Tempo comum XXXIV Semana
Evangelho: Lc 21 12-19
12 Mas antes de tudo
isto, lançar-vos-ão as mãos e vos perseguirão, entregando-vos às sinagogas e às
prisões e vos levarão à presença dos reis e dos governadores por causa do Meu
nome. 13 Isto vos será ocasião de dardes testemunho. 14
Gravai, pois, nos vossos corações o não premeditar como vos haveis de defender,
15 porque Eu vos darei uma linguagem e uma sabedoria à qual não
poderão resistir, nem contradizer, todos os vossos inimigos. 16 Sereis
entregues por vossos pais, irmãos, parentes e amigos, e farão morrer muitos de
vós; 17 e sereis odiados de todos por causa do Meu nome; 18
mas não se perderá um só cabelo da vossa cabeça. 19 Pela vossa
perseverança salvareis as vossas almas.
Comentário:
A assistência do Espírito Santo é
fundamental em todas as fases da vida do cristão mas, sobretudo, naqueles
momentos me que a Fé e a Confiança são postas à prova.
Não se pense que o Senhor falava
apenas para os que O escutavam mas para todos os cristãos de todos os tempos.
Temos sobejas provas de quanto são
verdadeiras – como não poderiam deixar de ser – as palavras que proferiu e, o
que podemos apelidar, dos acontecimentos futuros.
Peçamos ao Espírito Santo que nos
assista e ao nosso Anjo da Guarda que nos mantenha bem presos na sua mão de
guia seguro, bem abrigados sob o manto protector da Nossa Mãe, Santa Maria.
(ama, comentário sobre Lc 21, 12-19, 2013.11.27)
Com
a maravilhosa normalidade do divino, a alma contemplativa derrama-se em afã
apostólico: ardia-me o coração dentro do peito, ateava-se o fogo na minha
meditação. Que fogo é esse senão aquele de que fala Cristo: Vim trazer fogo (do
amor divino) à Terra: e que quero eu senão que se acenda?. Fogo de apostolado
que se robustece na oração: não há meio melhor do que este para desenvolver
através de todo o mundo, essa batalha pacífica em que cada cristão está chamado
a participar: cumprir o que resta padecer a Cristo.
Jesus
subiu aos céus, dizíamos. Mas o cristão pode, na oração e na Eucaristia,
conviver com Ele nos mesmos moldes dos primeiros doze, abrasar-se no seu zelo
apostólico, para com Ele fazer um serviço de corredenção, que é semear a paz e
a alegria. Servir, pois o apostolado não é outra coisa. Se contarmos
exclusivamente com as nossas próprias forças, nada conseguiremos no terreno
sobrenatural; sendo instrumentos de Deus, conseguiremos tudo: tudo posso
n'Aquele que me conforta. Deus, pela, sua infinita bondade, dispôs-Se a
utilizar estes instrumentos ineptos. Daí que o Apóstolo não tenha outro fim
senão deixar agir o Senhor, mostrar-se inteiramente disponível, para que Deus
realize - através das suas criaturas, através da alma escolhida - a sua obra
salvadora.
Apóstolo
é o cristão que se sente inserido em Cristo, identificado com Cristo, pelo
Baptismo; habilitado a lutar por Cristo pela Confirmação; chamado a servir a
Deus com a sua acção no mundo, pelo sacerdócio comum dos fiéis, que confere uma
certa participação no sacerdócio de Cristo, a qual - sendo essencialmente
diferente da que constitui o sacerdócio ministerial - o torna capaz de tomar
parte no culto da Igreja e de ajudar os homens no seu caminho para Deus, com o
testemunho da palavra e do exemplo, com a oração e a expiação.
Cada
um de nós há-de ser ipse Christus, o próprio Cristo. Ele é o único mediador
entre Deus e os homens; e nós unimo-nos a Ele para oferecer, com Ele, todas as.
coisas ao Pai. A nossa vocação de filhos de Deus, no meio do mundo, exige-nos
que não procuremos apenas a nossa santidade pessoal, mas que vamos pelos
caminhos da terra, para convertê-los em atalhos que, através dos obstáculos,
levem as almas ao Senhor; que participemos, como cidadãos normais e correntes,
em todas as actividades temporais, para sermos levedura que há-de informar toda
a massa.
Cristo
subiu aos céus, mas transmitiu a tudo o que é honestamente humano a
possibilidade concreta de ser redimido. São Gregório Magno trata este grande tema
cristão com palavras incisivas: Partia assim Jesus para o lugar de onde era e
voltava do lugar em que continuava a morar. Efectivamente, no momento em que
subia ao Céu, unia com a sua divindade o Céu e a Terra. Na festa de hoje convém
destacar solenemente o facto de que tenha sido suprimido o decreto que nos
condenava, o juízo que nos tornava sujeitos à corrupção. A natureza a que se
dirigiam as palavras "tu és pó e em pó te hás-de tornar" (Gen. 3,
19), essa mesma natureza subiu hoje ao Céu com Cristo.
