Tempo comum XXXII Semana
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Tendo-Lhe os fariseus perguntado quando viria o reino de Deus, respondeu-lhes:
«O reino de Deus não virá ostensivamente. 21 Não se dirá: Ei-lo aqui
ou ei-lo acolá. Porque eis que o reino de Deus está no meio de vós». 22
Depois disse aos Seus discípulos: «Virá tempo em que desejareis ver um só dos
dias do Filho do Homem e não o vereis. 23 E vos dirão: Ei-lo aqui,
ou ei-lo acolá. Não vades, nem os sigais. 24 Porque, assim como o
clarão brilhante de um relâmpago ilumina o céu de uma extremidade à outra,
assim será o Filho do Homem no Seu dia. 25 Mas primeiro é necessário
que Ele sofra muito e seja rejeitado por esta geração.
Comentário:
Os comentários ao Evangelho tendem,
forçosamente, de ser algo repetitivos e não há nisso mal nenhum porque o que se
pretende é ir, ao longo do ano, meditando nos vários trechos que a Liturgia nos
propõe.
Este talvez seja um dos casos porque fala
do final dos tempos, da Parúsia e, este, é um assunto que está sempre presente
no nosso pensamento, com especial relevo durante o mês de Novembro.
Porquê? Porque termina o Ano Litúrgico com
a festa de Cristo Rei, o que, de certo modo, culmina, liturgicamente, a vinda
de Cristo na terra e o anúncio do Reino de Deus.
Deixam-nos um travo amargo as últimas
palavras de Jesus Cristo: «primeiro é necessário que Ele sofra muito e seja
rejeitado por esta geração.», porque pensamos
que O Criador chega a um tal ponto de amor pelas Suas criaturas que Se impõe a
Si Próprio, na Sua Segunda Pessoa, a doação da própria vida para nos libertar
do pecado e tornar, definitivamente, Seus filhos aptos para a Vida Eterna.
(ama, comentário
sobre Lc 17, 20-25, 2013.11.14)
HISTÓRIA DE UMA ALMA
Santa Teresinha do Menino Jesus
MANUSCRITO ENDEREÇADO A MADRE MARIA DE
GONZAGA
J.M.J.T.
Madre bem-amada, manifestastes-me o
desejo de que eu termine de cantar convosco as Misericórdias do Senhor. Comecei
este doce canto com vossa filha querida, Inês de Jesus, que foi a mãe
encarregada por Deus de guiar-me na minha infância. Portanto, era com ela que
eu devia cantar as graças concedidas à florzinha da Santíssima Virgem, quando
na primavera da vida. É convosco que devo cantar a felicidade desta florzinha,
agora que os tímidos raios da aurora deram lugar aos ardores do meio-dia. Sim,
é convosco, Madre querida, é para atender ao vosso desejo que vou tentar
redizer os sentimentos da minha alma, minha gratidão para com Deus e para
convosco, que o representais visivelmente. Não foi nas vossas mãos maternas que
me entreguei inteiramente a Ele? Oh, Madre! tendes lembrança daquele dia?...
Sim, sinto que vosso coração não poderia esquecê-lo... Devo esperar o belo Céu,
pois não encontro palavras capazes de expressar o que aconteceu em meu coração
naquele dia bendito.
Madre querida, há um outro dia em que
minha alma se uniu ainda mais à vossa, se isso fosse possível, foi o dia em que
Jesus vos impôs novamente o fardo do superiorado. Naquele dia, Madre querida,
semeastes em lágrimas, mas no Céu sereis cumulada de alegria ao vos
apresentardes carregada de feixes preciosos. Ó Madre, perdoai minha
simplicidade infantil, sinto que me permitis falar-vos sem procurar distinguir
o que é ou não é permitido a uma jovem religiosa dizer à sua priora. Talvez não
me contenha sempre nos limites prescritos aos subalternos, mas, querida Madre,
ouso dizê-lo, é por culpa vossa, tenho convosco atitudes de criança porque não
agis comigo como priora, mas como mãe... Ah! sinto perfeitamente, querida
Madre, é Deus que me fala por vosso intermédio. Muitas irmãs pensam que me
tendes mimado. Que desde minha chegada à arca santa só recebi de vós carícias e
agrados. Mas não é bem assim. Vereis, Madre, no caderno em que relato minhas
lembranças de infância, o que penso da educação forte e materna que recebi de
vós. Do mais profundo do meu coração, vos agradeço por não me terdes poupado.
