São Josemaria Escrivá
CRISTO QUE PASSA
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Lux fulgebit hodie super nos, quia natus est nobis Dominus - Hoje brilhará sobre
nós a luz, porque nos nasceu o Senhor!
Eis a grande novidade
que comove os cristãos e que, através deles, se dirige à Humanidade inteira.
Deus está aqui!
Esta verdade deve encher
as nossas vidas.
Cada Natal deve ser para
nós um novo encontro especial com Deus, deixando que a sua luz e a sua graça entrem
até ao fundo da nossa alma.
Detemo-nos diante do
Menino, de Maria e de José; estamos contemplando o Filho de Deus revestido da
nossa carne...
Vem-me à lembrança a
viagem que fiz a Loreto, em 15 de Agosto de 1951, para visitar a Santa Casa por
motivo muito íntimo.
Celebrei lá a Santa
Missa.
Queria dizê-la com
recolhimento mas não tinha contado com o fervor da multidão.
Não tinha calculado que
nesse grande dia de festa muitas pessoas dos arredores viriam a Loreto - com a
bendita fé dessa terra e com o amor que têm à Madona.
E a sua piedade,
considerando as coisas - como diria? - só do ponto de vista das leis rituais da
Igreja, levava-as a manifestações não muito correctas.
E assim, enquanto eu
beijava o altar, nos momentos prescritos pelas rubricas da Missa, três ou
quatro camponeses beijavam-no ao mesmo tempo.
Distraía-me mas estava
emocionado.
E também me atraía a
atenção a lembrança de que naquela Santa Casa - que a tradição assegura ser o
lugar onde viveram Jesus, Maria e José - na mesa do altar tinham gravado estas
palavras: Hic Verbum caro factum est.
Aqui, numa casa
construída pelas mãos dos homens, num pedaço de terra em que vivemos, habitou
Deus!
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Jesus Cristo, perfeito
Deus e perfeito homem
O Filho de Deus fez-se
carne e é perfectus Deus, perfectus homo,
perfeito Deus e perfeito homem!
Neste mistério há
qualquer coisa que deveria emocionar os cristãos. Estava e estou comovido;
gostava de voltar a Loreto...
Vou lá em desejo para
reviver os anos da infância de Jesus, repetindo e considerando: Hic Verbum caro factum est!
Jesus Christus, Deus Homo, Jesus Cristo, Deus-Homem!
Eis uma magnalia Dei, uma das maravilhas de Deus
em que temos de meditar e que temos de agradecer a este Senhor que veio trazer
a paz na terra aos homens de boa vontade, a todos os homens que querem unir a
sua vontade à Vontade boa de Deus.
Não só aos ricos, nem só
aos pobres!
A todos os homens, a
todos os irmãos!
Pois irmãos somos todos
em Jesus; filhos de Deus, irmãos de Cristo. Sua Mãe é nossa Mãe.
Na terra há apenas uma
raça: a raça dos filhos de Deus.
Todos devemos falar a
mesma língua: a que o nosso Pai que está nos Céus nos ensina; a língua dos
diálogos de Jesus com seu Pai; a língua que se fala com o coração e com a
cabeça; a que estais a usar agora na vossa oração.
É a língua das almas
contemplativas, dos homens espirituais por se terem dado conta da sua filiação
divina; uma língua que se manifesta em mil moções da vontade, em luzes vivas do
entendimento, em afectos do coração, em decisões de rectidão de vida, de
bem-fazer, de alegria, de paz.
É preciso ver o Menino,
nosso Amor, no seu berço.
Olhar para Ele, sabendo
que estamos perante um mistério. Precisamos de aceitar o mistério pela fé,
aprofundar o seu conteúdo. Para isso necessitamos das disposições humildes da
alma cristã: não pretender reduzir a grandeza de Deus aos nossos pobres
conceitos, às nossas explicações humanas, mas compreender que esse mistério, na
sua obscuridade, é uma luz que guia a vida dos homens.
Vemos - diz S. João
Crisóstomo - que Jesus saiu de nós, da nossa substância humana, e que nasceu de
Mãe virgem; mas não entendemos como pode ter-se realizado esse prodígio.
Não nos cansemos,
tentando descobri-lo; aceitemos antes com humildade o que Deus nos revelou sem
esquadrinharmos com curiosidade o que Deus nos escondeu.
Assim, com este
acatamento, saberemos compreender e amar; e o mistério será para nós um
esplêndido ensinamento, mais convincente do que qualquer outro raciocínio
humano.
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Sentido divino do
caminhar terreno de Jesus
Ao falar diante do
presépio sempre procurei ver Cristo Nosso Senhor desta maneira, envolto em
paninhos sobre a palha da manjedoura, e, enquanto ainda menino e não diz nada,
vê-Lo já como doutor, como mestre.
Preciso de considerá-Lo
assim, porque tenho de aprender d'Ele.
E para aprender d'Ele é
necessário conhecer a sua vida: ler o Santo Evangelho, meditar no sentido
divino do caminho terreno de Jesus.
Na verdade, temos de
reproduzir na nossa, a vida de Cristo, conhecendo Cristo à força de ler a
Sagrada Escritura e de a meditar, à força de fazer oração, como agora estamos
fazendo diante do presépio.
É preciso entender as
lições que nos dá Jesus já desde menino, desde recém-nascido, desde que os seus
olhos se abriram para esta bendita terra dos homens.
Jesus, crescendo e
vivendo como um de nós, revela-nos que a existência humana, a vida corrente e
ordinária, tem um sentido divino.
Por muito que tenhamos
pensado nestas verdades, devemos encher-nos sempre de admiração ao pensar nos
trinta anos de obscuridade que constituem a maior parte da passagem de Jesus
entre os seus irmãos, os homens.
Anos de sombra, mas,
para nós, claros como a luz do Sol.
Mais: resplendor que
ilumina os nossos dias e lhes dá uma autêntica projecção, pois somos cristãos
correntes, com uma vida vulgar, igual à de tantos milhões de pessoas nos mais
diversos lugares do Mundo.
Assim viveu Jesus seis
lustros: era filius fabris, o filho
do carpinteiro. Virão depois os três anos de vida pública, com o clamor das
multidões.
E as pessoas
surpreendem-se: Quem é este?
Onde aprendeu tantas
coisas?
Pois a sua vida tinha
sido a vida comum do povo da sua terra.
Era o faber, filius Mariae, o carpinteiro,
filho de Maria.
E era Deus; e estava a
realizar a redenção do género humano; e estava a atrair a si todas as coisas.
(cont)