30/01/2015

Tratado do verbo encarnado 106

Questão 16: Do conveniente a Cristo no seu ser e no seu dever

Art. 3 — Se Cristo pode ser chamado o homem do Senhor.

O terceiro discute-se assim. — Parece que Cristo pode ser chamado. o homem do Senhor.

1. — Pois, diz Agostinho: Devemos advertir que são de se esperar os bens que existiam naquele homem do Senhor. Ora, refere-se a Cristo. Logo, parece que Cristo é homem do Senhor.

2. Demais. — Assim como o domínio convém a Cristo em razão da natureza divina, assim também a humanidade pertence à natureza humana. Ora, Deus é dito humanado, como o faz Damasceno quando, se refere à humanização, que demonstra a união com o homem. Logo, pela mesma razão, pode-se dar ao homem Cristo a denominação de homem do Senhor.

3. Demais. — Assim como a denominação latina dominicus (do Senhor) deriva de dominas, assim divino deriva de Deus. Ora, Dionísio diz que Cristo denomina o diviníssimo Jesus. Logo, pela mesma razão, podemos dizer que Cristo é o homem do Senhor.

Mas, em contrário, Agostinho diz: Não vejo se se chama com acerto a Jesus Cristo homem do Senhor, pois é propriamente Senhor.

Como dissemos, quando dizemos o homem. Jesus Cristo, designamos o suposto eterno, que é a pessoa do Filho de Deus, porque ambas as suas naturezas tem o mesmo suposto. Ora, da pessoa do Filho de Deus se predica Deus e Senhor, essencialmente. Logo, não devem ser predicados denominativamente, porque iria contra a verdade da união. Donde, como dominicus (do Senhor) tira a sua denominação de dominus (Senhor), não podemos dizer verdadeira e propriamente que Cristo seja o homem do Senhor, mas antes, que é Senhor, Mas, se pela expressão Jesus Cristo homem designamos um suposto criado, como o ensinam os que introduzem em Cristo dois supostos, podemos então dizer que Cristo é homem do Senhor, por ter sido assumido para participar da honra divina, como o ensinavam os Nestorianos. E também deste modo não dizemos que a natureza é essencialmente deusa, mas, deificada, não, certamente, por se converter na natureza divina, mas pela união com a natureza divina, na unidade da hipóstase, como está claro em Damasceno.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Agostinho retratou essas expressões e outras semelhantes. Por isso, depois das palavras dessa retratação acrescenta: Onde disse, que Cristo Jesus fosse homem do Senhor, não queria tê-lo dito, pois, vi a seguir, que não devia ser assim, porque nenhuma razão o pode sustentar. Isto é, porque poderia alguém dizer que é chamado homem do Senhor em razão da natureza humana, significada pela palavra homem, mas não em razão do suposto.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Esse suposto único, da natureza divina e da humana foi, primeiro, da natureza divina isto é, abeterno, mas depois temporalmente, pela Encarnação foi feito o suposto da natureza humana. E por isso se chama humanado, não por ter assumido o homem, mas porque assumiu a natureza humana. Mas não se dá o inverso, a saber, que o suposto da natureza humana tivesse assumido a natureza humana. Por isso, Cristo não pode ser chamado homem deificado ou do Senhor.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O nome divino costuma predicar-se também daquilo de que se predica essencialmente o nome de Deus. Assim, dizemos que a essência divina é Deus, em razão da identidade, e que a essência é de Deus ou divina, pelo modo diverso de significar, e Verbo divino, embora o Verbo seja Deus. E semelhantemente, dizemos pessoa divina como dizemos também a pessoa de Platão, por causa do modo diverso de significar. Ora, a expressão — do Senhor — não se predica daquilo de que se predica o nome de Senhor, assim, não se costuma dizer que um homem, que é senhor, seja do senhor, mas, o que de algum modo é do senhor se chama do senhor, como quando dizemos: a vontade do Senhor ou a mão do Senhor ou a paixão do Senhor. Donde, o homem Cristo, que é Senhor, não pode ser chamado do Senhor, mas a sua carne pode ser denominada carne do Senhor e a sua paixão do Senhor.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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