/01/2015

O mandamento novo do amor

Jesus Nosso Senhor amou tanto os homens, que encarnou, tomou a nossa natureza e viveu em contacto diário com pobres e ricos, com justos e pecadores, com novos e velhos, com gentios e judeus. Dialogou constantemente com todos: com os que gostavam dele e com os que só procuravam a maneira de retorcer as suas palavras, para o condenar. – Procura comportar-te como Nosso Senhor. (Forja, 558)

Compreende-se muito bem a impaciência, a angústia, os inquietos anseios daqueles que, com uma alma naturalmente cristã, não se resignam perante a injustiça individual e social que o coração humano é capaz de criar. Tantos séculos de convivência dos homens entre si, e ainda tanto ódio, tanta destruição, tanto fanatismo acumulado em olhos que não querem ver e em corações que não querem amar!

Os bens da Terra, repartidos entre muito poucos; os bens da cultura, encerrados em cenáculos... E, lá fora, fome de pão e de sabedoria; vidas humanas – que são santas, porque vêm de Deus – tratadas como simples coisas, como números de uma estatística! Compreendo e compartilho dessa impaciência, levantando os olhos para Cristo, que continua a convidar-nos a pormos em prática o mandamento novo do amor.


É preciso reconhecer Cristo que nos sai ao encontro nos nossos irmãos, os homens. Nenhuma vida humana é uma vida isolada; entrelaça-se com as demais. Nenhuma pessoa é um verso solto; todos fazemos parte de um mesmo poema divino, que Deus escreve com o concurso da nossa liberdade. (Cristo que passa, 111)

Temas para meditar - 351


Filiação divina 

Desde o momento em que se inteira destes desígnios, o homem começa a ver Deus com outros olhos, sabendo que Deus é Pai, o homem descobre-se, como filho e objecto das predilecções divinas. E é assim que na medida em que se eleva a ideia que se faz de Deus, se eleva também o conceito que do homem se deve fazer. Em primeiro lugar, por ser a esta luz que o homem descobre quanto vale, e, depois, porque, aprendendo que Deus é Pai, se descobre como filho, e se começa a compreender em que sentido Deus quer que nos consideremos irmãos.


(a. veloso, BROTÉRIA, Vol. LVI, Fasc. 4, 1953, pag. 287)

Tratado do verbo encarnado 107

Questão 16: Do conveniente a Cristo no seu ser e no seu dever

Art. 4 — Se o próprio à natureza humana pode-se atribuir a Deus.

O quarto discute-se assim. — Parece que o próprio à natureza humana não se pode atribuir a Deus.

1. — Pois, é impossível os contrários serem predicados do mesmo sujeito. Ora, as propriedades da natureza humana são contrárias às de Deus: porquanto, sendo Deus incriado, imutável e eterno é próprio da natureza humana ser criada, temporal e mutável. Logo, o próprio à natureza humana não pode ser atribuído a Deus.

2. Demais. — Atribuir a Deus o que constitui uma deficiência, contraria a honra divina e é uma blasfémia. Ora, o próprio à natureza humana, como sofrer, morrer e causas semelhantes, são deficiências. Logo, parece que de nenhum modo podemos atribuir a Deus o próprio à criatura.

3. Demais. — Ser assumida convém à natureza divina. Ora, não convém a Deus ser assumido. Logo, não podemos atribuir a Deus o próprio à natureza humana.

Mas, em contrário, Damasceno diz que Deus assumiu as particularidades da carne, isto é, as propriedades, por lhe convir a denominação de passível e ter sido o Deus da glória, crucificado.

Nesta questão divergem os Nestorianos e os Católicos.

Assim, os Nestorianos queriam dividir as denominações atribuídas a Cristo, de modo que não se atribuíssem a Deus as que o são à natureza humana, nem ao homem, as próprias da natureza divina. Donde o dizer Nestório: Quem tentar atribuir paixões ao Verbo de Deus seja anátema. Mas os nomes atribuíveis a ambas as naturezas, pode predicar-se o que delas é próprio, assim, o nome de Cristo ou de Senhor. Por isso concediam que Cristo nasceu da Virgem Maria e existiu abeterno, mas não admitiam que Deus tivesse nascido da Virgem ou que o homem fosse abeterno.

Mas os Católicos ensinavam que o atribuído a Cristo, quer segundo a natureza divina, quer segundo a humana, tanto se pode dizer de Deus como do homem. Por isso Cirilo ensina: Quem atribuir separadamente às duas pessoas ou substâncias, isto é, hipóstases, as denominações dos livros evangélicos e apostólicos, quer os santos atribuíssem essas denominações a Cristo, quer as tivesse Cristo dito de si mesmo, de modo a crer serem umas delas aplicáveis, ao homem e destinar as outras só para o Verbo, esse tal seja anátema. E a razão disto está em que, sendo uma mesma a hipóstase das duas naturezas, a mesma hipóstase é suposta no nome de ambas. Donde, quer digamos homem, quer digamos Deus, supomos a hipóstase das naturezas divina e humana. Portanto, podemos atribuir ao homem o próprio à natureza divina, e a Deus, o próprio à natureza humana.

