13/11/2014

Ev. diário, coment. L. Esp. (História de uma alma)

Tempo comum XXXII Semana

Evangelho: Lc 17 20-25

20 Tendo-Lhe os fariseus perguntado quando viria o reino de Deus, respondeu-lhes: «O reino de Deus não virá ostensivamente. 21 Não se dirá: Ei-lo aqui ou ei-lo acolá. Porque eis que o reino de Deus está no meio de vós». 22 Depois disse aos Seus discípulos: «Virá tempo em que desejareis ver um só dos dias do Filho do Homem e não o vereis. 23 E vos dirão: Ei-lo aqui, ou ei-lo acolá. Não vades, nem os sigais. 24 Porque, assim como o clarão brilhante de um relâmpago ilumina o céu de uma extremidade à outra, assim será o Filho do Homem no Seu dia. 25 Mas primeiro é necessário que Ele sofra muito e seja rejeitado por esta geração.
Comentário

Os comentários ao Evangelho tendem, forçosamente, de ser algo repetitivos e não há nisso mal nenhum porque o que se pretende é ir, ao longo do ano, meditando nos vários trechos que a Liturgia nos propõe.
Este talvez seja um dos casos porque fala do final dos tempos, da Parúsia e, este, é um assunto que está sempre presente no nosso pensamento, com especial relevo durante o mês de Novembro.
Porquê? Porque termina o Ano Litúrgico com a festa de Cristo Rei, o que, de certo modo, culmina, liturgicamente, a vinda de Cristo na terra e o anúncio do Reino de Deus.
Deixam-nos um travo amargo as últimas palavras de Jesus Cristo: «primeiro é necessário que Ele sofra muito e seja rejeitado por esta geração.», porque pensamos que O Criador chega a um tal ponto de amor pelas Suas criaturas que Se impõe a Si Próprio, na Sua Segunda Pessoa, a doação da própria vida para nos libertar do pecado e tornar, definitivamente, Seus filhos aptos para a Vida Eterna.

(ama, comentário sobre Lc 17, 20-25, 2013.11.14)

Leitura espiritual




HISTÓRIA DE UMA ALMA

Santa Teresinha do Menino Jesus


MANUSCRITO ENDEREÇADO A MADRE MARIA DE GONZAGA

J.M.J.T.

Madre bem-amada, manifestastes-me o desejo de que eu termine de cantar convosco as Misericórdias do Senhor. Comecei este doce canto com vossa filha querida, Inês de Jesus, que foi a mãe encarregada por Deus de guiar-me na minha infância. Portanto, era com ela que eu devia cantar as graças concedidas à florzinha da Santíssima Virgem, quando na primavera da vida. É convosco que devo cantar a felicidade desta florzinha, agora que os tímidos raios da aurora deram lugar aos ardores do meio-dia. Sim, é convosco, Madre querida, é para atender ao vosso desejo que vou tentar redizer os sentimentos da minha alma, minha gratidão para com Deus e para convosco, que o representais visivelmente. Não foi nas vossas mãos maternas que me entreguei inteiramente a Ele? Oh, Madre! tendes lembrança daquele dia?... Sim, sinto que vosso coração não poderia esquecê-lo... Devo esperar o belo Céu, pois não encontro palavras capazes de expressar o que aconteceu em meu coração naquele dia bendito.

Madre querida, há um outro dia em que minha alma se uniu ainda mais à vossa, se isso fosse possível, foi o dia em que Jesus vos impôs novamente o fardo do superiorado. Naquele dia, Madre querida, semeastes em lágrimas, mas no Céu sereis cumulada de alegria ao vos apresentardes carregada de feixes preciosos. Ó Madre, perdoai minha simplicidade infantil, sinto que me permitis falar-vos sem procurar distinguir o que é ou não é permitido a uma jovem religiosa dizer à sua priora. Talvez não me contenha sempre nos limites prescritos aos subalternos, mas, querida Madre, ouso dizê-lo, é por culpa vossa, tenho convosco atitudes de criança porque não agis comigo como priora, mas como mãe... Ah! sinto perfeitamente, querida Madre, é Deus que me fala por vosso intermédio. Muitas irmãs pensam que me tendes mimado. Que desde minha chegada à arca santa só recebi de vós carícias e agrados. Mas não é bem assim. Vereis, Madre, no caderno em que relato minhas lembranças de infância, o que penso da educação forte e materna que recebi de vós. Do mais profundo do meu coração, vos agradeço por não me terdes poupado. Jesus sabia muito bem que sua florzinha precisava da água vivificante da humilhação, era fraca demais para criar raiz sem essa ajuda, e foi por vós, Madre, que esse benefício lhe foi dado.