Não
me cansarei de repetir, portanto, que o mundo é santificável e que a nós,
cristãos, nos toca especialmente essa tarefa, purificando-o das ocasiões de
pecado com que os homens o tornam feio e oferecendo-o ao Senhor como Hóstia
espiritual, apresentada e dignificada com a graça de Deus e o nosso esforço. Em
rigor, não se pode dizer que haja nobres realidades exclusivamente profanas,
uma vez que o Verbo se dignou assumir uma natureza humana íntegra e consagrar a
Terra com a sua presença e com o trabalho das suas mãos. A grande missão que
recebemos, no Baptismo, é a corredenção. Urge-nos a caridade de Cristo para
tomarmos sobre os nossos ombros uma parte dessa tarefa divina de resgatar as
almas.
Olhai:
a Redenção, que ficou consumada quando Jesus morreu na vergonha e na glória da
Cruz, escândalo para os judeus, loucura para os gentios, por vontade de Deus
continuará a fazer-se até que chegue a hora do Senhor. Não é compatível viver
de acordo com o Coração de Jesus Cristo e não nos sentirmos enviados como Ele,
peccatores salvos facere, a salvar todos os pecadores, convencidos de que nós
mesmos precisamos de confiar cada dia mais na misericórdia de Deus. Daí, o
desejo veemente de nos considerarmos corredentores com Cristo, de salvar com
Ele todas as almas, porque somos, queremos ser, ipse Christus, o próprio Jesus
Cristo e Ele deu-se a si mesmo em resgate de todos.
Temos
uma grande tarefa à nossa frente. Não é possível a atitude de ficarmos passivos
porque o Senhor declarou expressamente: negociai até eu vir. Enquanto esperamos
o regresso do Senhor que voltará a tomar posse plena do seu Reino, não podemos
estar de braços cruzados. A extensão do Reino de Deus não é só tarefa oficial
dos membros da Igreja que representam Cristo, por d'Ele terem recebido os poderes
sagrados. Vos autem estis corpus Christi, vós também sois Corpo de Cristo,
ensina-nos o Apóstolo, com o mandato concreto de negociar até ao fim.
Ainda
está tanta coisa por fazer!. Será que em vinte séculos não se fez nada? Em
vinte séculos trabalhou-se muito. Não me parece, nem objectivo nem honrado o
afã de alguns em menosprezar a tarefa daqueles que nos precederam. Em vinte
séculos realizou-se um grande trabalho e, com frequência, foi muito bem
realizado. Outras vezes houve desacertos, regressões, como também há agora
retrocessos, medo, timidez, ao mesmo tempo que não falta valentia, generosidade.
Mas a família humana renova-se constantemente; em cada geração é preciso
continuar com o empenho de ajudar o homem a descobrir a grandeza da sua vocação
de filho de Deus e é necessário inculcar o mandamento do amor ao Criador e ao
nosso próximo.
Cristo
ensinou-nos, definitivamente, o caminho desse amor a Deus: o apostolado é o
amor de Deus, que transborda, dando-se aos outros. A vida interior supõe
crescimento na união com Cristo, pelo Pão, e pela Palavra. E o afã de
apostolado é a manifestação exacta, adequada, necessária à vida interior.
Quando se saboreia o amor de Deus sente-se o peso das almas. Não se pode
dissociar a vida interior do apostolado, como não é possível separar em Cristo
o seu ser de Deus-Homem e a sua função de Redentor. O Verbo quis encarnar para
salvar os homens, para fazê-los com Ele uma só coisa. Esta é a razão da sua
vinda ao mundo: por nós e pela nossa salvação, desceu do Céu, rezamos no Credo.
Para
o cristão, o apostolado resulta conatural; não é algo que se acrescente, que se
justaponha, alheio à sua actividade diária, à sua ocupação profissional.
Tenho-o dito sem cessar, desde que o Senhor dispôs que surgisse o Opus Dei! Trata-se
de santificar o trabalho vulgar, de santificar-se nessas ocupações e de
santificar os outros com o exercício da profissão, cada um no seu próprio
estado.
O
apostolado é como a respiração do cristão: um filho de Deus não pode viver sem
esse pulsar espiritual. A festa de hoje recorda-nos que o zelo pelas almas é um
mandato amoroso do Senhor, que, ao subir para a sua glória, nos envia como
testemunhas suas pelo mundo inteiro. Grande é a nossa responsabilidade, porque
ser testemunha de Cristo significa, antes de mais nada, procurarmos
comportar-nos segundo a Sua doutrina, lutar para que a nossa conduta faça
recordar Jesus e evoque a sua figura amabilíssima. Precisamos de conduzir-nos
de tal maneira, que os outros ao ver-nos possam dizer: este é cristão, porque
não odeia, porque sabe compreender, porque não é fanático, porque está acima
dos instintos, porque é sacrificado, porque manifesta sentimentos de paz,
porque ama.