Devemos, porém, saber que numa proposição onde se predica uma coisa, de outra, não somente se atende à coisa a que se atribui o predicado, mas também ao modo da predicação. E assim, embora não se distingam entre si as predicações feitas de Cristo, distinguem-se contudo pelo modo pelo qual cada uma é feita. Pois, as propriedades da natureza divina são predicadas da natureza divina de Cristo, e as da natureza humana, da sua natureza humana. Por isso diz Agostinho: Distingamos as expressões que a Escritura atribui a Cristo, enquanto Deus, donde é igual ao Pai, daquelas que lhe aplica segundo a forma de servo, que assumiu, pela qual é menor que o Pai. E a seguir: O leitor prudente, diligente e pio compreenderá o que é atribuído essencialmente, do que o é de algum modo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — É impossível os contrários serem predicados de um mesmo sujeito, num mesmo ponto de vista, mas nada impede que o sejam, a luzes diversas. Ora, é neste último sentido que os contrários se predicam de Cristo: não no mesmo ponto de vista, mas, segundo as naturezas diversas.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Atribuir uma deficiência a Deus, segundo a sua natureza divina, seria blasfémia, por lhe diminuir a honra, mas não seria uma injúria a Deus atribuir-lhe essa deficiência segundo a natureza assumida. Por isso, um sermão pronunciado no Concílio Efesino diz: Deus não considera de nenhum modo como injúria o que é uma ocasião para os homens se salvarem. Assim, nenhuma das abjecções que escolheu, por nosso amor, pode causar injúria àquela natureza que não pode estar sujeita a injúrias, pois, tomou as coisas inferiores como próprias para salvar a nossa natureza. Quando, pois, as abjecções e as vilezas longe de injuriar a natureza divina, obram a salvação do homem, como dizer que aquilo que é carne da nossa salvação foi ocasião de injúria a Deus?

RESPOSTA À TERCEIRA. — Ser assumida convém à natureza humana, não em razão do suposto, mas em razão dela própria. E por isso não convém a Deus.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Ev. diário L. Esp. (Temas actuais do cristianismo)

Tempo Comum III Semana

Evangelho: Mc 4 35-41

35 Naquele mesmo dia, ao cair da tarde, disse-lhes: «Passemos à outra margem». 36 Eles, deixando a multidão, levaram-n'O consigo, assim como estava, na barca. Outras embarcações O seguiram. 37 Então levantou-se uma grande tempestade de vento, e as ondas lançavam-se sobre a barca, de tal modo que a barca se enchia de água. 38 Jesus estava na popa a dormir sobre um travesseiro. Acordaram-n'O e disseram-Lhe: «Mestre, não Te importas que pereçamos?». 39 Ele levantou-Se, ameaçou o vento e disse para o mar: «Cala-te, emudece». O vento amainou e seguiu-se uma grande bonança. 40 Depois disse-lhes: «Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?». Ficaram cheios de grande temor, e diziam uns para os outros: 41 «Quem será Este, que até o vento e o mar Lhe obedecem?».

Comentário

A bonança que se segue à tempestade faz esquecer a violência e o temor que provocou.

Assim a paz de espírito que se instala no nosso coração depois da Confissão Sacramental. O bem alcançado passa, assim, a ser muito mais importante que o mal-estar anterior.

A absolvição que, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo o Sacerdote nos concede é o lenitivo necessário e conveniente para a inquietação e humilhações que o pecado provocou.

Vale a pena!!!

(ama, meditação sobre Mc 4, 35-41, 2014.02.01)


Leitura espiritual


São Josemaria Escrivá

Temas actuais do cristianismo [i]


82             
Como Grão-Chanceler da Universidade de Navarra, desejaríamos que nos falasse dos princípios que a inspiraram ao fundá-la e do seu significado actual no âmbito da Universidade espanhola.

A Universidade de Navarra surgiu em 1952 - depois de rezar durante anos e anos, sinto alegria ao dizê-lo - com a aspiração de dar vida a uma instituição universitária na qual se plasmassem os ideais culturais e apostólicos de um grupo de professores profundamente interessados na missão docente. Desejou então - e deseja agora - contribuir, lado a lado com as outras universidades, para resolver os graves problemas educativos da Espanha e de muitos outros países que necessitam de homens bem preparados para constituírem uma sociedade mais justa.

Quando foi fundada, aqueles que a iniciaram não eram estranhos à Universidade espanhola: eram professores que se tinham formado e exercido o seu magistério em Madrid, Barcelona, Sevilha, Santiago, Granada e em várias outras universidades. Esta colaboração estreita - atrever-me-ia a dizer que mais estreita que a que mantêm entre si universidades inclusivamente vizinhas - tem continuado, mediante frequentes intercâmbios e visitas de professores, congressos nacionais nos quais se trabalha em conjunto, etc. O mesmo contacto se tem mantido com as melhores universidades de outros países, como foi confirmado pelo recente doutoramento honoris causa de professores da Sorbonne, Harvard, Coimbra, Munique e Lovaina.

A Universidade de Navarra tem servido também para orientar a ajuda de tantas pessoas que vêem nos estudos universitários uma base fundamental do progresso do país, quando estão abertos a todos aqueles que merecem estudar, sejam quais forem os seus recursos económicos. É uma realidade a Associação de Amigos da Universidade de Navarra que, com a sua contribuição generosa, já conseguiu distribuir um elevado número de bolsas de estudo. Este número aumentará cada vez mais, como aumentará a afluência de estudantes afro-asiáticos e latino-americanos.

83             
Algumas pessoas escreveram que a Universidade de Navarra é uma Universidade para ricos e que, ainda por cima, recebe subsídios avultados do Estado. Quanto ao primeiro ponto, sabemos que não é assim, porque somos também estudantes e conhecemos os nossos companheiros; quais são, na realidade, esses subsídios estatais?

Existem dados concretos, ao alcance de toda a gente, porque foram difundidos pela imprensa, que permitem ver como - sendo o custo aproximadamente o mesmo das restantes universidades - o número de universitários que recebem ajuda económica para os seus estudos na Universidade de Navarra é superior ao de qualquer outra Universidade do país. Posso dizer-vos que este número irá aumentar para procurar alcançar uma percentagem mais alta ou, pelo menos, semelhante à da Universidade não espanhola que mais se distinguir pelo seu trabalho de promoção social.

Compreendo que desperte as atenções ver a Universidade de Navarra como um organismo vivo que funciona admiravelmente e que isto faça pensar na existência de ingentes meios económicos. Mas não se tem em conta, ao discorrer assim, que não bastam os recursos materiais para que uma iniciativa progrida com garbo: a vida deste centro deve-se principalmente à dedicação, ao entusiasmo e ao trabalho que professores, alunos, empregados, contínuos, estas benditas e queridíssimas mulheres navarras que fazem a limpeza, todos, enfim, consagram à sua Universidade. Não fora isto e a Universidade não teria podido aguentar-se.

