Evangelho
Jo XI, 1- 24
Flagelação e coroação de espinhos
1 Pilatos tomou então Jesus
e mandou-O flagelar. 2 Depois, os soldados, tecendo uma coroa de espinhos,
puseram-Lha sobre a cabeça e revestiram-n'O com um manto de púrpura. 3
Aproximavam-se d'Ele e diziam-Lhe: «Salve, rei dos judeus!», e davam-Lhe
bofetadas. 4 Saiu Pilatos ainda outra vez fora e disse-lhes: «Eis que vo-l'O
trago fora, para que conheçais que não encontro n'Ele crime algum». 5 Saiu,
pois, Jesus, trazendo a coroa de espinhos e o manto de púrpura. Pilatos
disse-lhes: «Eis aqui o Homem!». 6 Então os príncipes dos sacerdotes e os
guardas, quando O viram, gritaram: «Crucifica-O, crucifica-O!». Pilatos
disse-lhes: «Tomai-O e crucificai-O, porque eu não encontro n'Ele motivo algum
de condenação». 7 Os judeus responderam-lhe: «Nós temos uma Lei e, segundo essa
Lei, deve morrer, porque Se fez Filho de Deus». 8 Pilatos, tendo ouvido estas
palavras, temeu ainda mais. 9 Entrou novamente no Pretório e disse a Jesus: «Donde
és Tu?». Mas Jesus não lhe deu resposta. 10 Então Pilatos disse-Lhe: «Não me
falas? Não sabes que tenho poder para Te soltar e também para Te crucificar?». 11
Jesus respondeu: «Tu não terias poder algum sobre Mim, se não te fosse dado do
alto. Por isso, quem Me entregou a ti tem maior pecado».
Condenaçãode Jesus
12 Desde este momento,
Pilatos procurava soltá-l'O. Porém, os judeus gritavam: «Se soltas Este, não és
amigo de César!, porque todo aquele que se faz rei, declara-se contra César». 13
Pilatos, tendo ouvido estas palavras, conduziu Jesus para fora e sentou-se no
seu tribunal, no lugar chamado Litóstrotos, em hebraico Gábata. 14 Era o dia da
Preparação da Páscoa, cerca da hora sexta. Pilatos disse aos judeus: «Eis o
vosso rei!». 15 Mas eles gritaram: «Tira-O, tira-O, crucifica-O!». Pilatos
disse-lhes: «Hei-de crucificar o vosso rei?». Os pontífices responderam: «Não
temos outro rei senão César». 16 Então entregou-Lho para que fosse crucificado.
Jesus vai para o Calvário
17 Tomaram, pois, Jesus que,
carregando com a Sua cruz, saiu para o lugar chamado Calvário, em hebraico
Gólgota, 18 onde O crucificaram, e com Ele outros dois, um de cada lado, e
Jesus no meio. 19 Pilatos redigiu um título, que mandou colocar sobre a cruz.
Nele estava escrito: «Jesus Nazareno, Rei dos Judeus». 20 Muitos judeus leram
este título, porque o lugar onde foi crucificado ficava perto da cidade. Estava
redigido em hebraico, em latim e em grego. 21 Os pontífices dos judeus diziam,
porém, a Pilatos: «Não escrevas: Rei dos Judeus, mas: Este homem disse: Eu sou
o Rei dos Judeus». 22 Pilatos respondeu: «O que escrevi, está escrito!». 23 Os
soldados, depois de terem crucificado Jesus, tomaram as Suas vestes e fizeram
delas quatro partes, uma para cada soldado. Tomaram também a túnica. A túnica
não tinha costura, era toda tecida de alto a baixo. 24 Disseram entre si: Não a
rasguemos, mas lancemos sortes sobre ela, para ver a quem tocará; para que se
cumprisse deste modo a Escritura, que diz: “Repartiram entre si as Minhas vestes
e lançaram sortes sobre a Minha túnica”. “Os soldados assim fizeram.
DE
CIVITATE DEI
LIVRO IX
CAPÍTULO V
As paixões que afectam a alma dos
cristãos não arrastam ao vicio mas exercitam a virtude.
Por agora, não é preciso expor em pormenor
e com precisão o que, a propósito destas paixões nos ensina a Escritura
Sagrada, onde está contida a ciência cristã. Esta submete a inteligência a
Deus, para que Ele a dirija e a ajude; e à inteligência submete as paixões,
para que ela as modere, as refreie e as ponha ao serviço da justiça. Em suma,
na nossa doutrina não se pergunta à alma piedosa se se encoleriza, mas porquê;
nem se está triste, mas donde lhe vem a tristeza; nem se tem medo, mas porque é
que
teme.
De resto, irritar-se contra um pecador
para o corrigir, entristecer-se com um aflito para o consolar, horrorizar-se à
vista de um homem em perigo para o impedir de perecer — pensando bem, não vejo
que isso seja repreensível.
É verdade que os estóicos costumam
censurar a misericórdia.
Todavia, quanto não seria mais louvável
o nosso estóico com o ver-se com pena de um homem a salvar de um perigo, do que
perturbar-se com o medo de um naufrágio.
Muito mais belo, muito mais humano,
muito mais conforme com os sentimento de uma alma piedosa, foi o elogio que
Cícero dirigiu a César: Das tuas virtudes, nenhuma é
mais admirável nem mais agradável do que a misericórdia (Nulla
de virtutihus tuis nec admirabilior nec gratior misericórdia est. Cícero,
Pro Ligario, X
II, 37).
Mas que é a misericórdia senão a
compaixão do nosso coração para com a miséria alheia, que nos impele a
socorrê-la, se pudermos? E este movimento serve a razão quando a misericórdia
se manifesta sem comprometer a justiça, quer se exerça para com um necessitado,
quer se perdoe a um arrependido. Cícero, egrégio orador, não teve dúvidas em
lhe chamar virtude, ao passo que os estóicos não se envergonham de a colocar
entre os vícios, embora admitindo, como o ensinou o livro de Epicteto, — ilustre estóico fiel aos princípios de
Zenão e de Crisipo, chefes dessa escola, que a alma do sábio está sujeita a
tais paixões, embora isenta de todo o vício. Segue-se daí que não consideram
estas paixões como vícios, desde que, quando surgem no sábio, nenhum prejuízo
causem à razão e ao vigor do espírito. Há, pois, identidade de opiniões entre
os peripatéticos, os platónicos e os próprios estóicos.
Mas, com o diz Túlio (Marco
Túlio Cícero, nome completo do grande escritor geralmente conhecido apenas por
Cícero) , há muito tempo que a controvérsia de palavras atormenta
estes pequenos gregos (graeculi) mais
ávidos de disputas do que de verdade.
Mas, a propósito, põe-se agora uma
questão: terão de se considerar como fraquezas da vida presente os «afectos» (affectus)
deste
género que nós experimentamos na prática das boas acções? Os santos anjos punem
sem cólera os que lhes são entregues pela eterna lei de Deus para serem
punidos; socorrem os desgraçados, sem sentirem compaixão para com a sua
desgraça; prestam aos amigos em perigo a sua ajuda, sem experimentarem o menor
receio; e, todavia, na linguagem humana empregam-se, mesmo a seu respeito, as palavras
que designam estas paixões, devido a uma certa analogia nos actos e não devido
à fraqueza das «afeições» (affectionum). Da
mesma forma, segundo a Escritura, o próprio Deus se irrita, e, todavia, não se
perturba com qualquer paixão. A palavra «cólera» designa o efeito da vingança e
não um alvoroçado afecto.