20/10/2014

Não há trabalhos de pouca categoria

No serviço de Deus, não há trabalhos de pouca categoria: todos são de muita importância. A categoria do trabalho depende do nível espiritual de quem o realiza. (Forja, 618)

Compreendem porque é que uma alma deixa de saborear a paz e a serenidade quando se afasta do seu fim, quando se esquece de que Deus a criou para a santidade? Esforcem-se por nunca perder este ponto de mira sobrenatural, nem sequer nos momentos de diversão ou de descanso, tão necessários como o trabalho na vida de cada um.

Bem podem chegar ao cume da vossa actividade profissional, alcançar os triunfos mais retumbantes, como fruto da livre iniciativa com que exercem as actividades temporais; mas se abandonarem o sentido sobrenatural que tem de presidir todo o nosso trabalho humano, enganaram-se lamentavelmente no caminho.

(...) Perante Deus, que é o que conta em última análise, quem luta por comportar-se como um cristão autêntico, é que consegue a vitória: não existe uma solução intermédia. Por isso vocês conhecem tantas pessoas que deviam sentir-se muito felizes, ao julgar a sua situação de um ponto de vista humano e, no entanto, arrastam uma existência inquieta, azeda; parece que vendem alegria a granel, mas aprofunda-se um pouco nas suas almas e fica a descoberto um sabor acre, mais amargo que o fel. Isto não há-de acontecer a nenhum de nós, se deveras tratarmos de cumprir constantemente a Vontade de Deus, de dar-lhe glória, de louvá-lo e de espalhar o seu reinado entre todas as criaturas. (Amigos de Deus, 10–12)



DIÁLOGOS COM O SENHOR DEUS (3)

Agora vai e não voltes a pecar.

Mas, Senhor, sabes que eu sou pecador! Como queres que eu não volte a pecar?

Meu filho, conheço-te melhor do que tu te conheces. Eu sei que vais voltar a pecar, mas o que Eu te peço é que te comprometas a resistir ao pecado até ao limite das tuas capacidades.

Mas, Senhor, eu sou tão fraco!

Alguma vez te abandonei? Sozinho não terás forças, mas comigo podes resistir ao pecado.

Mas às vezes parece que não estás ali, a meu lado, a dar-me a mão.

Não será antes tu que me afastas, que olhas para o lado para não me veres? Não estou Eu sempre de mão estendida para ti, como estendi a Pedro quando ele se afundava no mar da Galileia?

Tens razão, Senhor! Desculpa, mas às vezes o pecado é tão “bom”!

Ah, sim, compreendo-te! Mas repara que é bom naquele exacto momento. Depois não te deixa incomodado, dividido, quase irritado por teres caído nele? E ficas triste e por vezes desanimado, por teres caído mais uma vez.

É verdade, Senhor! São tantas vezes que caio, que por vezes me apetece desistir, quase convicto de que nunca serei capaz de resistir.

Acreditas em Mim, no meu amor? Então acredita, meu filho, que o meu amor é muito maior do que o teu pecado e de todas as vezes que nele caias.
Acredita que cada vez que estendes a mão para mim, ansiando pelo meu perdão, Eu levanto-te das ondas alterosas do mar, aperto-te junto ao peito e digo-te: Amo-te com amor eterno. «Ninguém te condenou? Também Eu não te condeno. Vai e de agora em diante não tornes a pecar.» Jo 8, 10-11



Marinha Grande, 10 de Outubro de 2014
Joaquim Mexia Alves
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Liberdade religosa

Trata-se de crentes obrigados a reunir-se clandestinamente porque a sua comunidade religiosa não está autorizada. Trata-se de bispos, de sacerdotes. De religiosos a quem está proibido exercer o santo ministério nas suas igrejas ou nas suas reuniões públicas (...)
Trata-se de homens e mulheres, trabalhadores manuais, intelectuais e de todas a s profissões, os quais, pelo simples facto de professar a sua fé, enfrentam o risco de ver-se privados de um futuro brilhante para as suas carreiras ou os seus estudos.


(são JOÃO PAULO IIMeditação - prece, Lourdes, 1983.08.14)

Tratado do verbo encarnado 05

Art. 5 — Se foi conveniente Cristo encarnar-se desde o princípio do género humano.

O quinto discute-se assim. — Parece que era conveniente que Deus se tivesse encarnado desde o princípio do género humano.