A Universidade tem sido financiada mediante subsídios. Em primeiro lugar, o da Deputação Foral de Navarra, para despesas de manutenção. É preciso mencionar também a cedência de terrenos por parte do Município de Pamplona, para a construção dos edifícios, como é prática habitual dos municípios de tantos países. Sabeis por experiência o interesse moral e económico que tem para uma região como Navarra, e concretamente para Pamplona, contar com uma Universidade moderna que abre, a todos, a possibilidade de receber um bom ensino superior.

Perguntais-me por subsídios do Estado. O Estado espanhol não ajuda a cobrir as despesas de sustentação da Universidade de Navarra. Concedeu apenas alguns subsídios para a criação de novos postos escolares, os quais aliviam o grande esforço económico requerido pelas novas instalações.

Outra fonte de receitas, concretamente para a Escola Técnica Superior de Engenheiros Industriais, são os subsídios da "Caja de Ahorros Provincial de Guipúzcoa".

Tiveram especial importância, desde os começos da Universidade, as ajudas prestadas por fundações espanholas ou estrangeiras, estatais e privadas: assim, um vultoso donativo oficial dos Estados Unidos, para dotar de aparelhagem científica a Escola de Engenheiros Industriais; a contribuição da obra assistencial alemã Misereor para o plano dos novos edifícios; a da Fundação Huarte para a investigação sobre o cancro; as da Fundação Gulbenkian, etc.

Depois, a ajuda que, se é possível, mais se agradece: a de milhares de pessoas de todas as classes sociais, muitas delas de escassos recursos económicos, que em Espanha e fora de Espanha, estão a colaborar, na medida das suas possibilidades, na sustentação da Universidade.

Finalmente, é preciso não esquecer as empresas que se interessam e cooperam nas tarefas de investigação da Universidade, ou a ajudam de qualquer modo.

Talvez penseis que, com tudo isto, o dinheiro acabe por sobrar. Não é assim: a Universidade de Navarra continua a ser deficitária. Desejava que nos ajudassem ainda mais pessoas e mais fundações, para podermos continuar com mais extensão esta tarefa de serviço e de promoção social.

84             
Como fundador do Opus Dei e impulsionador de uma ampla gama de instituições universitárias em todo o Mundo, poder-nos-ia descrever que motivações levaram o Opus Dei a criá-las e quais são os traços principais do contributo do Opus Dei para este nível de ensino?

O fim do Opus Dei é fazer com que muitas pessoas em todo o Mundo saibam, na teoria e na prática, que é possível santificar a sua actividade corrente, o trabalho de cada dia; que é possível buscar a perfeição cristã no meio da rua, sem abandonar as actividades a que Nosso Senhor nos quis chamar. Por isso, o apostolado mais importante do Opus Dei é aquele que é realizado individualmente pelos seus sócios, através da sua actuação profissional exercida com a maior perfeição humana - apesar dos meus erros pessoais e dos que cada um possa ter - em todos os ambientes e em todos os países: porque pertencem ao Opus Dei pessoas de umas setenta nações, de todas as raças e condições sociais.

Além disso, o Opus Dei, como corporação, promove, com o concurso de um grande número de pessoas que não estão associadas à Obra - e que muitas vezes não são cristãs - trabalhos corporativos, com que procura contribuir para a resolução dos problemas que o mundo actual enfrenta: centros educativos, assistenciais, de promoção e habilitação profissional, etc.

As instituições universitárias são apenas um aspecto destas actividades. As linhas que as caracterizam podem resumir-se assim: educação na liberdade pessoal e na responsabilidade também pessoal. Com liberdade e responsabilidade trabalha-se com gosto, rende-se, não há necessidade de controles nem de vigilância, porque todos se sentem em sua casa e basta um simples horário. Depois, o espírito de convivência, sem discriminações de nenhuma espécie. É na convivência que se formam as pessoas, até que cada qual aprenda que, para poder exigir que respeitem a sua liberdade, deve saber respeitar a liberdade dos outros. Finalmente, o espírito de fraternidade humana: os talentos próprios devem ser postos ao serviço dos outros, pois sem isso de pouco valem. As obras corporativas que o Opus Dei promove em todo o Mundo estão sempre ao serviço dos outros, porque são um serviço cristão.

85             
Em Maio, numa reunião que teve com os estudantes da Universidade de Navarra, prometeu um livro sobre temas estudantis e universitários. Poder-nos- -ia dizer se demorará muito a aparecer?

Permiti a um velho de mais de sessenta anos esta pequena vaidade: confio em que o livro sairá e poderá ser útil a professores e alunos. Pelo menos porei nele todo o carinho que tenho pela Universidade, um carinho que nunca perdi desde que nela pus os pés pela primeira vez há... tantos anos!

Talvez demore ainda um pouco a aparecer, mas chegará. Prometi noutra ocasião, aos estudantes de Navarra uma imagem da Santíssima Virgem para a colocar no meio do campus, donde abençoasse o amor limpo, são, da vossa juventude. A estátua demorou um pouco a chegar, mas chegou por fim: Santa Maria, Mãe do Amor Formoso, benzida expressamente pelo Santo Padre para vós.

Acerca do livro, devo dizer-vos que não espereis que agrade a todos. Exporei nele as minhas opiniões, confiando em que serão respeitadas pelos que pensem o contrário, como eu respeito todas as opiniões diferentes da minha, como respeito aqueles que têm um coração grande e generoso, ainda que não compartilhem comigo a fé de Cristo. Vou contar-vos uma coisa que me tem sucedido muitas vezes, a última delas aqui, em Pamplona. Aproximou-se de mim um estudante que queria cumprimentar-me.

- "Monsenhor, eu não sou cristão" - disse-me - "sou maometano" - "És filho de Deus como eu" - respondi- -lhe. E abracei-o com toda a minha alma.