Há um ano e meio, Jesus quis mudar a maneira de cultivar sua florzinha. Achou-a, sem dúvida, bastante regada; resolveu que ela precisava de sol para crescer. Doravante, Jesus só quer dar a ela o seu sorriso e o dá por vós, Madre querida. Esse sol suave, longe de fazer murchar a florzinha, a faz crescer maravilhosamente. No fundo do seu cálice, ela conserva as preciosas gotas de orvalho que já recebeu e essas gotas recordam-lhe sempre que é pequena e fraca... Todas as criaturas podem inclinar-se para ela, admirá-la, cobri-la de elogios; sem saber por quê, tudo isso não acrescenta uma única gota de falsa alegria à alegria verdadeira que saboreia em seu coração, por se ver o que é aos olhos de Deus: apenas um pobre nadinha, nada mais... Digo não entender por quê, mas não seria por ter sido preservada da água dos elogios enquanto seu pequeno cálice não fosse repleto do orvalho da humilhação? Agora, o perigo passou. A florzinha acha tão delicioso o orvalho do qual está repleta que não o trocaria de forma alguma pela água insípida dos elogios.

Não quero falar, Madre querida, do amor e da confiança que me manifestais. Não pensai que o coração da vossa filha esteja insensível a eles, mas sinto não ter nada a temer agora, pelo contrário, posso gozar deles, atribuindo a Deus o que Ele se dignou pôr de bom em mim. Se lhe agrada fazer-me parecer melhor do que sou, isso não me diz respeito. Ele é livre para agir como quer... Oh, Madre! como são diferentes os caminhos pelos quais o Senhor conduz as almas! Na vida dos santos, vimos que muitos não quiseram deixar nada de si depois da morte, nem o mínimo escrito, nem a mínima lembrança. Outros, pelo contrário, como nossa Madre santa Teresa, enriqueceram a Igreja com suas sublimes revelações, sem receio de contar os segredos do Rei, para que seja mais conhecido, mais amado pelas almas. Qual desses dois gêneros de santos agrada mais a Deus? Parece-me, Madre, que os dois lhe são igualmente agradáveis, pois todos seguiram o impulso do Espírito Santo, e que o Senhor disse: Dizei ao Justo que está Tudo bem. Sim, tudo está bem quando se procura apenas a -vontade de Jesus. Eis por que eu, pobre florzinha, obedeço a Jesus procurando agradar a minha Madre querida.

Sabíeis, Madre, que sempre desejei ser santa, mas ai! sempre constatei, quando me comparei com os santos, haver entre eles e mim a mesma diferença que existe entre uma montanha cujos cimos se perdem nos céus, e o obscuro grão de, areia pisado pelos transeuntes. Em vez de desanimar, disse a mim mesma: Deus não poderia inspirar desejos irrealizáveis, portanto posso, apesar da minha pequenez, aspirar à santidade; não consigo crescer, devo suportar-me como sou, com todas as minhas imperfeições; mas quero encontrar o meio de ir para o Céu por uma via muito directa, muito curta, uma pequena via, totalmente nova. Estamos num século de invenções. Agora, não é mais preciso subir os degraus de uma escada, nas casas dos ricos, um elevador a substitui com vantagens. Eu também gostaria de encontrar um elevador para elevar-me até Jesus, pois sou pequena demais para subir a íngreme escada da perfeição. Procurei então, na Sagrada Escritura a indicação do elevador, objeto do meu desejo, e li estas palavras da eterna sabedoria: Quem for pequenino, venha cá; ao que falta entendimento vou falar. Vim, então, adivinhando ter encontrado o que procurava e querendo saber, ó Deus, o que faríeis ao pequenino que respondesse ao vosso chamado. Continuei minhas pesquisas e eis o que achei: Como alguém que é consolado pela própria mãe, assim eu vos consolarei. Sereis amamentados, levados ao colo, e acariciados sobre os joelhos! Ah! nunca palavras mais suaves, mais melodiosas, vieram alegrar minha alma. Vossos braços são o elevador que deve elevar-me até o Céu, ó Jesus! Para isso, eu não preciso crescer, pelo contrário, preciso permanecer pequena, que o venha a ser sempre mais. Ó meu Deus, superastes minha expectativa e quero cantar as vossas misericórdias. "Vós me instruístes, ó Deus, desde a minha juventude, e até agora proclamo as vossas maravilhas; e também até a velhice, até à canície continuarei a publicá-las. Qual será para mim essa idade avançada? Parece-me que poderia ser agora, pois dois mil anos não são mais que vinte aos olhos do Senhor... que um dia... Ah! não creiais, Madre querida, que vossa filha deseja vos deixar... não creiais que considera como graça maior a de morrer na aurora em vez de no crepúsculo. O que aprecia, o que deseja unicamente é agradar a Jesus... Agora que Ele parece aproximar-se dela, a fim de atraí-la para a sua glória, vossa filha se alegra. Há muito compreendeu que Deus não precisa de ninguém (menos ainda dela que dós outros) para realizar o bem na terra.