1. — Pois, a obra da Encarnação procede da imensidade da caridade divina, segundo o Apóstolo (Ef 2, 4): Deus que é rico em misericórdia, pela sua extrema caridade com que nos amou, ainda quando estavamos mortos pelos pecados nos deu vida juntamente em Cristo. Ora, a caridade não tarda em socorrer ao amigo que padece necessidade, segundo a Escritura (Pr 3, 28): Não digas ao teu amigo: Vai e torna, amanhã te darei, quando tu lhe podes dar logo. Portanto Deus não devia ter diferido a obra da Encarnação, mas, imediatamente, desde o princípio, devia ter socorrido o género humano pela sua encarnação.

2. Demais. — O Apóstolo diz (1Tim 1, 15): Jesus Cristo veio a este mundo para salvar os pecadores. Ora, os salvos teriam sido em maior número se desde o princípio do género humano Deus se tivesse encarnado, pois, muitos, ignorando Deus, pereceram no seu pecado, em diversos séculos. Logo, era mais conveniente que Deus se tivesse encarnado desde o princípio do género humano.

3. Demais. — A obra de graça não é menos ordenada que a da natureza. Ora, a natureza começa pelo perfeito, como diz Boécio. Logo, a obra da graça devia ter sido perfeita desde o começo. Ora, na obra da Encarnação consideramos a perfeição da graça, segundo o Evangelho (Jo 1, 14): O Verbo se fez carne, e depois acrescenta: Cheio de graça e de verdade. Logo, Cristo devia ter-se encarnado desde o princípio do género humano.

Mas, em contrário, o Apóstolo (Gl 4, 4): Mas quando veio o cumprimento do tempo, enviou Deus o seu Filho, feito de mulher, feito sujeito à lei — ao que diz a Glosa, que a plenitude do tempo foi a predeterminada por Deus Pai para quando houvesse de mandar o seu Filho. Ora, Deus determina tudo pela sua sabedoria. Logo, Deus encarnou-se no tempo convenientíssimo. E, assim, não era conveniente que Deus se tivesse encarnado desde o princípio do género humano.

Sendo a obra da Encarnação principalmente ordenada à reparação da natureza humana pela abolição do pecado, é manifesto que não foi conveniente, desde o princípio do género humano, antes do pecado, que Deus se tivesse encarnado. Pois, remédio não se dá senão aos doentes. Donde o dizer o próprio Senhor (Mt 9, 12): Os sãos não têm necessidade de médico, mas sim os enfermos, eu não vim chamar os justos, mas os pecadores.

Mas, nem ainda imediatamente, depois do pecado, era conveniente que Deus se tivesse encarnado. — Primeiro, por causa da condição do pecado humano, que proviera da soberba, donde, o homem devia ser libertado de modo que, humilhado, se reconhecesse necessitado de um libertador. Por isso, diz o Apóstolo (Gl 3, 19): Ordenada por anjos na mão de um mediador, diz a Glosa: Foi obra de um grande conselho o não ter sido o Filho de Deus enviado imediatamente depois da queda do homem. Pois, Deus primeiro abandonou o homem à liberdade do arbítrio, na lei natural, para que assim reconhecesse as forças da sua natureza. E então, quando essa se tornou deficiente, recebeu a lei. Dada ela, o morbo se fortificou, não por vício da lei, mas, da natureza, de modo que, reconhecendo assim a sua fraqueza, chamasse pelo médico e buscasse o auxílio da graça. — Segundo por causa da ordem da promoção no bem, pela qual do imperfeito se chega ao perfeito. Donde o dizer o Apóstolo (1Cor 15, 46): Não primeiro o que é espiritual, senão o que é animal, depois o que é espiritual. O primeiro homem formado da terra é terreno, o segundo homem, do céu, celestial. — Terceiro, por causa da dignidade do próprio Verbo encarnado. Pois, segundo o Apóstolo (Gl 4, 4): Mas quanto veio o cumprimento do tempo, diz a Glosa: Quanto maior era o juiz que vinha, tanto mais longa devia ser a série dos arautos que o precedessem — Quarto, a fim de não se entibiar, pela extensão do tempo, o fervor da fé e a caridade de muitos. Donde o dizer o Evangelho (Lc 18, 8): Quando vier o Filho do homem, julgais vós que achará ele alguma fé na terra?

