Páscoa
Evangelho:
Jo 6, 52-59
52 Disputavam, então, entre si os
judeus: «Como pode Este dar-nos a comer a Sua carne?». 53 Jesus disse-lhes: «Em
verdade, em verdade vos digo: Se não comerdes a carne do Filho do Homem e não
beberdes o Seu sangue não tereis a vida em vós. 54 Quem come a Minha carne e
bebe o Meu sangue tem a vida eterna, e Eu o ressuscitarei no último dia. 55
Porque a Minha carne é verdadeiramente comida e o Meu sangue verdadeiramente
bebida. 56 Quem come a Minha carne e bebe o Meu sangue permanece em Mim e Eu
nele. 57 Assim como Me enviou o Pai que vive e Eu vivo pelo Pai, assim quem Me
comer a Mim, esse mesmo também viverá por Mim. 58 Este é o pão que desceu do
céu. Não é como o pão que comeram os vossos pais, e morreram. Quem come deste
pão viverá eternamente». 59 Jesus disse estas coisas ensinando em Cafarnaum, na
sinagoga.
Comentário:
Com a Sagrada Comunhão também nós -
podemos dizê-lo - nos transformamos em Cristo.
De facto, enquanto durarem as Sagradas
Espécies no nosso corpo Cristo vive em nós de forma fisicamente real.
Mais, durante esses minutos somos de
facto santos!
Com que piedade e sumo respeito
devemos comungar!
(ama, comentário sobre Jo 6 52-59
2015.04.24)
Leitura espiritual
SANTO
AGOSTINHO – CONFISSÕES
LIVRO
DÉCIMO
CAPÍTULO
XXXII
Os
prazeres do olfato
Quanto à sedução dos
perfumes, não me preocupo demais. Quando ausentes, não os procuro; quando
presentes, não os recuso, mas estou sempre disposto a abster-me deles. Pelo menos
assim me parece, embora talvez me engane. Trevas deploráveis me envolvem, que
me esconda as minhas faculdades reais; por isso, quando o meu espírito indaga a
respeito das suas forças, bem sabe que não pode confiar em si mesmo, por o seu
íntimo permanecer muitas vezes insondável, até que a experiência lho manifeste.
Ninguém pois se deve ter seguro nesta vida, que é tentação perpétua. Pois como
podemos tornar-nos melhores, não aconteça tornar-nos piores. A nossa única
esperança, a nossa única confiança, a nossa firme promessa é a tua misericórdia.
CAPÍTULO
XXXIII
Os
prazeres do ouvido
Os prazeres do ouvido prendem-me
e subjugam-me com mais força, mas tu me desligaste, me libertaste.
Agradam-me ainda, eu o
confesso, os cânticos que as tuas palavras vivificam, quando executados por voz
suave e artística; todavia eles não me prendem, e deles posso desenvencilhar-me
quando quero. Para assentarem no meu íntimo, em companhia com os pensamentos
que lhe dão vida, buscam no meu coração um lugar de dignidade, mas eu esforço-me
ou ofereço-me para ceder-lhes só o lugar conveniente.
Às vezes parece-me
tributar-lhe mais atenção do que devia: sinto que as tuas palavras santas,
acompanhadas do canto, me inflamam de piedade mais devota e mais ardente do que
se fossem cantadas de outro modo. Sinto que as emoções da alma encontram na voz
e no canto, conforme as suas peculiaridades, o seu modo de expressão próprio,
um misterioso estímulo de afinidade.
Mas o prazer dos sentidos,
que não deveria seduzir o espírito, muitas vezes engana-me.
Os sentidos não se limitam
a seguir, humildemente, a razão; e mesmo tendo sido admitidos graças à ela,
buscam precedê-la e conduzi-la. É nisso que peco sem o sentir, embora depois o perceba.
Outras vezes, porém,
querendo exageradamente evitar este engano, peco por excessiva severidade;
chego ao ponto de querer afastar dos meus ouvidos, e da própria Igreja, a
melodia dos suaves cânticos que habitualmente acompanham os salmos de David.
Nessas ocasiões parece-me que o mais seguro seria adoptar o costume de Atanásio,
bispo de Alexandria. Segundo me relataram, ele mandava-os recitar com tão fraca
inflexão de voz, que era mais uma declamação do que um canto.
Contudo, quando me lembro
das lágrimas que derramei ao ouvir os cantos da tua Igreja, nos primórdios da minha
conversão, e que ainda agora me comovem, não tanto com o canto, mas com as
letras cantadas, voz clara e modulações apropriadas, reconheço novamente a
grande utilidade desse costume.
Assim, oscilo entre o
perigo do prazer e a constatação dos efeitos salutares do canto. Por isso, sem
emitir juízo definitivo, inclino-me a aprovar o costume de cantar na igreja,
para que, pelo prazer do ouvido, a alma ainda muito fraca, se eleve aos
sentimentos de piedade. E quando me comovem mais os cantos do que as palavras
cantadas, confesso o meu pecado e mereço penitência, e então preferiria não
ouvir cantar.