86             
Finalmente, pode dizer-nos alguma coisa a nós, que trabalhamos na imprensa universitária?

O jornalismo é uma grande coisa, também o jornalismo universitário. Podeis contribuir muito para promover entre os vossos companheiros o amor aos ideais nobres, o afã de superação do egoísmo pessoal, a sensibilidade ante os afazeres colectivos, a fraternidade. E agora, uma vez mais, não posso deixar de vos convidar a amar a verdade.

Não vos oculto que me repugna o sensacionalismo de alguns jornalistas que dizem a verdade a meias. Informar não é ficar a meio caminho entre a verdade e a mentira. Isso nem se pode chamar informação, nem é moral, nem se podem chamar jornalistas aqueles que misturam, com poucas meias verdades, bastantes erros e mesmo calúnias premeditadas; não se podem chamar jornalistas porque não são mais do que as engrenagens - mais ou menos lubrificadas - de qualquer organização propaladora de falsidades, que sabe que serão repetidas até à saciedade sem má fé, pela ignorância e estupidez de muitos. Tenho de confessar-vos que, pela minha parte, esses falsos jornalistas ficam a ganhar, porque não há dia em que não reze carinhosamente por eles, pedindo a Nosso Senhor que lhes esclareça as consciências.

Rogo-vos, pois, que difundais o amor ao bom jornalismo, que é aquele que não se contenta com rumores infundados, com os boatos inventados por imaginações febris. lnformai com factos, com resultados, sem julgar as intenções, mantendo a legítima diversidade de opiniões, num plano equânime, sem descer ao ataque pessoal. É difícil que haja verdadeira convivência onde falte a verdadeira informação; e a informação verdadeira é aquela que não tem medo à verdade e que não se deixa levar por desejos de subir, de falso prestígio ou de vantagens económicas.

(cont)









[i] Entrevista realizada por Andrés Garrigó, publicada em "Gaceta Universitaria" (Madrid, 5 de Outubro de 1967).





Pequena agenda do cristão

SÁBADO


(Coisas muito simples, curtas, objectivas)



Propósito:
Honrar a Santíssima Virgem.

A minha alma glorifica o Senhor e o meu espírito se alegra em Deus meu Salvador, porque pôs os olhos na humildade da Sua serva, de hoje em diante me chamarão bem-aventurada todas as gerações. O Todo-Poderoso fez em mim maravilhas, santo é o Seu nome. O Seu Amor se estende de geração em geração sobre os que O temem. Manifestou o poder do Seu braço, derrubou os poderosos do seu trono e exaltou os humildes, aos famintos encheu de bens e aos ricos despediu de mãos vazias. Acolheu a Israel Seu servo, lembrado da Sua misericórdia, como tinha prometido a Abraão e à sua descendência para sempre.

Lembrar-me:
Santíssima Virgem Mãe de Deus e minha Mãe.

Minha querida Mãe: Hoje queria oferecer-te um presente que te fosse agradável e que, de algum modo, significasse o amor e o carinho que sinto pela tua excelsa pessoa.
Não encontro, pobre de mim, nada mais que isto: O desejo profundo e sincero de me entregar nas tuas mãos de Mãe para que me leves a Teu Divino Filho Jesus. Sim, protegido pelo teu manto protector, guiado pela tua mão providencial, não me desviarei no caminho da salvação.

Pequeno exame:
Cumpri o propósito que me propus ontem?

30/01/2015

Os filhos de Deus têm de ser contemplativos

Nunca compartilharei a opinião – ainda que a respeite – dos que separam a oração da vida activa, como se fossem incompatíveis. Os filhos de Deus têm de ser contemplativos: pessoas que, no meio do fragor da multidão, sabem encontrar o silêncio da alma em colóquio permanente com Nosso Senhor: e olhá-lo como se olha um Pai, como se olha um Amigo, a quem se quer com loucura. (Forja, 738)

Não duvideis, meus filhos: qualquer forma de evasão das honestas realidades diárias é, para vós, homens e mulheres do mundo, coisa oposta à vontade de Deus.

Pelo contrário, deveis compreender agora – com uma nova clareza – que Deus vos chama a servi-Lo em e a partir das ocupações civis, materiais, seculares da vida humana: Deus espera-nos todos os dias no laboratório, no bloco operatório, no quartel, na cátedra universitária, na fábrica, na oficina, no campo, no lar e em todo o imenso panorama do trabalho. Ficai a saber: escondido nas situações mais comuns há um quê de santo, de divino, que toca a cada um de vós descobrir.

Eu costumava dizer àqueles universitários e àqueles operários que vinham ter comigo por volta de 1930 que tinham que saber materializar a vida espiritual. Queria afastá-los assim da tentação, tão frequente então como agora, de viver uma vida dupla: a vida interior, a vida de relação com Deus, por um lado; e por outro, diferente e separada, a vida familiar, profissional e social, cheia de pequenas realidades terrenas.

Não, meus filhos! Não pode haver uma vida dupla; se queremos ser cristãos, não podemos ser esquizofrénicos. Há uma única vida, feita de carne e espírito, e essa é que tem de ser – na alma e no corpo – santa e cheia de Deus, deste Deus invisível que encontramos nas coisas mais visíveis e materiais.


Não há outro caminho, meus filhos: ou sabemos encontrar Nosso Senhor na nossa vida corrente ou nunca O encontraremos Por isso posso dizer-vos que a nossa época precisa de restituir à matéria e às situações que parecem mais vulgares o seu sentido nobre e original, colocá-las ao serviço do Reino de Deus, espiritualizá-las, fazendo delas o meio e a ocasião do nosso encontro permanente com Jesus Cristo. (Temas Actuais do Cristianismo, n. 114)

Jesus Cristo e a Igreja - 53

O que diz o Evangelho de Judas?

Entre os diversos evangelhos apócrifos que são mencionados pelos Padres e pelos antigos autores eclesiásticos encontra-se o denominado Evangelho de Judas.