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A caridade não tarda em socorrer ao amigo, salva contudo a OPORTUNIDADE do seu acto e a condição da pessoa. Se, pois, um médico, logo desde o princípio da doença, desse o remédio ao doente, o remédio lhe aproveitaria menos ou até mesmo faria mal em lugar de curar. Por isso também o Senhor não deu desde logo ao género humano o remédio da Encarnação, a fim de que ele por soberba não o desprezasse sem ter antes reconhecido a sua enfermidade.

RESPOSTA À SEGUNDA. — À objecção Agostinho responde do modo seguinte: Cristo quis aparecer aos homens e pregar-lhes a sua doutrina quando e onde sabia que haveria quem acreditasse nele. Pois, nesses tempos e nesses lugares, em que o seu Evangelho não foi pregado, previa que as gentes haveriam de ser todas, relativamente à sua pregação, tais quais eram, senão todos, a maior parte dos que lhe viam a presença corporal, que nele não quiseram crer, mesmo depois de ressuscitado dos mortos. Mas, reprovando essa resposta diz o mesmo Agostinho: Porventura podemos dizer que os Sírios e os Sidónios não queriam crer nos prodígios que presenciassem, ou não houvessem de crer se eles se fizessem, pois que o próprio Deus atestava que haveriam de fazer penitência com grande humildade, se na presença deles se tivessem operados aqueles prodígios do poder divino? — Donde, ele próprio solvendo a dificuldade, acrescenta: Como diz o Apóstolo, isto não depende do que quer nem do que corre, mas de usar Deus da sua misericórdia, o qual, de um lado, quis socorrer aqueles que previa haveriam de acreditar nos seus milagres, se entre eles tivessem sido feitos, de outro lado, não socorreu aqueles que julgou de maneira diferente, ocultamente, é certo, mas justamente, na sua predestinação. Por onde, acreditamos, sem duvidar, na sua misericórdia, em relação aos que são salvos, e na sua verdade, em relação aos que são punidos.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O perfeito é anterior ao imperfeito em seres diversos pelo tempo e pela natureza, pois, há de necessariamente ser o perfeito que leve os seres imperfeitos à perfeição, mas, relativamente a um mesmo ser, o imperfeito tem anterioridade no tempo, embora seja posterior por natureza. Assim, pois, a perfeição eterna de Deus precede, na duração, a imperfeição da natureza humana, mas é posterior a ela a perfeição consumada na união com Deus.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Evangelho diário, coment., leit. espiritual (Enc Summi pontificatus)

Tempo comum XXIX Semana

Evangelho: Lc 12 13-21

13 Então disse-Lhe alguém da multidão: «Mestre, diz a meu irmão que me dê a minha parte da herança». 14 Jesus respondeu-lhe: «Meu amigo, quem Me constituiu juiz ou árbitro entre vós?». 15 Depois disse-lhes: «Guardai-vos cuidadosamente de toda a avareza, porque a vida de cada um, ainda que esteja na abundância, não depende dos bens que possui». 16 Sobre isto propôs-lhes esta parábola: «Os campos de um homem rico tinham dado abundantes frutos. 17 Ele andava a discorrer consigo: Que farei, pois não tenho onde recolher os meus frutos? 18 Depois disse: Farei isto: Demolirei os meus celeiros, fá-los-ei maiores e neles recolherei o meu trigo e os meus bens, 19 e direi à minha alma: Ó alma, tu tens muitos bens em depósito para largos anos; descansa, come, bebe, regala-te. 20 Mas Deus disse-lhe: Néscio, esta noite virão demandar-te a tua alma; e as coisas que juntaste, para quem serão? 21 Assim é o que entesoura para si e não é rico perante Deus».

Comentário

Pode ter-se a sensação que a Igreja, o próprio Jesus Cristo, têm alguma aversão pela riqueza e, concretamente, pelos que a possuem em abundância.
Nada mais falso!
Os homens, ricos, pobres ou remediados têm o mesmo valor intrínseco exactamente pelo que são e não pelo que possuem.
O ter muito ou ter pouco nada tem a ver com aquilo que Jesus Cristo pretende: o desprendimento.
Efectivamente, há pobres em meios materiais que estão como que ‘agarrados’ aos desejos de ter, como há pessoas de abundantes recursos que apenas se servem deles na medida das suas necessidades e para ajudar os que têm pouco.
Mas, não sejamos néscios: é efectivamente mais difícil ao que tem muito desprender-se, despreocupar-se porque, podemos dizer, a riqueza clama por mais riqueza e cria necessidades que, na verdade não o são.