Jesus sabia muito bem que sua florzinha precisava da água vivificante da
humilhação, era fraca demais para criar raiz sem essa ajuda, e foi por vós,
Madre, que esse benefício lhe foi dado.
Há um ano e meio, Jesus quis mudar a
maneira de cultivar sua florzinha. Achou-a, sem dúvida, bastante regada;
resolveu que ela precisava de sol para crescer. Doravante, Jesus só quer dar a
ela o seu sorriso e o dá por vós, Madre querida. Esse sol suave, longe de fazer
murchar a florzinha, a faz crescer maravilhosamente. No fundo do seu cálice,
ela conserva as preciosas gotas de orvalho que já recebeu e essas gotas
recordam-lhe sempre que é pequena e fraca... Todas as criaturas podem
inclinar-se para ela, admirá-la, cobri-la de elogios; sem saber por quê, tudo
isso não acrescenta uma única gota de falsa alegria à alegria verdadeira que
saboreia em seu coração, por se ver o que é aos olhos de Deus: apenas um pobre
nadinha, nada mais... Digo não entender por quê, mas não seria por ter sido preservada
da água dos elogios enquanto seu pequeno cálice não fosse repleto do orvalho da
humilhação? Agora, o perigo passou. A florzinha acha tão delicioso o orvalho do
qual está repleta que não o trocaria de forma alguma pela água insípida dos
elogios.
Não quero falar, Madre querida, do
amor e da confiança que me manifestais. Não pensai que o coração da vossa filha
esteja insensível a eles, mas sinto não ter nada a temer agora, pelo contrário,
posso gozar deles, atribuindo a Deus o que Ele se dignou pôr de bom em mim. Se
lhe agrada fazer-me parecer melhor do que sou, isso não me diz respeito. Ele é
livre para agir como quer... Oh, Madre! como são diferentes os caminhos pelos
quais o Senhor conduz as almas! Na vida dos santos, vimos que muitos não quiseram
deixar nada de si depois da morte, nem o mínimo escrito, nem a mínima
lembrança. Outros, pelo contrário, como nossa Madre santa Teresa, enriqueceram
a Igreja com suas sublimes revelações, sem receio de contar os segredos do Rei,
para que seja mais conhecido, mais amado pelas almas. Qual desses dois gêneros
de santos agrada mais a Deus? Parece-me, Madre, que os dois lhe são igualmente
agradáveis, pois todos seguiram o impulso do Espírito Santo, e que o Senhor
disse: Dizei ao Justo que está Tudo bem. Sim, tudo está bem quando se procura
apenas a -vontade de Jesus. Eis por que eu, pobre florzinha, obedeço a Jesus
procurando agradar a minha Madre querida.
Sabíeis, Madre, que sempre desejei ser
santa, mas ai! sempre constatei, quando me comparei com os santos, haver entre
eles e mim a mesma diferença que existe entre uma montanha cujos cimos se
perdem nos céus, e o obscuro grão de, areia pisado pelos transeuntes. Em vez de
desanimar, disse a mim mesma: Deus não poderia inspirar desejos irrealizáveis,
portanto posso, apesar da minha pequenez, aspirar à santidade; não consigo
crescer, devo suportar-me como sou, com todas as minhas imperfeições; mas quero
encontrar o meio de ir para o Céu por uma via muito directa, muito curta, uma
pequena via, totalmente nova. Estamos num século de invenções. Agora, não é
mais preciso subir os degraus de uma escada, nas casas dos ricos, um elevador a
substitui com vantagens. Eu também gostaria de encontrar um elevador para
elevar-me até Jesus, pois sou pequena demais para subir a íngreme escada da
perfeição. Procurei então, na Sagrada Escritura a indicação do elevador, objeto
do meu desejo, e li estas palavras da eterna sabedoria: Quem for pequenino,
venha cá; ao que falta entendimento vou falar. Vim, então, adivinhando ter
encontrado o que procurava e querendo saber, ó Deus, o que faríeis ao pequenino
que respondesse ao vosso chamado. Continuei minhas pesquisas e eis o que achei:
Como alguém que é consolado pela própria mãe, assim eu vos consolarei. Sereis
amamentados, levados ao colo, e acariciados sobre os joelhos! Ah! nunca
palavras mais suaves, mais melodiosas, vieram alegrar minha alma. Vossos braços
são o elevador que deve elevar-me até o Céu, ó Jesus! Para isso, eu não preciso
crescer, pelo contrário, preciso permanecer pequena, que o venha a ser sempre
mais. Ó meu Deus, superastes minha expectativa e quero cantar as vossas
misericórdias. "Vós me instruístes, ó Deus, desde a minha juventude, e até
agora proclamo as vossas maravilhas; e também até a velhice, até à canície continuarei
a publicá-las. Qual será para mim essa idade avançada? Parece-me que poderia
ser agora, pois dois mil anos não são mais que vinte aos olhos do Senhor... que
um dia... Ah! não creiais, Madre querida, que vossa filha deseja vos deixar...