Tracei-vos,
com a doutrina de Cristo, não com as minhas ideias, um caminho ideal para o
cristão. Concordais que é elevado, sublime, atractivo. Mas talvez nos
interroguemos: será possível viver assim na sociedade de hoje?
É
certo que o Senhor nos chamou em momentos em que muito se fala de paz e não há
paz: nem nas almas, nem nas instituições, nem na vida social, nem entre os
povos. Fala-se continuamente de igualdade e de democracia e abundam as castas:
fechadas, impenetráveis. Chamou-nos num tempo em que se clama pela compreensão
e a compreensão brilha pela sua ausência, inclusivamente entre pessoas que agem
de boa-fé e querem praticar a caridade, porque - não esqueçais - a caridade,
mais do que em dar, está em compreender.
Atravessamos
uma época em que os fanáticos e os intransigentes - incapazes de admitir as razões
dos outros - se põem a salvo, tachando de violentos e agressivos os que são as
suas vitimas. Chamou-nos, enfim, quando se ouve tagarelar muito sobre unidade e
talvez seja difícil conceber que possa tolerar-se maior desunião entre os
próprios católicos, para não falar já dos homens em geral.
Eu
nunca faço considerações políticas, porque esse não é o meu ofício. Para
descrever sacerdotalmente a situação do mundo actual, é suficiente que pensemos
de novo numa parábola do Senhor: a do trigo e do joio. O reino dos céus é
semelhante a um homem que semeou boa semente no seu campo. Porém, enquanto os
trabalhadores dormiam, veio o seu inimigo, e semeou joio no meio do trigo, e
foi-se embora. Está claro: o campo é fértil e a semente é boa; o Senhor do
campo lançou às mãos cheias a semente no momento propício e com arte consumada;
além disso, preparou toda uma vigilância para proteger a recente sementeira. Se
depois apareceu o joio, é porque não houve correspondência, já que os homens -
os cristãos especialmente - adormeceram e permitiram que o inimigo se aproximasse.
Quando
os servidores irresponsáveis perguntam ao Senhor porque cresceu o joio no seu
campo, a explicação salta aos olhos: inimicus homo hoc fecit, foi o inimigo!
Nós, os cristãos, que devíamos estar vigilantes para que as coisas boas, postas
pelo Criador no mundo, se desenvolvessem ao serviço da verdade e do bem,
adormecemos - triste preguiça, esse sono! -, enquanto o inimigo e todos os que
o servem se moviam sem descanso. Bem vedes como cresceu o joio: que sementeira
tão abundante espalhada por todos os sítios!
Não
tenho vocação de profeta de desgraças. Não desejo com as minhas palavras
apresentar-vos um panorama desolador, sem esperança. Não pretendo queixar-me
destes tempos em que vivemos pela providência do Senhor. Amamos esta nossa
época, porque é o âmbito em que temos de alcançar a nossa santificação pessoal.
Não admitimos nostalgias ingénuas e estéreis; o mundo nunca esteve melhor.
Desde sempre, desde os princípios da Igreja, quando mal se acabava de ouvir a
pregação dos primeiros doze, já surgiram violentas perseguições, começaram as
heresias, propalou-se a mentira e desencadeou-se o ódio.
Mas
não é lógico negar que o mal parece ter prosperado. Dentro de todo este campo
de Deus, que é a Terra, herança de Cristo, irrompeu o joio: Não apenas joio,
mas abundância de joio! Não podemos deixar enganar-nos pelo mito do progresso
perene e irreversível. O progresso rectamente ordenado é bom e Deus quere-o.
Contudo, tem-se mais em conta o outro falso progresso que cega os olhos a tanta
gente, porque com frequência não percebe que a Humanidade, nalguns dos seus
passos, volta atrás e perde o que tinha conquistado antes.
O
Senhor - repito - deu-nos o mundo por herança. Temos de ter a alma e a
inteligência despertas; temos de ser realistas, sem derrotismos. Só uma
consciência cauterizada, só a insensibilidade produzida pela rotina, só o
estouvamento frívolo podem permitir que se contemple o mundo sem ver o mal, a
ofensa a Deus, o dano por vezes irreparável para as almas. É preciso sermos
optimistas, mas com um optimismo que nasça da fé no poder de Deus - Deus não
perde batalhas - com um optimismo que não proceda da satisfação humana, duma
complacência néscia e presunçosa.