(ama, comentário sobre Lc 12, 13-21, 2013.08.04)

Leitura espiritual


Documentos do Magistério

 CARTA ENCÍCLICA
SUMMI PONTIFICATUS
DO SUMO PONTÍFICE
PAPA PIO XII
AOS VENERÁVEIS IRMÃOS PATRIARCAS, PRIMAZES,
ARCEBISPOS E BISPOS
E OUTROS ORDINÁRIOS DO LUGAR
EM PAZ E COMUNHÃO COM A SÉ APOSTÓLICA

SOBRE O OFÍCIO DO PONTIFICADO

II. O ESQUECIMENTO DA LEI DA CARIDADE

O amor cristão da pátria

36. Nem se deve recear que a consciência da fraternidade universal, fomentada pela doutrina cristã, e o sentimento que ela inspira, estejam em contraste com o amor às tradições e glórias da própria pátria, ou impeçam que se promovam a prosperidade e os interesses legítimos, porquanto essa mesma doutrina ensina que existe uma ordem estabelecida por Deus no exercício da caridade, segundo a qual se deve amar mais intensamente e auxiliar de preferência os que estão a nós unidos com vínculos especiais. E o divino Mestre deu também exemplo dessa preferência pela sua pátria, chorando sobre as ruínas da Cidade Santa.
Mas o legítimo e justo amor à própria pátria não deve excluir a universalidade da caridade cristã que faz considerar também aos outros e a sua prosperidade, na luz pacificadora do amor.

37. Tal é a maravilhosa doutrina de amor e de paz, que tão nobremente tem contribuído para o progresso civil e religioso da humanidade. E os arautos que, movidos por caridade sobrenatural, a anunciaram, não só arrotearam terrenos e curaram enfermidades, mas bonificaram, plasmaram e elevaram a vida a alturas divinas, impelindo-a para os cimos da santidade, que faz contemplar tudo à luz de Deus. Elevaram monumentos e templos que demonstram a que alturas geniais o ideal cristão conduz, mas sobretudo transformaram os homens, sábios ou ignorantes, poderosos ou fracos, em templos vivos de Deus e ramos da mesma videira, Cristo.
Transmitiram às gerações futuras os tesouros de arte e sabedoria antiga, não só, mas tornaram-nas participantes daquele inefável dom da sabedoria eterna, que irmana e une os homens com vínculo de sobrenatural dependência.

III. O DIREITO HUMANO E O DIREITO DIVINO

38. Veneráveis irmãos, se o esquecimento da lei de caridade universal, única que pode consolidar a paz, apagando os ódios e atenuando os rancores e contrastes, é causa de gravíssimos males à convivência pacífica dos povos, não menos nocivo ao bem-estar e à prosperidade da sociedade humana, que reúne e abraça dentro dos seus confins todos os povos, se mostra o erro contido naquelas concepções que não hesitam em dispensar a autoridade civil de toda e qualquer dependência do Ente supremo, causa primeira e Senhor absoluto tanto do homem como da sociedade, e de todo o liame de lei transcendente, que deriva de Deus como de fonte primária, e lhe concedem uma ilimitada faculdade de ação, abandonada à onda inconstante do arbítrio ou tão-somente aos ditames de exigências históricas contingentes e de interesses relativos.

39. Renegada assim a autoridade de Deus e o império da sua lei, o poder civil, por consequência inevitável, tende a atribuir a si aquela absoluta autonomia que compete ao Autor Supremo; a substituir-se ao Omnipotente; elevando o Estado ou a colectividade a fim último da vida; a critério sumo da ordem moral e jurídica, e interdizendo dessa maneira todo o apelo aos princípios da razão natural e da consciência cristã.

40. Bem sabemos, na verdade, que os princípios errados, felizmente, nem sempre exercem toda a sua influência; principalmente quando as tradições cristãs, várias vezes seculares, de que se nutriram os povos, permanecem ainda, profundamente arreigadas nos corações, ainda que inconscientemente. É preciso, todavia, ter presente a essencial insuficiência e fragilidade de toda a norma de vida social, que repouse sobre alicerce exclusivamente humano, que se inspire em motivos exclusivamente terrenos e ponha a sua força na sanção de uma autoridade simplesmente exterior.

41. Onde se nega a dependência do direito humano do direito divino, onde não se apela senão para uma ideia mal segura de autoridade meramente terrena, onde se reivindica uma autonomia fundada apenas numa moral utilitária, ali o próprio direito humano perde justamente, nas suas aplicações mais gravosas, a sua força moral, que é a condição essencial para ser reconhecido e para exigir sacrifícios, se forem precisos.