Eis em que estado me
encontro! Chorai comigo, e chorai por mim, vós que alimentais no coração a
virtude, fonte de boas obras. Porque vós, a quem isso não afecta, sois
insensíveis a tudo isso. E tu, Senhor meu Deus, escuta, olha e vê; tem piedade
de mim, cura-me. Eis que me tornei um problema para mim mesmo, sob o teu olhar,
e aí está precisamente o meu mal.
CAPÍTULO
XXXIV
O
prazer dos olhos
Resta ainda falar do
prazer destes olhos carnais. Oxalá que os ouvidos fraternos e piedosos do teu
templo ouvissem a minha confissão! Encerrando assim as tentações da concupiscência
que ainda me perseguem, apesar dos meus gemidos e dos desejos de ser revestido do
meu tabernáculo, que é o céu.
Os meus olhos apreciam as
formas belas e variadas, as cores brilhantes e amenas. Oxalá elas não me
acorrentassem a alma! Oxalá ela só fosse presa pelo Deus que criou coisas tão boas:
ele é o meu bem, e não elas. Todos os dias, estando acordado, elas importunam-me
sem o descanso das vozes que se calam, e às vezes de tudo o que existe, quando
silencia. A própria rainha das cores, a luz que inunda tudo o que vemos, e onde
quer que eu esteja durante o dia, acaricia-me de mil modos, mesmo quando estou
ocupado noutra coisa e não lhe presto atenção.
E ela insinua-se tão
fortemente que, se de repente me for tirada, a desejo, a procuro e, se a sua ausência
se prolonga, a alma se entristece.
Ó luz que Tobias
contemplava quando, cego, mostrava ao filho o caminho da vida, caminhando à sua
frente com os passos da caridade, sem jamais se perder! Luz que via Isaac, quando
os seus olhos carnais, oprimidos e velados pela velhice, mereceram não abençoar
os filhos reconhecendo-os, mas reconhecê-los ao abençoá-los! Luz que via Jacob,
também cego pela idade provecta, irradiou os fulgores do seu coração iluminado
sobre as gerações do povo futuro, representadas nos seus filhos! E a seus
netos, os filhos de José, impôs as mãos misticamente cruzadas, não na ordem em
que queria dispô-los o pai, que via com os olhos corporais, mas de acordo com o
seu próprio discernimento interior! Eis a verdadeira luz; ela é uma, e todos os
que a veem e amam formam um único ser.
Quanto à luz corporal, de
que falava, com a sua doçura sedutora e perigosa, é um dos prazeres da vida
para os cegos amantes do mundo. Mas os que nela sabem encontrar motivos para te
louvar, Deus, criador de todas as coisas, convertem-na em hino em teu louvor,
sem se deixarem dominar por ela no sono. É assim que desejo ser. Resisto às
seduções dos olhos, para que os meus pés, que começam a trilhar os teus
caminhos, não fiquem enredados. Elevo a ti olhos invisíveis, para que libertes os
meus pés dos seus laços. Tu não cesses de livrá-los, porque sempre se estão a
prender. Tu não cessas de me livrar, e eu deixo-me cair a cada passo nas
insídias espalhadas por toda parte, porque não dormirás, nem adormecerás, tu
que guardas Israel.
Quantos encantos os homens
acrescentaram às seduções dos olhos, com a variedade das suas artes, com a sua
indústria de vestidos, de calçados, de vasos, de objectos de toda espécie, com pinturas
e esculturas diversas que de longe ultrapassam os limites do necessário e
moderado e da expressão piedosa. Exteriormente perseguem as produções das suas
artes, e no seu interior abandonam Àquele que os criou, deturpando em si o que
ele fez.
Quanto a mim, meu Deus e
minha glória, encontro nisto razão para cantar-te um hino, e oferecer um
sacrifício de louvor àquele que se sacrificou por mim. As belezas que da alma
do artista passam para as suas mãos, provêm desta beleza, que é superior às
nossas almas e pela qual a minha alma suspira dia e noite.
Entretanto, os que geram e
os amantes das belezas exteriores, tiram da beleza soberana apenas o critério
para julgá-las, mas não uma regra para usá-las bem. Contudo, a norma ali está, mas
eles não a veem. Se a vissem, não se afastariam, e guardariam a sua força para
ti, e não a dissipariam em fatigantes delícias.
Mesmo eu, que exponho e
compreendo essas verdades, deixo-me enredar nessas belezas; mas tu livras-me do
seu laço, tu libertas-me, porque a tua misericórdia está diante dos meus olhos.
Miseravelmente eu caio, e tu levantas-me misericordiosamente, às vezes sem que
eu o perceba, quando a minha queda foi suave, e outras infligindo-me uma pena,
por ter ficado preso ao chão.
(Revisão
de versão portuguesa por ama)