Perdoai-me, Madre, se vos entristeço... ah! gostaria tanto de vos alegrar... mas credes que se vossas orações não são atendidas na terra, se Jesus separa por alguns dias a criança da mãe, essas orações não serão atendidas no Céu?...

Vosso desejo, sei, é que eu cumpra junto a vós uma missão muito suave, muito fácil; mas não poderia eu terminá-la do alto do Céu?... Como Jesus disse um dia a são Pedro, vós dissestes à vossa filha: "Apascenta meus cordeirinhos". Espantei-me e vos disse "ser eu pequena demais"... supliquei para que vós mesma apascentásseis vossos pequenos cordeiros e me guardásseis, me apascentásseis, por favor, com eles. E vós, Madre querida, atendendo um pouco ao meu justo desejo, guardastes os cordeirinhos com as ovelhas, mas ordenando-me que fosse muitas vezes fazê-las pastar na sombra, que lhes indicasse as melhores ervas e as mais fortificantes, que lhes mostrasse as flores brilhantes que nunca devem tocar a não ser para esmagá-las com os pés... Não receastes, Madre querida, que eu extraviasse vossos cordeirinhos; minha inexperiência, minha juventude não vos atemorizaram. Talvez tenhais recordado que, muitas vezes, o Senhor se compraz em conceder a sabedoria aos pequenos e que, um dia, num impulso de alegria, bendisse a seu Pai por ter ocultado seus segredos aos sábios e tê-los revelado aos pequenos. Sabeis, Madre querida, pouco raras são as almas que não medem o poder de Deus segundo seus próprios pensamentos, aceitam que em todo lugar na terra haja exceções, mas recusam a Deus o direito da fazê-las. Sei que essa maneira de [medir] a experiência aos anos vividos se pratica há muito tempo entre os humanos, pois na sua adolescência o santo rei Davi cantava ao Senhor: "Sou jovem e desprezado". No mesmo salmo 118, não receia dizer: "Tornei-me mais prudente que os anciãos porque busquei vossa vontade... Vossa palavra é a lâmpada que ilumina meus passos... Estou pronto para cumprir vossas ordens; nada me perturba..."

Madre querida, não receastes dizer-me, um dia, que Deus iluminava a minha alma, que até me dava a experiência dos anos... ó Madre! sou pequena demais para ter vaidade agora; sou ainda pequena demais para elaborar belas frases para vos fazer crer que tenho muita humildade, prefiro acreditar, simplesmente, que o Todo-Poderoso fez grandes coisas na alma da filha de sua divina Mãe e a maior é ter-lhe mostrado a sua pequenez, sua impotência. Madre querida, sabeis muito bem, Deus se dignou fazer minha alma passar por provações de diversas espécies, sofri muito desde que estou na terra mas se, na minha infância, sofri com tristeza, não é mais assim que sofro atualmente, é na alegria e na paz. Sou verdadeiramente feliz em sofrer. Ó Madre, é preciso que conheçais todos os segredos da minha alma para não sorrirdes ao lerdes estas linhas, pois será que existe uma alma menos provada que a minha, se julgarmos pelas aparências? Ah! se a provação que sofro há um ano aparecesse aos olhares, que surpresa!..

Madre querida, sabeis qual é essa provação, mas vou falar-vos dela ainda, pois considero-a uma grande graça recebida sob vosso priorado abençoado.