42. É verdade também que o poder assim alicerçado em base tão frágil e oscilante, mercê de circunstâncias contingentes, pode às vezes conseguir sucessos materiais que assombram observadores não muito profundos; mas há-de chegar a hora em que triunfará a lei inelutável que fere tudo o que tenha sido construído sobre uma latente ou clara desproporção entre a grandeza do êxito material e exterior e a fraqueza do valor interior e da sua base moral. Desproporção que subsiste sempre quando a autoridade pública desconhece ou renega o domínio do sumo legislador que, se dá o poder aos governantes, não deixa de assinalar-lhes e determinar-lhes os limites.

A tarefa do Estado

43. Quer o Criador que exista a soberania civil, como afirmou sapientemente o nosso grande predecessor Leão XIII na encíclica Immortale Dei, (4) para que regule a vida social de acordo com as prescrições de uma ordem imutável nos seus princípios universais, para que torne mais fácil à pessoa humana, na ordem temporal, alcançar a perfeição física, intelectual e moral, e para que a ajude a conseguir o fim sobrenatural.

44. Nobre prerrogativa e missão do Estado é, pois, o fiscalizar, auxiliar e ordenar as actividades particulares e individuais da vida nacional, fazendo-as convergir harmonicamente para o bem comum, que não pode ser determinado por concepções arbitrárias, nem pode receber a sua norma primariamente da prosperidade material da sociedade, mas sim do desenvolvimento harmónico e da perfeição natural do homem, a quem, como meio, é pelo Criador destinada a sociedade.

45. Considerar o Estado como fim a que tudo deve ser dirigido e subordinado, seria o mesmo que prejudicar a verdadeira e duradoura prosperidade das nações. E dá-se isso quando tal domínio ilimitado seja atribuído ao Estado, como mandatário da nação, do povo ou até de uma classe, ou quando o Estado o pretende, como senhor absoluto, independentemente de qualquer mandato.

46. Com efeito, se o Estado se arroga e dispõe das iniciativas privadas, estas, que são governadas por delicadas e complexas normas internas, que garantem e asseguram alcançar o fim que lhes é próprio, vêem-se danificadas com desvantagem do bem público, por serem destacadas do seu ambiente natural, ou seja da responsabilidade ativa particular.

47. Também a primeira e essencial célula da sociedade, a família, com o seu bem-estar e desenvolvimento, correria então o risco de ser considerada pertença exclusiva do poder nacional, esquecendo-se assim que o homem e a família são, por natureza, anteriores ao Estado e que a ambos deu o Criador forças e direitos, comando-lhes também uma missão correspondente às incontestáveis exigências naturais de cada um.

48. A educação das novas gerações não visaria à desenvolvimento equilibrado e harmónico das forças físicas e de todas as qualidades intelectuais e morais, mas sim à formação unilateral daquelas virtudes cívicas julgadas necessárias para alcançar sucessos políticos; ao contrário deixariam de ser inculcadas aquelas virtudes que dão à sociedade o perfume de nobreza, de humanidade e de respeito, como se elas diminuíssem o brio do cidadão.

Os direitos da família

49. Diante dos nossos olhos aparecem em toda a sua dolorosa clareza os perigos que tememos possam advir a esta geração e às gerações futuras, do desconhecimento, da diminuição e da progressiva abolição dos direitos próprios da família. Por isso é que nos erguemos em defensores de tais direitos, com plena consciência do dever que nos impõe o nosso ministério apostólico.
As angústias dos nossos tempos, tanto interiores como exteriores, tanto materiais como espirituais, os multíplices erros com suas inúmeras repercussões, se há alguém que os experimenta amarissimamente é a minúscula e nobre célula familiar. É preciso, às vezes, grande coragem e, na sua simplicidade, heroísmo digno de grande admiração e respeito, para suportar as durezas da vida, o peso quotidiano das misérias, as indigências e estreitezas que crescem em medida jamais experimentada; e por vezes sem razão nem necessidade: Quem se ocupa das almas e recebe as confidências dos corações, bem conhece as furtivas lágrimas de muitas mães, a dor resignada de inúmeros pais, e as muitas amarguras, que nenhuma estatística cita nem poderá citar, vê com verdadeira preocupação crescerem sempre mais esses sofrimentos, bem sabendo que as potências da subversão e destruição estão vigilantes e prontas a servir-se disso para os seus tenebrosos desígnios.