Dele Santo Ireneu, no seu tratado Contra as heresias, (1, 31, 1) escreve: “Outros declaram que Caim obteve o seu ser do Poder do alto e reconhecem que Esaú, Coré, os Sodomitas e esse tipo de pessoas estão relacionadas entre si. Por isso – acrescentam eles – foram assediados pelo Criador, embora nenhum tenha sofrido dano. Dizem que a Sabedoria tinha o costume de levar consigo o que lhe pertencia, partindo deles e retornando a ela mesma. Também dizem que Judas o traidor estava muito familiarizado com estas coisas e que apenas ele, sabendo a verdade como nenhum outro, levou a cabo o mistério da traição. Dizem que por sua culpa todas as coisas terrenas e celestiais foram dissolvidas. Foram estes que escreveram uma história fictícia a esse respeito e que denominam Evangelho de Judas”. A ele aludem também Santo Epifânio e Teodoreto de Ciro.

Dado que Ireneu escreveu a sua obra em 180, o Evangelho de Judas teve de ser escrito antes desta data, provavelmente em grego, entre 130 e 170. Da seita dos Caimitas não conhecemos mais do que aquilo que nos diz o texto de Ireneu. Não se sabe se era um grupo independente ou parte de uma seita gnóstica mais ampla.

Muito recentemente deu-se a conhecer a existência de um códice do século IV encontrado no Egipto, que contém um texto em copto do Evangelho de Judas. O códice contém também outros três escritos gnósticos. Com este novo achado podemos saber que o Evangelho de Judas recolhe uma suposta revelação de Jesus a Judas Iscariotes “três dias antes de ter celebrado a Páscoa”. Tal como no caso do Evangelho de Maria (ver a pergunta correspondente), trata-se de uma obra carente de qualquer conteúdo histórico, que utiliza o nome de Judas para transmitir ensinamentos ocultos, aos iniciados na seita. Depois de mencionar que Jesus fazia o seu ministério terreno fazendo milagres e mostrando-se às vezes diante dos seus discípulos sob a forma de um menino, conta um diálogo entre Jesus e os discípulos. Jesus ri-se do que estão a fazer (dar graças sobre o pão) e eles não gostam. Judas é o único que reage bem perante aquilo que Jesus pede, pelo que Jesus lhe diz: “Eu sei quem és e donde vens. Tu vens do reino imortal de Barbelo e eu não sou digno de pronunciar o nome de quem te enviou” (Barbelo é a primeira emanação de Deus nas cosmogonias gnósticas de tipo setiano). Seguem-se outros encontros e diálogos dos discípulos e de Judas com Jesus nos quais se tratam complicadas questões cósmicas. Quase no final conta-se como Jesus diz a Judas: “Tu excederás a todos, porque tu sacrificarás o homem de que estou revestido”. O escrito acaba por dizer que Judas recebeu dinheiro dos escribas e lhes entregou Jesus.

Este novo texto tem valor para o nosso conhecimento do gnosticismo do século II, mas do ponto de vista histórico não contribui nada – nem sobre Jesus, nem sobre os seus discípulos – que não saibamos pelos evangelhos. Contudo, este manuscrito – tal como os outros que foram descobertos no século passado – confirma a veracidade das informações que Ireneu, Epifânio e outros escritores antigos nos transmitiram sobre os grupos gnósticos.

© www.opusdei.org - Textos elaborados por uma equipa de professores de Teologia da Universidade de Navarra, dirigida por Francisco Varo.


Temas para meditar - 350


Fermento


Podeis ser como fermento no meio da massa, capazes de mudar as grandes metrópoles, as grandes cidades, os ambientes intelectuais e podeis construir um futuro melhor, porque é o homem quem constrói essa realidade humana. Efectivamente, se o homem se deixa levar pela força de Deus, se caminha com Ele, é capaz de mudar o mundo. Desejo que mudeis o mundo. Que a última palavra de nosso encontro UNIV 1982 seja este desejo de mudar o mundo.


(são joão paulo ii, Discurso aos jovens, UNIV, Roma, 1982.04.06)

Tratado do verbo encarnado 106

Questão 16: Do conveniente a Cristo no seu ser e no seu dever

Art. 3 — Se Cristo pode ser chamado o homem do Senhor.

O terceiro discute-se assim. — Parece que Cristo pode ser chamado. o homem do Senhor.

1. — Pois, diz Agostinho: Devemos advertir que são de se esperar os bens que existiam naquele homem do Senhor. Ora, refere-se a Cristo. Logo, parece que Cristo é homem do Senhor.

2. Demais. — Assim como o domínio convém a Cristo em razão da natureza divina, assim também a humanidade pertence à natureza humana. Ora, Deus é dito humanado, como o faz Damasceno quando, se refere à humanização, que demonstra a união com o homem. Logo, pela mesma razão, pode-se dar ao homem Cristo a denominação de homem do Senhor.

3. Demais. — Assim como a denominação latina dominicus (do Senhor) deriva de dominas, assim divino deriva de Deus. Ora, Dionísio diz que Cristo denomina o diviníssimo Jesus. Logo, pela mesma razão, podemos dizer que Cristo é o homem do Senhor.

Mas, em contrário, Agostinho diz: Não vejo se se chama com acerto a Jesus Cristo homem do Senhor, pois é propriamente Senhor.