não creiais que considera como graça maior a de morrer na aurora em vez de no
crepúsculo. O que aprecia, o que deseja unicamente é agradar a Jesus... Agora
que Ele parece aproximar-se dela, a fim de atraí-la para a sua glória, vossa
filha se alegra. Há muito compreendeu que Deus não precisa de ninguém (menos
ainda dela que dós outros) para realizar o bem na terra.
Perdoai-me, Madre, se vos
entristeço... ah! gostaria tanto de vos alegrar... mas credes que se vossas
orações não são atendidas na terra, se Jesus separa por alguns dias a criança
da mãe, essas orações não serão atendidas no Céu?...
Vosso desejo, sei, é que eu cumpra
junto a vós uma missão muito suave, muito fácil; mas não poderia eu terminá-la
do alto do Céu?... Como Jesus disse um dia a são Pedro, vós dissestes à vossa
filha: "Apascenta meus cordeirinhos". Espantei-me e vos disse
"ser eu pequena demais"... supliquei para que vós mesma
apascentásseis vossos pequenos cordeiros e me guardásseis, me apascentásseis,
por favor, com eles. E vós, Madre querida, atendendo um pouco ao meu justo
desejo, guardastes os cordeirinhos com as ovelhas, mas ordenando-me que fosse
muitas vezes fazê-las pastar na sombra, que lhes indicasse as melhores ervas e
as mais fortificantes, que lhes mostrasse as flores brilhantes que nunca devem
tocar a não ser para esmagá-las com os pés... Não receastes, Madre querida, que
eu extraviasse vossos cordeirinhos; minha inexperiência, minha juventude não
vos atemorizaram. Talvez tenhais recordado que, muitas vezes, o Senhor se
compraz em conceder a sabedoria aos pequenos e que, um dia, num impulso de
alegria, bendisse a seu Pai por ter ocultado seus segredos aos sábios e tê-los
revelado aos pequenos. Sabeis, Madre querida, pouco raras são as almas que não
medem o poder de Deus segundo seus próprios pensamentos, aceitam que em todo
lugar na terra haja exceções, mas recusam a Deus o direito da fazê-las. Sei que
essa maneira de [medir] a experiência aos anos vividos se pratica há muito
tempo entre os humanos, pois na sua adolescência o santo rei Davi cantava ao
Senhor: "Sou jovem e desprezado". No mesmo salmo 118, não receia
dizer: "Tornei-me mais prudente que os anciãos porque busquei vossa
vontade... Vossa palavra é a lâmpada que ilumina meus passos... Estou pronto
para cumprir vossas ordens; nada me perturba..."
Madre querida, não receastes dizer-me,
um dia, que Deus iluminava a minha alma, que até me dava a experiência dos
anos... ó Madre! sou pequena demais para ter vaidade agora; sou ainda pequena
demais para elaborar belas frases para vos fazer crer que tenho muita
humildade, prefiro acreditar, simplesmente, que o Todo-Poderoso fez grandes
coisas na alma da filha de sua divina Mãe e a maior é ter-lhe mostrado a sua
pequenez, sua impotência. Madre querida, sabeis muito bem, Deus se dignou fazer
minha alma passar por provações de diversas espécies, sofri muito desde que
estou na terra mas se, na minha infância, sofri com tristeza, não é mais assim
que sofro atualmente, é na alegria e na paz. Sou verdadeiramente feliz em
sofrer. Ó Madre, é preciso que conheçais todos os segredos da minha alma para
não sorrirdes ao lerdes estas linhas, pois será que existe uma alma menos
provada que a minha, se julgarmos pelas aparências? Ah! se a provação que sofro
há um ano aparecesse aos olhares, que surpresa!..
Madre querida, sabeis qual é essa
provação, mas vou falar-vos dela ainda, pois considero-a uma grande graça
recebida sob vosso priorado abençoado.