50. Quem tenha um pouco de boa vontade e olhos abertos não poderá por certo recusar ao Estado, nas circunstâncias extraordinárias em que se acha o mundo, um direito mais amplo e excepcional para acudir às necessidades do povo. Mas a ordem moral, por Deus estabelecida, exige também em tais contingências que se indague com maior subtileza e seriedade se tais providências são realmente necessárias, segundo as normas do bem comum.

Os direitos da consciência

51. Em todo o caso, quanto mais onerosos são os sacrifícios materiais pelo Estado, exigidos dos indivíduos e das famílias, tanto mais sagrados e invioláveis devem ser os direitos das consciências. Poderá pretender bens e sangue, nunca porém a alma por Deus redimida.
A missão que Deus confiou aos pais de se interessarem pelo bem material e espiritual da sua prole e de dar a ela uma formação harmónica e repassada de verdadeiro espírito religioso, não lhes poderá ser arrebatada sem grave lesão do direito.
Esta formação deve certamente ter por finalidade também preparar a juventude para cumprir com inteligência, consciência e galhardia aqueles deveres de patriotismo que dá à pátria terrestre a devida medida de amor, de dedicação e colaboração.
Mas por outra parte, uma formação que se esqueça, ou, o que é pior ainda, propositadamente descure de dirigir os olhos e o coração da juventude para a pátria sobrenatural, seria uma injustiça contra a juventude, uma injustiça contra os inalienáveis deveres e direitos da família cristã, um excesso a que se deve remediar também em favor do bem público e do Estado.
Semelhante educação poderia parecer àqueles que por ela são responsáveis, fonte de maior força e vigor; na realidade seria o contrário e as tristes consequências encarregar-se-iam de prová-lo.
O delito de lesa-majestade contra o "Rei dos reis e o Senhor dos dominadores" (1 Tm 6, 15; Ap 19, 16) perpetrado por uma educação indiferente ou contrária ao espírito cristão, a inversão do "deixai que as crianças venham a mim" (Mc 10, 14) acarretaria amaríssimos frutos.
Ao contrário, o Estado que tira aos dilacerados corações dos pais e das mães as suas preocupações e restabelece os seus direitos, mais não faz do que promover a própria paz interna e lançar as bases de um futuro mais feliz para a pátria.
As almas dos filhos que Deus deu aos pais, assinaladas no batismo com o selo real de Cristo, são um depósito sagrado por Deus vigiado com cioso amor. O mesmo Crispo que disse "deixai que as crianças venham a mim", ameaçou também, não obstante sua bondade e misericórdia, terríveis males àqueles que escandalizam os predilectos do seu coração. E que escândalo mais nocivo e duradouro às gerações do que uma formação da juventude dirigida para uma meta que afasta de Cristo, "caminho, verdade e vida", levando-a a uma simulada ou manifesta apostasia?
Este Cristo do qual querem alienar as gerações juvenis presentes e futuras, é o mesmo que recebeu do seu eterno Pai o poder no céu e na terra. Em sua mão omnipotente tem ele o destino dos Estados, dos povos e das nações. A ele compete diminuir-lhes ou prolongar-lhes a vida, o desenvolvimento, a prosperidade e a grandeza. De tudo o que existe sobre a terra, somente a alma tem vida imortal. Um sistema de educação que não respeitasse o recinto sagrado da família, protegido pela santa lei de Deus, que procurasse minar-lhe os alicerces, que fechasse à juventude o caminho que conduz a Deus, às fontes de vida e de alegria do Salvador (Is 12, 3), que considerasse o apostatar Cristo e a Igreja como símbolo de fidelidade ao povo ou a uma determinada classe, pronunciaria contra si mesmo a sentença de condenação, e experimentaria, a seu tempo, a inelutável verdade das palavras do profeta: "Aqueles que se afastam de ti serão escritos na terra" (Jr 17, 13).

(cont)

(Revisão da versão portuguesa por ama)


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Notas:
(4) Acta Leonis XIII, vol. V, p. 118




Bento VXI – Pensamentos espirituais 21

A via


O sofrimento é a via para a transformação e sem sofrimento nada se transforma.


(Encontro com o clero da Diocese de Aóstia. (25.Jul.05)

(in “Bento XVI, Pensamentos Espirituais”, Lucerna 2006)