Como dissemos, quando dizemos o homem. Jesus Cristo, designamos o suposto eterno, que é a pessoa do Filho de Deus, porque ambas as suas naturezas tem o mesmo suposto. Ora, da pessoa do Filho de Deus se predica Deus e Senhor, essencialmente. Logo, não devem ser predicados denominativamente, porque iria contra a verdade da união. Donde, como dominicus (do Senhor) tira a sua denominação de dominus (Senhor), não podemos dizer verdadeira e propriamente que Cristo seja o homem do Senhor, mas antes, que é Senhor, Mas, se pela expressão Jesus Cristo homem designamos um suposto criado, como o ensinam os que introduzem em Cristo dois supostos, podemos então dizer que Cristo é homem do Senhor, por ter sido assumido para participar da honra divina, como o ensinavam os Nestorianos. E também deste modo não dizemos que a natureza é essencialmente deusa, mas, deificada, não, certamente, por se converter na natureza divina, mas pela união com a natureza divina, na unidade da hipóstase, como está claro em Damasceno.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Agostinho retratou essas expressões e outras semelhantes. Por isso, depois das palavras dessa retratação acrescenta: Onde disse, que Cristo Jesus fosse homem do Senhor, não queria tê-lo dito, pois, vi a seguir, que não devia ser assim, porque nenhuma razão o pode sustentar. Isto é, porque poderia alguém dizer que é chamado homem do Senhor em razão da natureza humana, significada pela palavra homem, mas não em razão do suposto.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Esse suposto único, da natureza divina e da humana foi, primeiro, da natureza divina isto é, abeterno, mas depois temporalmente, pela Encarnação foi feito o suposto da natureza humana. E por isso se chama humanado, não por ter assumido o homem, mas porque assumiu a natureza humana. Mas não se dá o inverso, a saber, que o suposto da natureza humana tivesse assumido a natureza humana. Por isso, Cristo não pode ser chamado homem deificado ou do Senhor.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O nome divino costuma predicar-se também daquilo de que se predica essencialmente o nome de Deus. Assim, dizemos que a essência divina é Deus, em razão da identidade, e que a essência é de Deus ou divina, pelo modo diverso de significar, e Verbo divino, embora o Verbo seja Deus. E semelhantemente, dizemos pessoa divina como dizemos também a pessoa de Platão, por causa do modo diverso de significar. Ora, a expressão — do Senhor — não se predica daquilo de que se predica o nome de Senhor, assim, não se costuma dizer que um homem, que é senhor, seja do senhor, mas, o que de algum modo é do senhor se chama do senhor, como quando dizemos: a vontade do Senhor ou a mão do Senhor ou a paixão do Senhor. Donde, o homem Cristo, que é Senhor, não pode ser chamado do Senhor, mas a sua carne pode ser denominada carne do Senhor e a sua paixão do Senhor.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Ev. diário L. Esp. (Temas actuais do cristianismo)

Tempo Comum III Semana

Evangelho: Mc 4 26-34

26 Dizia também: «O reino de Deus é como um homem que lança a semente à terra. 27 Dorme e se levanta, noite e dia, e a semente germina e cresce sem ele saber como. 28 Porque a terra por si mesma produz, primeiramente a haste, depois a espiga, e por último a espiga cheia de grãos. 29 E, quando o fruto está maduro, mete logo a foice, porque chegou o tempo da ceifa». 30 Dizia mais: «A que coisa compararemos nós o reino de Deus? Com que parábola o representaremos? 31 É como um grão de mostarda que, quando se semeia no campo, é a menor de todas as sementes que há na terra; 32 mas, depois que é semeado, cresce e torna-se maior que todas as hortaliças, e cria ramos tão grandes que “as aves do céu podem vir abrigar-se à sua sombra”». 33 Assim lhes propunha a palavra com muitas parábolas como estas, conforme eram capazes de compreender. 34 Não lhes falava sem parábolas; porém, em particular explicava tudo aos Seus discípulos.

Comentário

O Reino de Deus existe quer o homem queira ou não, deseje ou não fazer parte dele.
O Senhor explica abundantemente e com paciência amorosa o que é esse Reino e as vantagens – reais – de participar no seu anúncio a todos os homens sem distinção ou acepção.
Os trabalhadores do Reino, que devemos ser todos os cristãos, têm uma garantia de “sucesso” que é dada pelo próprio Rei: mesmo que a sua acção seja como um grão de mostarda, aparentemente insignificante, o resultado ultrapassa em tudo o que possamos imaginar.

Grandes e pequenas sementeiras, todas darão fruto porque é O Senhor Quem os faz surgir para os santificar e distribuir por todos.

(ama, comentário sobre Mc 4, 26-34, 2014.01.31)


Leitura espiritual


São Josemaria Escrivá

Temas actuais do cristianismo [i]

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Monsenhor, gostaríamos que nos dissesse quais são, no seu entender, os fins essenciais da Universidade e como deve situar-se o ensino da religião dentro dos estudos universitários.

A Universidade - como sabeis, porque o viveis ou o desejais viver - deve prestar uma contribuição de primeira importância para o progresso humano. Como os problemas que se apresentam na vida dos povos são múltiplos e complexos - espirituais, culturais, sociais, económicos, etc. - a formação que a Universidade deve proporcionar há-de abranger todos esses aspectos.

O desejo de TRABALHAR pelo bem comum não basta; o caminho para que este desejo se torne realidade é preparar homens e mulheres capazes de adquirirem uma boa preparação e capazes de darem aos outros o fruto dessa plenitude que adquiriram.

A religião é a maior rebelião do homem que não quer viver como um animal, que não se conforma, que não sossega, se não conhece e priva com o Criador; o estudo da religião é portanto uma necessidade fundamental. Um homem que careça de formação religiosa não está completamente formado. Por isso a religião deve estar presente na Universidade e deve ensinar-se a nível superior, científico, de boa teologia. Uma Universidade da qual a religião esteja ausente é uma Universidade incompleta, porque ignora uma dimensão fundamental da pessoa humana, que não exclui - antes exige - as outras dimensões.

Por outro lado, ninguém pode violar a liberdade das consciências: o ensino da religião deve ser livre, ainda que o cristão saiba que, se quer ser coerente com a sua fé, tem obrigação grave de se formar bem nesse terreno, de possuir, portanto, uma cultura religiosa, isto é, de adquirir doutrina, para poder viver dela e para poder dar testemunho de Cristo com o exemplo e com a palavra.