No ano passado, Deus permitiu-me o
consolo de observar o jejum da quaresma em todo o seu rigor. Nunca me sentira
tão forte e essa força manteve-se até a Páscoa. Porém, na Sexta-Feira santa,
Jesus deu-me a esperança de ir vê-lo em breve, no Céu... Oh! como me é suave
essa lembrança! Após ter ficado junto ao túmulo até a meia-noite, regressei à
nossa cela, mas apenas coloquei a cabeça no travesseiro senti um fluxo subir,
subir borbulhando até meus lábios. Não sabia de que se tratava, mas pensei que,
talvez, fosse morrer e minha alma estava inundada de alegria... Mas, como nossa
lâmpada estava apagada, disse a mim mesma que era preciso esperar o amanhecer
para ter certeza da minha felicidade, pois parecia-me ser sangue que eu tinha
vomitado. O amanhecer chegou logo. Ao acordar, pensei imediatamente ter alguma
coisa alegre a constatar. Perto da janela, pude verificar meu pressentimento...
Ah! minha alma ficou repleta de uma grande consolação; estava intimamente
persuadida de que Jesus, no dia do aniversário da sua morte, queria deixar-me
perceber um primeiro chamado. Era como um suave e longínquo murmúrio que me anunciava
a chegada do Esposo...
Assisti com grande fervor à Prima e ao
capítulo dos perdões. Estava ansiosa para que chegasse a minha vez, a fim de
poder, pedindo perdão, confidenciar a vós, querida Madre, minha esperança e
minha felicidade. Acrescentei que não tinha dor nenhuma (o que era verdade) e
pedi-vos, Madre, que nada me désseis de particular. De fato, tive o consolo de
passar a Sexta-feira Santa como eu queria. Nunca as austeridades do Carmelo
pareceram-me tão deliciosas. A esperança de chegar ao Céu arrebatava-me de
alegria. À noite desse feliz dia, foi preciso repousar, mas Jesus deu-me o
mesmo sinal de que meu ingresso na vida eterna estava próximo... Gozava então
de uma fé tão viva, tão clara, que o pensamento do Céu era toda a minha
felicidade, não podia crer na existência de ímpios desprovidos de fé.
Acreditava que falavam contra o próprio pensamento ao negar a existência do
Céu, do belo Céu onde o próprio Deus quer ser a recompensa eterna. Nos dias tão
alegres do tempo pascal, Jesus fez-me sentir haver almas sem fé que, por abuso
das graças, perdem esse precioso tesouro, fonte das únicas alegrias puras e
verdadeiras. Permitiu que minha alma fosse invadida pelas mais densas trevas e
que a idéia do Céu, tão suave para mim, não passasse de tema de combate e
tortura... Essa provação não devia durar apenas alguns dias, algumas semanas,
só devia desaparecer na hora marcada por Deus e... essa hora não chegou
ainda... Gostaria de poder expressar o que sinto, mas creio ser impossível. É
preciso ter andado por esse túnel escuro para compreender a escuridão. Mas vou
tentar explicar por meio de uma comparação.
Imagino ter nascido num país envolvido
por um denso nevoeiro. Nunca contemplei o risonho aspecto da natureza,
inundada, transfigurada pelo sol brilhante; desde minha infância, ouço falar
dessas maravilhas, sei que o país em que estou não é a minha pátria, que existe
outro com o qual devo sonhar sempre. Não se trata de uma história inventada por
um habitante do triste país em que estou, mas é uma realidade comprovada, pois
o Rei da pátria do sol brilhante veio viver trinta e três anos no país das
trevas. Ai! as trevas não entenderam que esse Rei divino era a luz do mundo...
Mas, Senhor, vossa filha entendeu vossa divina luz, pede-vos perdão pelos seus
irmãos, aceita comer, pelo tempo que quiserdes, o pão da dor e não quer
levantar-se desta mesa coberta de amargura onde comem os pobres pecadores antes
do dia marcado por vós... Mas não pode ela dizer em seu nome e em nome dos seus
irmãos: Tendes piedade de nós, Senhor, pois somos pobres pecadores!?... Oh!
Senhor, mandai-nos justificados para casa... Que todos aqueles que não estão
iluminados pela luz resplandecente da fé a vejam finalmente luzir... Ó Jesus,
se for preciso que a mesa por eles maculada seja purificada por uma alma que
vos ama, aceito comer sozinha o pão da provação até o momento que vos agradar
introduzir-me em vosso reino luminoso. A única graça que vos peço é a de nunca
vos ofender!...