No ano passado, Deus permitiu-me o consolo de observar o jejum da quaresma em todo o seu rigor. Nunca me sentira tão forte e essa força manteve-se até a Páscoa. Porém, na Sexta-Feira santa, Jesus deu-me a esperança de ir vê-lo em breve, no Céu... Oh! como me é suave essa lembrança! Após ter ficado junto ao túmulo até a meia-noite, regressei à nossa cela, mas apenas coloquei a cabeça no travesseiro senti um fluxo subir, subir borbulhando até meus lábios. Não sabia de que se tratava, mas pensei que, talvez, fosse morrer e minha alma estava inundada de alegria... Mas, como nossa lâmpada estava apagada, disse a mim mesma que era preciso esperar o amanhecer para ter certeza da minha felicidade, pois parecia-me ser sangue que eu tinha vomitado. O amanhecer chegou logo. Ao acordar, pensei imediatamente ter alguma coisa alegre a constatar. Perto da janela, pude verificar meu pressentimento... Ah! minha alma ficou repleta de uma grande consolação; estava intimamente persuadida de que Jesus, no dia do aniversário da sua morte, queria deixar-me perceber um primeiro chamado. Era como um suave e longínquo murmúrio que me anunciava a chegada do Esposo...

Assisti com grande fervor à Prima e ao capítulo dos perdões. Estava ansiosa para que chegasse a minha vez, a fim de poder, pedindo perdão, confidenciar a vós, querida Madre, minha esperança e minha felicidade. Acrescentei que não tinha dor nenhuma (o que era verdade) e pedi-vos, Madre, que nada me désseis de particular. De fato, tive o consolo de passar a Sexta-feira Santa como eu queria. Nunca as austeridades do Carmelo pareceram-me tão deliciosas. A esperança de chegar ao Céu arrebatava-me de alegria. À noite desse feliz dia, foi preciso repousar, mas Jesus deu-me o mesmo sinal de que meu ingresso na vida eterna estava próximo... Gozava então de uma fé tão viva, tão clara, que o pensamento do Céu era toda a minha felicidade, não podia crer na existência de ímpios desprovidos de fé. Acreditava que falavam contra o próprio pensamento ao negar a existência do Céu, do belo Céu onde o próprio Deus quer ser a recompensa eterna. Nos dias tão alegres do tempo pascal, Jesus fez-me sentir haver almas sem fé que, por abuso das graças, perdem esse precioso tesouro, fonte das únicas alegrias puras e verdadeiras. Permitiu que minha alma fosse invadida pelas mais densas trevas e que a idéia do Céu, tão suave para mim, não passasse de tema de combate e tortura... Essa provação não devia durar apenas alguns dias, algumas semanas, só devia desaparecer na hora marcada por Deus e... essa hora não chegou ainda... Gostaria de poder expressar o que sinto, mas creio ser impossível. É preciso ter andado por esse túnel escuro para compreender a escuridão. Mas vou tentar explicar por meio de uma comparação.

Imagino ter nascido num país envolvido por um denso nevoeiro. Nunca contemplei o risonho aspecto da natureza, inundada, transfigurada pelo sol brilhante; desde minha infância, ouço falar dessas maravilhas, sei que o país em que estou não é a minha pátria, que existe outro com o qual devo sonhar sempre. Não se trata de uma história inventada por um habitante do triste país em que estou, mas é uma realidade comprovada, pois o Rei da pátria do sol brilhante veio viver trinta e três anos no país das trevas. Ai! as trevas não entenderam que esse Rei divino era a luz do mundo... Mas, Senhor, vossa filha entendeu vossa divina luz, pede-vos perdão pelos seus irmãos, aceita comer, pelo tempo que quiserdes, o pão da dor e não quer levantar-se desta mesa coberta de amargura onde comem os pobres pecadores antes do dia marcado por vós... Mas não pode ela dizer em seu nome e em nome dos seus irmãos: Tendes piedade de nós, Senhor, pois somos pobres pecadores!?... Oh! Senhor, mandai-nos justificados para casa... Que todos aqueles que não estão iluminados pela luz resplandecente da fé a vejam finalmente luzir... Ó Jesus, se for preciso que a mesa por eles maculada seja purificada por uma alma que vos ama, aceito comer sozinha o pão da provação até o momento que vos agradar introduzir-me em vosso reino luminoso. A única graça que vos peço é a de nunca vos ofender!...