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No período da história que vivemos há uma preocupação singular pela democratização do ensino, pela sua acessibilidade a todas as classes sociais e não se pode conceber a instituição universitária sem uma projecção ou função social. Em que sentido entende esta democratização e de que modo pode a Universidade cumprir a sua função social?

É necessário que a Universidade incuta nos estudantes uma mentalidade de serviço: serviço à sociedade, promovendo o bem comum através do TRABALHO profissional e da actuação pública. Os universitários devem ser responsáveis, sentir uma sã inquietação pelos problemas dos outros e um espírito generoso que os leve a enfrentar estes problemas e a procurar encontrar-lhes a melhor solução. É missão da Universidade dar tudo isto aos estudantes.

Todos aqueles que reunirem condições devem ter acesso aos estudos superiores, sejam quais forem a sua origem social, os seus meios económicos, a sua raça ou religião. Enquanto existirem barreiras desta natureza, a democratização do ensino será apenas uma frase oca.

Em resumo: a Universidade deve estar aberta a todos e, por outro lado, deve formar os estudantes para que o seu futuro trabalho profissional venha a estar ao serviço de todos.

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Muitos estudantes desejam adoptar uma atitude activa ante o panorama que observam em todo o mundo e sentem-se solidários de tantas pessoas que sofrem física e moralmente ou que vivem na indigência. Que ideias sociais proporia o senhor a esta juventude intelectual de hoje?

O ideal é, sobretudo, a realidade de um trabalho bem feito, a adequada preparação científica durante os anos da Universidade. A partir desta base, há milhares de lugares no mundo que precisam de braços, que esperam por um trabalho pessoal, duro e sacrificado. A Universidade não deve formar homens que consumam egoisticamente as vantagens alcançadas com os seus estudos; deve prepará-los para uma tarefa de generosa ajuda ao próximo, de fraternidade cristã.

Muitas vezes esta solidariedade esgota-se em manifestações orais ou escritas, quando não em algazarras estéreis ou prejudiciais. A solidariedade, meço-a eu por obras de serviço: conheço milhares de casos de estudantes, de muitos países, que renunciaram ao seu pequeno mundo privado, dando-se aos outros mediante um trabalho profissional que procuram fazer com perfeição humana, em obras de ensino, de assistência, sociais, etc., com espírito sempre jovem e cheio de alegria.

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Perante a actualidade sócio-política do nosso e dos restantes países, perante a guerra, a injustiça ou a opressão, que responsabilidade atribui à Universidade como corporação, aos professores e aos alunos? Pode a Universidade, seja como for, admitir dentro do seu âmbito o desenvolvimento de actividades políticas por parte de estudantes e professores?

Antes de mais nada quero dizer que nesta conversa estou exprimindo uma opinião, a minha, a de uma pessoa que desde os dezasseis anos - agora tenho sessenta e cinco - não perdeu o contacto com a Universidade. Exponho o meu modo pessoal de ver esta questão, não o modo de ver do Opus Dei, que em todas as coisas temporais e discutíveis não quer nem pode ter opção nenhuma - cada sócio da Obra tem e exprime livremente o seu próprio parecer pessoal, pelo qual é também pessoalmente responsável - já que o fim do Opus Dei é exclusivamente espiritual.

Voltando à sua pergunta, parece-me que seria preciso, em primeiro lugar, chegar a um acordo sobre o que significa política. Se por política se entende interessar-se e trabalhar em favor da paz, da justiça social, da liberdade de todos - então, todos na Universidade, e a Universidade como corporação, têm obrigação de sentir esses ideais e de fomentar a preocupação de resolver os grandes problemas da vida humana.

Se, em vez disso, se entende por política a solução concreta de um determinado problema, a par de outras soluções possíveis e legítimas, em confronto com os que sustentam o contrário, penso que não é a Universidade a instância que tem de pronunciar-se a esse respeito.

A Universidade é o lugar onde as pessoas se preparam para dar soluções a esses problemas; é a casa comum, lugar de estudo e de amizade; lugar onde devem conviver em paz pessoas de diversas tendências que, em cada momento, sejam expressão do legítimo pluralismo que existe na sociedade.

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Se o condicionalismo político de determinado país chegasse a tal situação que um universitário - professor ou aluno - considerasse preferível, em consciência, politizar a Universidade, por carecer de meios lícitos para evitar o mal geral da nação, poderia, no uso da sua liberdade, fazê-lo?

Se num país não existisse a mínima liberdade política talvez se produzisse uma desnaturalização tal da Universidade, que, deixando de ser a casa comum, se viesse a converter em campo de batalha de facções opostas.

Penso, não obstante, que seria preferível dedicar esses anos a uma preparação séria, a formar uma mentalidade social, para que aqueles que mais tarde houvessem de mandar - os que agora estudam - não caíssem nessa aversão à liberdade pessoal que é verdadeiramente patológica. Se a Universidade se converte no lugar onde se debatem e se decidem problemas políticos concretos, é fácil que se perca a serenidade académica e que os estudantes se formem num espírito de partidarismo; e assim, a Universidade e o país arrastarão sempre esse mal crónico que é o totalitarismo, seja qual for o seu sinal.

Quero, no entanto, esclarecer, ao afirmar que a Universidade não é lugar para a política, que não excluo, antes desejo, um estatuto político normal para todos os cidadãos. E se bem que a minha opinião sobre este ponto seja muito concreta, não quero acrescentar mais nada, porque a minha missão não é política, mas sacerdotal. Tenho direito a dizer o que disse, porque me considero universitário e tudo aquilo que se refere à Universidade me apaixona. Não faço, nem quero, nem posso fazer política. Mas a minha mentalidade de jurista e de teólogo - e a minha fé cristã também - levam-me a estar sempre ao lado da legítima liberdade de todos os homens.

Ninguém pode pretender, em questões temporais, impor dogmas que não existem. Ante um problema concreto, qualquer que ele seja, a solução deve ser estudá-lo bem e, depois, actuar em consciência, com liberdade e com responsabilidade também pessoal.