Sementeira de paz e de
alegria
Que
fazer? Dizia-vos que não procurei descrever crises sociais ou políticas,
derrocadas ou doenças culturais. Centrado sobre a fé cristã, tenho-me referindo
ao mal no sentido preciso da ofensa a Deus. O apostolado cristão não é um
programa político, nem uma alternativa cultural: significa a difusão do bem, o
contágio do desejo de amar, uma sementeira concreta de paz e de alegria. Desse
apostolado, sem dúvida, derivarão benefícios espirituais para todos: mais
justiça, mais compreensão, mais respeito do homem pelo homem.
Há
muitas almas à nossa volta, e não temos o direito de sermos obstáculo para o
seu bem eterno. Estamos obrigados a ser plenamente cristãos, a ser santos, a
não defraudar Deus nem todas as pessoas que esperam do cristão o exemplo, a
doutrina.
O
nosso apostolado tem de basear-se na compreensão. Insisto novamente: a
caridade, mais do que em dar, está em compreender. Não vos escondo como
aprendi, na minha própria carne, o que custa não ser compreendido. Esforcei-me
sempre por fazer-me compreender, mas há quem se empenhe em não me entender: eis
outra razão, prática e viva, para que eu deseje compreender a todos. Mas não é
um impulso circunstancial que há-de obrigar-nos a ter esse coração amplo,
universal, católico. O espírito de compreensão é expressão da caridade cristã
do bom filho de Deus: porque o Senhor quer que estejamos presentes em todos os
caminhos rectos da terra, para estender a semente da fraternidade - não do joio
-, da desculpa, do perdão, da caridade, da paz. Nunca vos sintais inimigos de
ninguém.
O
cristão há-de mostrar-se sempre disposto a conviver com todos, a dar a todos -
pela maneira de lidar com os outros - a possibilidade de se aproximarem de
Cristo Jesus. Há-de sacrificar-se gostosamente por todos, sem distinções, sem dividir
as almas em departamentos estanques, sem lhes pôr etiquetas como se fossem
mercadorias ou insectos dissecados. O cristão não pode separar-se dos outros,
porque a sua vida seria miserável e egoísta: deve fazer-se tudo para todos,
para salvar a todos.
Se
vivêssemos assim, se soubéssemos impregnar a nossa conduta com esta sementeira
de generosidade, com este desejo de convivência, de paz, fomentar-se-ia a
legítima independência pessoal dos homens, cada um assumiria a sua
responsabilidade e responderia pelos afazeres que lhe competem nos trabalhos
temporais. Além disso, o cristão saberia defender, em primeiro lugar, a
liberdade alheia, para poder depois defender a sua própria; teria a caridade de
aceitar os outros como são - porque cada um, sem excepção, traz consigo
misérias e comete erros -, ajudando-os com a graça de Deus e com delicadeza
humana a superar o mal, a arrancar o joio, a fim de que todos possamos
ajudar-nos mutuamente e conduzir com dignidade a nossa condição de homens e de
cristãos.
A
tarefa apostólica que Cristo atribuiu a todos os seus discípulos produz,
portanto, resultados concretos no âmbito social. Não é admissível pensar que,
para se ser cristão, seja preciso voltar as costas ao mundo, ser um derrotista
da natureza humana. Tudo, até o mais pequeno dos acontecimentos honestos,
encerra um sentido humano e divino. Cristo, perfeito homem, não veio destruir o
que é humano, mas enobrecê-lo, assumindo a nossa natureza humana, excepto o
pecado. Veio compartilhar todos os anseios do homem, menos a triste aventura do
mal.
O
cristão deve encontrar-se sempre disposto a santificar a sociedade a partir de
dentro, estando plenamente no mundo, mas não sendo do mundo naquilo que ele tem
- não por característica real, mas por defeito voluntário, pelo pecado - de
negação de Deus, de oposição à Sua amável Vontade salvífica.
A
festa da Ascensão do Senhor sugere-nos também outra realidade: o Cristo que nos
anima a esta tarefa no mundo espera-nos no Céu. Por outras palavras: a vida na
terra, que amamos, não é a definitiva: porque não temos aqui cidade permanente,
mas andamos em busca da futura cidade imutável.
Procuremos,
no entanto, não interpretar a Palavra de Deus nos limites de horizontes
estreitos. O Senhor não nos impele a sermos infelizes enquanto caminhamos,
esperando só a consolação no além. Deus quer-nos felizes também aqui, embora
anelando o cumprimento definitivo dessa outra felicidade, que só Ele pode
preencher completa e abundantemente.
Nesta
terra, a contemplação das realidades sobrenaturais, a acção da graça nas nossas
almas, o amor ao próximo como fruto saboroso do amor a Deus, supõem já uma
antecipação do Céu, uma começo destinado a crescer dia a dia. Nós, cristãos,
não suportamos uma vida dupla: mantemos uma unidade de vida, simples e forte,
na qual se fundamentam e compenetram todas às nossas acções.