Madre querida, o que vos escrevo não tem sequência lógica. Minha historiazinha que se assemelhava a um conto de fadas transformou-se de repente em oração. Não sei do interesse que teríeis em ler todos estes pensamentos confusos e mal expressos. Enfim, Madre, não escrevo uma obra literária, mas por obediência. Se vos aborreço, vereis, pelo menos, que vossa filha mostrou boa vontade. Portanto, e sem desanimar vou prosseguir com minha comparaçãozinha, a partir do ponto em que a deixei. Dizia que a certeza de, um dia, ir longe do país triste e tenebroso me fora dada na infância; não acreditava apenas no que ouvia dizer por pessoas mais instruídas que eu, mas sentia no fundo do meu coração aspirações por uma região mais bonita. Assim como o génio de Cristóvão Colombo levou-o a pressentir a existência de um novo mundo quando ninguém tinha pensado nisso, também eu sentia que outra terra me serviria de morada estável, um dia. Mas, de repente, o nevoeiro que me envolve torna-se mais denso, invade minha alma, e a envolve de tal maneira que não me é mais possível ver nela a imagem da minha pátria. Tudo se evaporou! Quando quero que meu coração, cansado das trevas que o envolvem, repouse com a lembrança do país luminoso ao qual aspiro, meu tormento aumenta. Parece-me que as trevas, pela voz dos pecadores, me dizem zombeteiras: "Sonhas com a luz, com uma pátria perfumada pelos mais suaves olores, sonhas com a eterna posse do Criador de todas essas maravilhas, acreditas um dia poder sair do nevoeiro que te envolve, avança, avança, alegra-te com a morte que não te dará o que esperas, mas uma noite ainda mais profunda, a noite do nada".

Madre querida, a imagem que quis vos dar das trevas que envolvem minha alma é tão imperfeita quanto um esboço comparado com o modelo. Porém, não quero escrever mais, receio blasfemar... receio até ter falado demais...

Ah! que Jesus me perdoe se o magoei, mas ele sabe que, embora sem o gozo da Fé, procuro, pelo menos, realizar as obras. Creio ter feito mais atos de fé, neste último ano, do que em toda a minha vida`. A cada nova ocasião de luta, quando meus inimigos vêm me provocar, comporto-me com bravura; por saber que é covardia bater-se em duelo, viro as costas para meus adversários", sem dignar-me olhá-los de frente, mas corro para meu Jesus, digo-lhe que estou pronta para derramar até a última gota do meu sangue" para confessar que o Céu existe. Digo-lhe que estou feliz por não gozar desse belo Céu na terra, a fim de que Ele o abra para a eternidade aos pobres incrédulos. Assim, apesar dessa provação que aparta de mim todo o gozo, posso clamar: "Senhor, vós me cumulais de alegria" por tudo o que fazeis" (SL XCI). Pois existe alegria maior que a de sofrer pelo vosso amor?... Mais interior é o sofrimento, menos aparece aos olhos das criaturas, mais ele vos alegra, ó meu Deus; mas se, por impossível que fosse, devêsseis ignorar meu sofrimento, ainda seria feliz de suportá-lo se, por meio dele, eu pudesse impedir ou reparar uma única falta cometida contra a Fé...

Madre querida, talvez vos pareça que exagero minha provação; de fato, se julgais a partir dos sentimentos expressos nas pequenas poesias que escrevi durante este ano, sou uma alma repleta de consolações e para quem o véu da fé está quase rasgado. Mas... não é mais um véu para mim, é um muro levantado até os céus e que encobre o firmamento estrelado... Quando canto a felicidade do Céu, a eterna posse de Deus, não sinto alegria alguma, pois só canto o que quero crer. Às vezes, é verdade, um raiozinho de sol vem iluminar minhas trevas; então, a provação cessa por um instante, mas depois a recordação desse raio, em vez de causar-me alegria, torna minhas trevas ainda mais densas.

Oh Madre! nunca senti tão bem como o Senhor é compassivo e misericordioso, só me mandou essa provação no momento em que tive a força para suportá-la, creio que, mais cedo, ela me teria mergulhado no desânimo... Agora, subtrai-me tudo o que poderia se encontrar de satisfação natural no desejo que tinha do Céu... Madre querida parece-me que agora nada me impede de levantar voo, pois não tenho mais grandes desejos a não ser o de amar até morrer de amor... (9 de Junho)

(cont)




Nunca perder o ponto de mira sobrenatural

Um remédio contra essas tuas inquietações: ter paciência, rectidão de intenção e olhar as coisas com perspectiva sobrenatural. (Sulco, 853)