Madre querida, o que vos escrevo não
tem sequência lógica. Minha historiazinha que se assemelhava a um conto de
fadas transformou-se de repente em oração. Não sei do interesse que teríeis em
ler todos estes pensamentos confusos e mal expressos. Enfim, Madre, não escrevo
uma obra literária, mas por obediência. Se vos aborreço, vereis, pelo menos,
que vossa filha mostrou boa vontade. Portanto, e sem desanimar vou prosseguir
com minha comparaçãozinha, a partir do ponto em que a deixei. Dizia que a
certeza de, um dia, ir longe do país triste e tenebroso me fora dada na
infância; não acreditava apenas no que ouvia dizer por pessoas mais instruídas
que eu, mas sentia no fundo do meu coração aspirações por uma região mais
bonita. Assim como o génio de Cristóvão Colombo levou-o a pressentir a
existência de um novo mundo quando ninguém tinha pensado nisso, também eu
sentia que outra terra me serviria de morada estável, um dia. Mas, de repente,
o nevoeiro que me envolve torna-se mais denso, invade minha alma, e a envolve
de tal maneira que não me é mais possível ver nela a imagem da minha pátria.
Tudo se evaporou! Quando quero que meu coração, cansado das trevas que o
envolvem, repouse com a lembrança do país luminoso ao qual aspiro, meu tormento
aumenta. Parece-me que as trevas, pela voz dos pecadores, me dizem zombeteiras:
"Sonhas com a luz, com uma pátria perfumada pelos mais suaves olores,
sonhas com a eterna posse do Criador de todas essas maravilhas, acreditas um
dia poder sair do nevoeiro que te envolve, avança, avança, alegra-te com a
morte que não te dará o que esperas, mas uma noite ainda mais profunda, a noite
do nada".
Madre querida, a imagem que quis vos
dar das trevas que envolvem minha alma é tão imperfeita quanto um esboço
comparado com o modelo. Porém, não quero escrever mais, receio blasfemar...
receio até ter falado demais...
Ah! que Jesus me perdoe se o magoei,
mas ele sabe que, embora sem o gozo da Fé, procuro, pelo menos, realizar as
obras. Creio ter feito mais atos de fé, neste último ano, do que em toda a
minha vida`. A cada nova ocasião de luta, quando meus inimigos vêm me provocar,
comporto-me com bravura; por saber que é covardia bater-se em duelo, viro as
costas para meus adversários", sem dignar-me olhá-los de frente, mas corro
para meu Jesus, digo-lhe que estou pronta para derramar até a última gota do
meu sangue" para confessar que o Céu existe. Digo-lhe que estou feliz por
não gozar desse belo Céu na terra, a fim de que Ele o abra para a eternidade
aos pobres incrédulos. Assim, apesar dessa provação que aparta de mim todo o
gozo, posso clamar: "Senhor, vós me cumulais de alegria" por tudo o
que fazeis" (SL XCI). Pois existe alegria maior que a de sofrer pelo vosso
amor?... Mais interior é o sofrimento, menos aparece aos olhos das criaturas,
mais ele vos alegra, ó meu Deus; mas se, por impossível que fosse, devêsseis
ignorar meu sofrimento, ainda seria feliz de suportá-lo se, por meio dele, eu
pudesse impedir ou reparar uma única falta cometida contra a Fé...
Madre querida, talvez vos pareça que
exagero minha provação; de fato, se julgais a partir dos sentimentos expressos
nas pequenas poesias que escrevi durante este ano, sou uma alma repleta de
consolações e para quem o véu da fé está quase rasgado. Mas... não é mais um
véu para mim, é um muro levantado até os céus e que encobre o firmamento
estrelado... Quando canto a felicidade do Céu, a eterna posse de Deus, não
sinto alegria alguma, pois só canto o que quero crer. Às vezes, é verdade, um
raiozinho de sol vem iluminar minhas trevas; então, a provação cessa por um
instante, mas depois a recordação desse raio, em vez de causar-me alegria,
torna minhas trevas ainda mais densas.
Oh Madre! nunca senti tão bem como o
Senhor é compassivo e misericordioso, só me mandou essa provação no momento em
que tive a força para suportá-la, creio que, mais cedo, ela me teria mergulhado
no desânimo... Agora, subtrai-me tudo o que poderia se encontrar de satisfação
natural no desejo que tinha do Céu... Madre querida parece-me que agora nada me
impede de levantar voo, pois não tenho mais grandes desejos a não ser o de amar
até morrer de amor... (9 de Junho)
(cont)