78             
Quais são, em sua opinião, as funções que competem às associações ou sindicatos de estudantes? Como devem ser as suas relações com as autoridades académicas?

Pede-se-me um juízo sobre uma questão muito ampla. Não vou, por isso, descer a pormenores; só algumas ideias gerais. Penso que as associações de estudantes devem intervir nas tarefas universitárias específicas. Há-de haver representantes - eleitos livremente pelos seus colegas - que entrem em relação com as autoridades académicas, conscientes de que têm de trabalhar em uníssono, numa actividade comum. É outra boa oportunidade de prestar um verdadeiro serviço.

É necessário um estudo que estabeleça as regras a seguir para que esta actividade se realize com eficácia, com justiça e de forma racional. Os assuntos devem ser bem trabalhados, bem pensados; se as soluções que se propõem forem bem estudadas, nascidas do desejo de construir e não do afã de criar conflitos, adquirem uma autoridade interna que faz com que se imponham por si sós.

Para tudo isto é preciso que os representantes das associações tenham uma formação séria: que amem a liberdade dos outros em primeiro lugar e a sua própria liberdade, com a consequente responsabilidade; que não desejem o brilho pessoal nem se atribuam faculdades que não têm, mas busquem o bem da Universidade, que é o bem dos seus companheiros de estudo. E que os eleitores escolham os seus representantes por essas qualidades e não por razões alheias à eficácia da sua Alma Mater: só assim a Universidade será o lugar de paz, remanso de serena e nobre inquietação, que facilita o estudo e a formação de todos.

79             
Em que sentido entende o senhor a liberdade de ensino e em que condições a considera necessária? Neste sentido, que atribuições se devem reservar ao Estado em matéria de ensino superior? Considera que a autonomia é um princípio básico para a organização da Universidade? Poder-nos-ia indicar as linhas mestras nas quais se deve fundar o sistema de autonomia?

A liberdade de ensino é apenas um aspecto da liberdade em geral. Considero a liberdade pessoal necessária para todos e em tudo o que é moralmente lícito. Liberdade de ensino, portanto, em todos os níveis e para todas as pessoas! Quer isto dizer que toda a pessoa ou associação com capacidade para tal deve ter a possibilidade de fundar centros de ensino em igualdade de condições e sem impedimentos desnecessários.

A função do Estado depende da situação social: é diferente na Alemanha ou na Inglaterra, no Japão ou nos Estados Unidos, para citar países com estruturas educacionais muito diversas. O Estado tem evidentemente funções de promoção, de controle, de vigilância. E isso exige igualdade de oportunidades entre a iniciativa privada e a do Estado: vigiar não é pôr obstáculos, nem impedir ou coarctar a liberdade.

Por isso considero necessária a autonomia docente: autonomia é outra forma de dizer liberdade de ensino. A Universidade como corporação deve ter a independência dum órgão num corpo vivo, liberdade na sua tarefa específica em favor do bem comum.

Alguns passos a dar para a efectiva realização desta autonomia podem ser: liberdade de escolha do professorado e dos administradores; liberdade para o estabelecimento dos planos de estudo; possibilidade de constituir o seu património e de o administrar. Enfim, todas as condições necessárias para que a Universidade goze de vida própria. Tendo esta vida própria, saberá dá-la, para bem de toda a sociedade.

80             
Descobre-se na opinião estudantil uma crítica cada vez mais intensa ao sistema de cátedra universitária vitalícia. Parece-lhe acertada esta corrente de opinião?

Parece. Se bem que reconheça o alto nível científico e humano do professorado espanhol, prefiro o sistema de contratar livremente os professores. Penso que este sistema não prejudica economicamente o professor e constitui um incentivo para que o catedrático não deixe nunca de investigar e de progredir na sua especialidade. Evita também que as cátedras sejam tidas como feudos em vez de lugares de serviço.

Não excluo que o sistema de cátedra vitalícia possa dar bons resultados nalgum país, nem que com esse sistema se verifiquem casos de catedráticos muito competentes, que fazem da sua cátedra um verdadeiro serviço à Universidade. Mas parece-me que o sistema de contratação livre permite que estes casos sejam em maior número, até conseguir o ideal de que o sejam praticamente todos.

81             
Não é de opinião que, depois do Vaticano II, ficaram antiquados os conceitos de "colégios da Igreja", "colégios católicos", "Universidades da igreja", etc.? Não lhe parece que tais conceitos comprometem indevidamente a Igreja ou soam a privilégio?

Não, não me parece, se por colégios da Igreja, colégios católicos, etc., se entender o resultado do direito que a Igreja e as Ordens e Congregações religiosas têm de criar centros de ensino. Montar um colégio ou uma universidade não é um privilégio, mas um encargo, quando se procura que seja um centro para todos, e não apenas para os que dispõem de recursos económicos.

O Concílio não pretendeu declarar superadas as instituições docentes confessionais: só quis fazer ver que há outra forma - inclusivamente mais necessária e universal, vivida há tantos anos pelos sócios do Opus Dei - de presença cristã no ensino, que é a livre iniciativa dos cidadãos católicos que têm profissões ligadas à educação, dentro e fora dos centros criados pelo Estado. É mais uma manifestação da plena consciência que a Igreja tem, nestes tempos, da fecundidade do apostolado dos leigos.

Tenho de confessar, por outro lado, que não simpatizo com as expressões escola católica, colégios da Igreja, etc., ainda que respeite todos aqueles que pensam o contrário. Prefiro que as realidades se distingam pelos seus frutos, não pelos seus nomes. Um colégio será efectivamente cristão quando, sendo como os restantes e esmerando-se por progredir, realizar um trabalho de formação completa - também cristã - respeitando a liberdade pessoal e promovendo a urgente justiça social. Se faz isto realmente, o nome é de somenos. Pessoalmente, repito, prefiro evitar esses adjectivos.

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[i] Entrevista realizada por Andrés Garrigó, publicada em "Gaceta Universitaria" (Madrid, 5 de Outubro de 1967).