Procuremos, portanto, nunca perder o ponto de mira sobrenatural, vendo Deus por detrás de cada acontecimento, seja ele agradável ou desagradável, quer nos cause satisfação... ou desconsolo pela morte de um ser querido. Antes de mais, a conversa com o nosso Pai Deus, procurando o Senhor no centro da nossa alma. Não é coisa que possa considerar-se como uma miudeza, de pouca monta: é uma manifestação clara de vida interior constante, de um autêntico diálogo de amor. Será uma prática que não nos produzirá nenhuma deformação psicológica, porque – para um cristão – deve ser tão natural como o bater do coração. (Amigos de Deus, 247)

Temas para meditar - 270

Exaltação da Cruz

Que grande é o poder da Cruz! Quando Cristo é objecto de escárnio e de zombaria para todo o mundo; quando está no Madeiro sem desejar arrancar os cravos; quando ninguém daria um cêntimo pela Sua vida, o bom ladrão — um como nós — descobre o amor de Cristo agonizante e pede perdão.
Hoje estarás comigo no Paraíso. Que força tem o sofrimento, quando se aceita junto de Nosso Senhor! É capaz de retirar — das situações mais dolorosas — momentos de glória e de vida. Esse homem que se dirige a Cristo agonizante, encontra a remissão dos seus pecados, a felicidade para sempre. Nós temos que fazer o mesmo. Se perdemos o medo à Cruz, se nos unimos a Cristo na Cruz, receberemos a Sua graça, a Sua força, a Sua eficácia. E encher-nos-emos de paz.


(D. Javier Echevarría, Meditações de sobre a Semana Santa; SEXTA-FEIRA SANTA: CRISTO NA CRUZ, 2010)

Tratado do verbo encarnado 28

Questão 4: Da união relativamente ao assumido

Art. 3 — Se a Pessoa divina assumiu um homem.

O terceiro discute-se se assim. — Parece que a Pessoa divina assumiu um homem.

1 — Pois, diz a Escritura: Bem-aventurado o que elegeste e tomaste para o teu serviço, o que a Glosa expõe, de Cristo. E Agostinho diz que o Filho de Deus assumiu o homem e sofreu, nele, o que é humano.

2. Demais. — A palavra homem designa a natureza humana. Ora, o Filho de Deus assumiu a natureza humana. Logo, assumiu o homem.

3. Demais. — O Filho de Deus é homem. Ora, não é um homem, que não assumiu, porque então seria, por igual razão, Pedro ou qualquer outro homem. Logo, é o homem que assumiu.

Mas, em contrário, a autoridade do Papa e Mártir Felix, citada no Sínodo Efesino: Cremos em Nosso Senhor Jesus Cristo, nascido da Virgem Maria, porque é o Verbo e o Filho sempiterno de Deus, e não homem assumido por Deus, de modo que fosse outro, diferente dele. Nem o Filho de Deus assumiu um homem que fosse outro, diferente dele.

Como se disse, o assumido não é o termo da assunção, mas é concebido como anterior à assunção. Ora, segundo dissemos, o indivíduo no qual é assumida a natureza humana, não é outra coisa senão a Pessoa divina, que é o termo da assunção. Pois, a palavra homem significa a natureza humana enquanto lhe é natural existir num suposto. Pois, como diz Damasceno, como o nome Deus significa aquele que tem a natureza divina, assim o nome homem, o que tem a natureza humana. Donde, não há propriedade de expressão quando se diz, que o Filho de Deus assumiu o homem, supondo, como o exige a verdade das coisas, que em Cristo há um só suposto e uma só hipóstase. Mas, segundo os que introduzem em Cristo duas hipóstases e dois supostos, conveniente e propriamente se poderia dizer, que o Filho de Deus assumiu o homem. Por isso, a primeira opinião citada pelo Mestre das Sentenças concede ter sido o homem o assumido. Mas, essa opinião é errónea, como se demonstrou.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Essas locuções não se devem aplicar em sentido extensivo, como próprias, mas devem ser entendidas piamente, sempre que são empregadas pelos sagrados Doutores, de modo que quando dizemos — o homem assumido — signifiquemos que a sua natureza foi assumida, e que a assunção terminou em ser o Filho do Deus, homem.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O nome homem significa a natureza humana em concreto, isto é, como existente num suposto. E portanto, assim como não podemos dizer que o suposto foi assumido, assim também não que o homem foi assumido.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O Filho de Deus não é o homem que ele assumiu, mas aquele cuja natureza assumiu.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Reflectindo 46


Inferno

Ter medo do Inferno? Não se compreende porquê. De facto quem acredita, em vez de temer o Inferno anseia pelo Céu. Para quem não crê, será indiferente.


(AMA, sobre Inferno 6, 2010.10.25)