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Leitura Espiritual
Amigos de Deus |
213
Às vezes, quando tudo nos acontece ao
contrário do que imaginávamos, vem-nos espontaneamente à boca: Senhor, olha que
se afunda tudo, tudo, tudo...!
Chegou
a hora de rectificar: contigo, avançarei seguro, porque Tu és a própria
fortaleza: quia tu es, Deus, fortitudo
mea.
Roguei-te que, no meio das ocupações,
procures levantar os teus olhos ao Céu perseverantemente, porque a esperança
nos impele a agarrar-nos a essa mão forte que Deus nos estende sem cessar, com
o fim de não perdermos o ponto de mira sobrenatural; isto também quando as
paixões se levantam e nos acometem para nos aferrolharem no reduto mesquinho do
nosso eu, ou quando - com pueril vaidade - nos sentimos o centro do universo.
Eu
vivo persuadido de que, sem olhar para o alto, sem Jesus, jamais conseguirei
nada; e sei que a minha fortaleza, para me vencer e para vencer, nasce de
repetir aquele brado: tudo posso n'Aquele
que me conforta, que contém a segura promessa de Deus de não abandonar os
seus filhos, se os seus filhos não o abandonarem.
214
A
miséria e o perdão
Tanto se aproximou o senhor das criaturas,
que todos guardamos no coração fome de altura, ânsias de subir muito alto, de
fazer o bem.
Se
agora renovo em ti essas aspirações, é porque quero que te convenças da
segurança que Ele pôs na tua alma: se o deixares actuar, servirás - onde estás
- como instrumento útil, com uma eficácia insuspeitada.
Para
que não te afastes por cobardia da confiança que Deus deposita em ti, evita a
presunção de menosprezar ingenuamente as dificuldades que aparecerão no teu
caminho de cristão.
Não temos de estranhar.
Trazemos
em nós mesmos - consequência da natureza decaída - um princípio de oposição, de
resistência à graça: são as feridas do pecado original, agravadas pelos nossos
pecados pessoais.
Portanto,
temos de empreender as ascensões, as tarefas divinas e humanas - as de cada dia
- que sempre desembocam no Amor de Deus, com humildade, com coração contrito,
fiados na assistência divina e dedicando os nossos melhores esforços, como se
tudo dependesse de nós mesmos.
Enquanto pelejamos - uma peleja que durará
até à morte - não excluas a possibilidade de que se levantem, violentos, os inimigos
de fora e de dentro.
E,
como se fosse pequeno o lastro, às vezes, acumular-se-ão na tua mente os erros
cometidos, talvez abundantes.
Em
nome de Deus te digo: não desesperes.
Quando
isso suceder - não tem necessariamente que suceder, nem será o habitual -
converte essa ocasião num motivo para te unires mais com o Senhor; porque Ele,
que te escolheu como filho, não te abandonará.
Permite
a prova, para que ames mais e descubras com mais clareza a sua contínua
protecção, o seu Amor.
Insisto, tem ânimo, porque Cristo, que nos
perdoou na Cruz, continua a oferecer o seu perdão no Sacramento da Penitência e
sempre temos um advogado junto do Pai, Jesus Cristo, o Justo.
Ele
mesmo é a vítima de propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos
nossos mas também pelos de todo o mundo, para que alcancemos a Vitória.
Para a frente, aconteça o que acontecer!
Bem
agarrado ao braço do Senhor, considera que Deus não perde batalhas.
Se,
por qualquer motivo, te afastas d'Ele, reage com a humildade de começar e de
recomeçar; de fazer de filho pródigo todos os dias, inclusive repetidamente nas
vinte e quatro horas do dia; de reconciliar o teu coração contrito na
Confissão, verdadeiro milagre do Amor de Deus.
Neste
Sacramento maravilhoso, o Senhor limpa a tua alma e inunda-te de alegria e de
força para não desanimares na tua luta e para voltares de novo sem cansaço a
Deus, mesmo quando tudo te pareça obscuro.
Além
disso, a Mãe de Deus, que é também nossa Mãe, protege-te com a sua solicitude
maternal e dá-te confiança no teu caminhar.
215
Deus
não se cansa de perdoar
A sagrada Escritura adverte que até o justo
cai sete vezes. Sempre que leio estas palavras, a minha alma estremece com um
forte abalo de amor e de dor.
