O quinto discute-se assim. — Parece que era
conveniente que Deus se tivesse encarnado desde o princípio do género humano.
1. — Pois, a obra da Encarnação
procede da imensidade da caridade divina, segundo o Apóstolo (Ef 2, 4): Deus
que é rico em misericórdia, pela sua extrema caridade com que nos amou, ainda
quando estavamos mortos pelos pecados nos deu vida juntamente em Cristo. Ora, a
caridade não tarda em socorrer ao amigo que padece necessidade, segundo a
Escritura (Pr 3, 28): Não digas ao teu amigo: Vai e torna, amanhã te darei,
quando tu lhe podes dar logo. Portanto Deus não devia ter diferido a obra da
Encarnação, mas, imediatamente, desde o princípio, devia ter socorrido o género
humano pela sua encarnação.
2. Demais. — O Apóstolo diz (1Tim 1,
15): Jesus Cristo veio a este mundo para salvar os pecadores. Ora, os salvos
teriam sido em maior número se desde o princípio do género humano Deus se
tivesse encarnado, pois, muitos, ignorando Deus, pereceram no seu pecado, em
diversos séculos. Logo, era mais conveniente que Deus se tivesse encarnado
desde o princípio do género humano.
3. Demais. — A obra de graça não é
menos ordenada que a da natureza. Ora, a natureza começa pelo perfeito, como
diz Boécio. Logo, a obra da graça devia ter sido perfeita desde o começo. Ora,
na obra da Encarnação consideramos a perfeição da graça, segundo o Evangelho
(Jo 1, 14): O Verbo se fez carne, e depois acrescenta: Cheio de graça e de
verdade. Logo, Cristo devia ter-se encarnado desde o princípio do género
humano.
Mas, em contrário, o Apóstolo (Gl 4,
4): Mas quando veio o cumprimento do tempo, enviou Deus o seu Filho, feito de
mulher, feito sujeito à lei — ao que diz a Glosa, que a plenitude do tempo foi
a predeterminada por Deus Pai para quando houvesse de mandar o seu Filho. Ora,
Deus determina tudo pela sua sabedoria. Logo, Deus encarnou-se no tempo
convenientíssimo. E, assim, não era conveniente que Deus se tivesse encarnado
desde o princípio do género humano.

Mas, nem ainda imediatamente, depois
do pecado, era conveniente que Deus se tivesse encarnado. — Primeiro, por causa
da condição do pecado humano, que proviera da soberba, donde, o homem devia ser
libertado de modo que, humilhado, se reconhecesse necessitado de um libertador.
Por isso, diz o Apóstolo (Gl 3, 19): Ordenada por anjos na mão de um mediador,
diz a Glosa: Foi obra de um grande conselho o não ter sido o Filho de Deus
enviado imediatamente depois da queda do homem. Pois, Deus primeiro abandonou o
homem à liberdade do arbítrio, na lei natural, para que assim reconhecesse as
forças da sua natureza. E então, quando essa se tornou deficiente, recebeu a
lei. Dada ela, o morbo se fortificou, não por vício da lei, mas, da natureza,
de modo que, reconhecendo assim a sua fraqueza, chamasse pelo médico e buscasse
o auxílio da graça. — Segundo por causa da ordem da promoção no bem, pela qual
do imperfeito se chega ao perfeito. Donde o dizer o Apóstolo (1Cor 15, 46): Não
primeiro o que é espiritual, senão o que é animal, depois o que é espiritual. O
primeiro homem formado da terra é terreno, o segundo homem, do céu, celestial.
— Terceiro, por causa da dignidade do próprio Verbo encarnado. Pois, segundo o
Apóstolo (Gl 4, 4): Mas quanto veio o cumprimento do tempo, diz a Glosa: Quanto
maior era o juiz que vinha, tanto mais longa devia ser a série dos arautos que
o precedessem — Quarto, a fim de não se entibiar, pela extensão do tempo, o
fervor da fé e a caridade de muitos. Donde o dizer o Evangelho (Lc 18, 8):
Quando vier o Filho do homem, julgais vós que achará ele alguma fé na terra?
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— A caridade não tarda em socorrer ao amigo, salva contudo a OPORTUNIDADE do
seu acto e a condição da pessoa. Se, pois, um médico, logo desde o princípio da
doença, desse o remédio ao doente, o remédio lhe aproveitaria menos ou até
mesmo faria mal em lugar de curar. Por isso também o Senhor não deu desde logo
ao género humano o remédio da Encarnação, a fim de que ele por soberba não o
desprezasse sem ter antes reconhecido a sua enfermidade.
RESPOSTA À SEGUNDA. — À objecção
Agostinho responde do modo seguinte: Cristo quis aparecer aos homens e
pregar-lhes a sua doutrina quando e onde sabia que haveria quem acreditasse
nele. Pois, nesses tempos e nesses lugares, em que o seu Evangelho não foi
pregado, previa que as gentes haveriam de ser todas, relativamente à sua
pregação, tais quais eram, senão todos, a maior parte dos que lhe viam a presença
corporal, que nele não quiseram crer, mesmo depois de ressuscitado dos mortos.
Mas, reprovando essa resposta diz o mesmo Agostinho: Porventura podemos dizer
que os Sírios e os Sidónios não queriam crer nos prodígios que presenciassem,
ou não houvessem de crer se eles se fizessem, pois que o próprio Deus atestava
que haveriam de fazer penitência com grande humildade, se na presença deles se
tivessem operados aqueles prodígios do poder divino? — Donde, ele próprio
solvendo a dificuldade, acrescenta: Como diz o Apóstolo, isto não depende do
que quer nem do que corre, mas de usar Deus da sua misericórdia, o qual, de um
lado, quis socorrer aqueles que previa haveriam de acreditar nos seus milagres,
se entre eles tivessem sido feitos, de outro lado, não socorreu aqueles que
julgou de maneira diferente, ocultamente, é certo, mas justamente, na sua
predestinação. Por onde, acreditamos, sem duvidar, na sua misericórdia, em
relação aos que são salvos, e na sua verdade, em relação aos que são punidos.
RESPOSTA À TERCEIRA. — O perfeito é
anterior ao imperfeito em seres diversos pelo tempo e pela natureza, pois, há
de necessariamente ser o perfeito que leve os seres imperfeitos à perfeição,
mas, relativamente a um mesmo ser, o imperfeito tem anterioridade no tempo, embora
seja posterior por natureza. Assim, pois, a perfeição eterna de Deus precede,
na duração, a imperfeição da natureza humana, mas é posterior a ela a perfeição
consumada na união com Deus.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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