Uma
vez mais, vem o Senhor ao nosso encontro, com essa advertência divina, para nos
falar da sua misericórdia, da sua ternura, da sua clemência, que nunca acabam.
Estai
seguros: Deus não quer as nossas misérias, mas não as desconhece e conta
precisamente com essas debilidades para que nos façamos santos.
Um abalo de amor, dizia-vos.
Considero
a minha vida e, com sinceridade, vejo que não sou nada, que não valho nada, que
não tenho nada, que não posso nada; mais: que sou o nada!
Mas
Ele é o tudo e, ao mesmo tempo, é meu, e eu sou d'Ele, porque não me repele,
porque se entregou por mim.
Contemplastes
amor maior?
E um abalo de dor, pois examino a minha
conduta e assombro-me perante o conjunto das minhas negligências.
Basta-me
examinar as poucas horas decorridas desde que me levantei hoje, para descobrir
tanta falta de amor, de correspondência fiel. Penaliza-me deveras este meu
comportamento, mas não me tira a paz.
Prostro-me
diante de Deus e exponho-lhe claramente a minha situação.
Logo
tenho a segurança da sua assistência e oiço no fundo do meu coração o que ele
me repete devagar: meus es tu!
Sabia
- e sei - como és; para a frente!
Não pode ser de outra maneira.
Se
acorrermos continuamente a pôr-nos na presença do Senhor, aumentará a nossa
confiança, ao comprovarmos que o seu Amor e o seu chamamento permanecem
actuais: Deus não se cansa de nos amar.
A
esperança demonstra-nos que, sem Ele, não conseguimos realizar nem o mais
pequeno dever; e com ele, com a sua graça, cicatrizarão as nossas feridas;
revestir-nos-emos da sua fortaleza para resistir aos ataques do inimigo e
melhoraremos.
Em
resumo: a consciência de que somos feitos de barro ordinário há-de servir-nos,
sobretudo, para afirmarmos a nossa esperança em Cristo Jesus.
216
Misturai-vos com frequência entre os personagens
do Novo Testamento.
Saboreai
aquelas cenas comovedoras em que o Mestre actua com gestos divinos e humanos ou
relata, com frases humanas e divinas, a história sublime do perdão e do seu
contínuo Amor pelos seus filhos. Esses reflexos do Céu renovam-se também agora
na perenidade actual do Evangelho: palpa-se, nota-se, pode-se afirmar que se
toca com as mãos a protecção divina; um amparo que adquire vigor, quando
prosseguimos apesar dos tropeções, quando começamos e recomeçamos, pois isto é
a vida interior vivida com a esperança em Deus.
Sem este empenho em superar os obstáculos de
dentro e de fora, não nos será concedido o prémio.
Nenhum
atleta será premiado, se não lutar verdadeiramente, e não seria autêntico o
combate se faltasse o adversário com quem pelejar. Portanto, se não houver
adversário, não haverá coroa; pois não pode haver vencedor, onde não há
vencido.
Longe de nos desalentarem, as contrariedades
hão-de ser um acicate para crescermos como cristãos; nessa luta nos
santificamos e o nosso trabalho apostólico adquire maior eficácia.
Ao
meditar nos momentos em que Jesus Cristo - no Horto das Oliveiras e, mais
tarde, no abandono e ludíbrio da Cruz - aceita e ama a Vontade do Pai, enquanto
sente o peso gigantesco da Paixão, temos de nos persuadir de que para imitar
Cristo, para ser bons discípulos d'Ele, é preciso que sigamos o seu conselho: se alguém quer vir atrás de mim, negue-se a
si mesmo, tome a sua cruz e siga-me.
Por
isso, gosto de pedir a Jesus para mim: Senhor, nenhum dia sem cruz!
Assim,
com a graça divina, se reforçará o nosso carácter e serviremos de apoio ao
nosso Deus, superando as nossas misérias pessoais.
Compreende bem isto: se ao cravar um prego na
parede, não encontrasses resistência, que poderias pendurar dele?
Se
não nos robustecermos, com o auxílio divino, por meio do sacrifício, não
alcançaremos a condição de instrumentos do Senhor.
Pelo
contrário, se nos decidirmos a aproveitar com alegria as contrariedades, por
amor de Deus, ao enfrentar o que é difícil e desagradável, o que é duro e
incómodo, não nos custará exclamar com os Apóstolos Tiago e João: Podemos!
(cont)