Tempo Comum
Semana I
Evangelho:
Mc 1, 40-45
40 Foi ter com Ele um leproso que,
suplicando e pondo-se de joelhos, Lhe disse: «Se quiseres podes limpar-me». 41
Jesus, compadecido dele, estendeu a mão e, tocando-o, disse-lhe: «Quero, fica
limpo». 42 Imediatamente desapareceu dele a lepra e ficou limpo. 43
E logo mandou-o embora, dizendo-lhe com tom severo: 44 «Guarda-te de
o dizer a alguém, mas vai, mostra-te ao sacerdote, e oferece pela purificação o
que Moisés ordenou, para que lhes sirva de testemunho». 45 Ele,
porém, retirando-se, começou a contar e a divulgar o sucedido, de modo que
Jesus já não podia entrar abertamente numa cidade, mas ficava fora nos lugares
desertos, e de toda a parte vinham ter com Ele.
Comentário:
Aqui está o Reino de Deus que Jesus
Cristo anuncia:
Um Reino próximo dos homens por mais
miseráveis que possam apresentar-se.
Tocou-o com a mão!
Podia tê-lo curado de longe, como fará
com outros dez leprosos, mas não, quis tocá-lo com a Sua própria mão.
Cristo não se afasta do homem, mesmo
quando coberto com a lepra de muitos pecados; espera-o, acolhe-o, toca-o com a
Sua mão divina e dá-lhe, assim, vida nova e limpa para que recomece a viver.
(ama, Comentário, Mc 2, 40-45,
2007.01.08)
Leitura espiritual
CARTA
ENCÍCLICA
LAUDATO SI’
DO
SANTO PADRE
FRANCISCO
SOBRE
O CUIDADO DA CASA COMUM
CAPÍTULO V
ALGUMAS
LINHAS DE ORIENTAÇÃO E ACÇÃO
4.
Política e economia em diálogo para a plenitude humana
193. Assim, se nalguns casos o
desenvolvimento sustentável implicará novas modalidades para crescer, noutros
casos – face ao crescimento ganancioso e irresponsável, que se verificou ao
longo de muitas décadas – devemos pensar também em abrandar um pouco a marcha,
pôr alguns limites razoáveis e até mesmo retroceder antes que seja tarde.
Sabemos que é insustentável o
comportamento daqueles que consomem e destroem cada vez mais, enquanto outros
ainda não podem viver de acordo com a sua dignidade humana.
Por isso, chegou a hora de aceitar um
certo decréscimo do consumo nalgumas partes do mundo, fornecendo recursos para
que se possa crescer de forma saudável noutras partes.
Bento XVI dizia que «é preciso que as
sociedades tecnologicamente avançadas estejam dispostas a favorecer
comportamentos caracterizados pela sobriedade, diminuindo as próprias
necessidades de energia e melhorando as condições da sua utilização».[i]
194. Para que apareçam novos modelos de
progresso, precisamos de «converter o modelo de desenvolvimento global»[ii],
e isto implica reflectir responsavelmente «sobre o sentido da economia e dos
seus objectivos, para corrigir as suas disfunções e deturpações».[iii]
Não é suficiente conciliar, a meio termo,
o cuidado da natureza com o ganho financeiro, ou a preservação do meio ambiente
com o progresso.
Neste campo, os meios-termos são apenas um
pequeno adiamento do colapso.
Trata-se simplesmente de redefinir o
progresso.
Um desenvolvimento tecnológico e
económico, que não deixa um mundo melhor e uma qualidade de vida integralmente
superior, não se pode considerar progresso.
Além disso, muitas vezes a qualidade real
de vida das pessoas diminui – pela deterioração do ambiente, a baixa qualidade
dos produtos alimentares ou o esgotamento de alguns recursos – no contexto dum
crescimento da economia.
Então, muitas vezes, o discurso do
crescimento sustentável torna-se um diversivo e um meio de justificação que
absorve valores do discurso ecologista dentro da lógica da finança e da
tecnocracia, e a responsabilidade social e ambiental das empresas reduz-se, na
maior parte dos casos, a uma série de acções de publicidade e imagem.
195. O princípio da maximização do lucro,
que tende a isolar-se de todas as outras considerações, é uma distorção
conceptual da economia: desde que aumente a produção, pouco interessa que isso
se consiga à custa dos recursos futuros ou da saúde do meio ambiente; se o
derrube duma floresta aumenta a produção, ninguém insere no respectivo cálculo
a perda que implica desertificar um território, destruir a biodiversidade ou
aumentar a poluição.
Por outras palavras, as empresas obtêm
lucros calculando e pagando uma parte ínfima dos custos.
Poder-se-ia considerar ético somente um
comportamento em que «os custos económicos e sociais derivados do uso dos
recursos ambientais comuns sejam reconhecidos de maneira transparente e plenamente
suportados por quem deles usufrui e não por outras populações nem pelas
gerações futuras».[iv]
A mentalidade utilitária, que fornece
apenas uma análise estática da realidade em função de necessidades actuais,
está presente tanto quando é o mercado que atribui os recursos como quando o
faz um Estado planificador.
4.
Política e economia em diálogo para a plenitude humana
196.
Qual é o lugar da política?
Recordemos o princípio da subsidiariedade,
que dá liberdade para o desenvolvimento das capacidades presentes a todos os
níveis, mas simultaneamente exige mais responsabilidade pelo bem comum a quem
tem mais poder.
É verdade que, hoje, alguns sectores
económicos exercem mais poder do que os próprios Estados.
Mas não se pode justificar uma economia
sem política, porque seria incapaz de promover outra lógica para governar os
vários aspectos da crise actual.
A lógica que não deixa espaço para uma
sincera preocupação pelo meio ambiente é a mesma em que não encontra espaço a
preocupação por integrar os mais frágeis, porque, «no modelo “do êxito” e
“individualista” em vigor, parece que não faz sentido investir para que os
lentos, fracos ou menos dotados possam também singrar na vida».[v]
197. Precisamos duma política que pense
com visão ampla e leve por diante uma reformulação integral, abrangendo num
diálogo interdisciplinar os vários aspectos da crise.
Muitas vezes, a própria política é
responsável pelo seu descrédito, devido à corrupção e à falta de boas políticas
públicas.
Se o Estado não cumpre o seu papel numa
região, alguns grupos económicos podem-se apresentar como benfeitores e
apropriar-se do poder real, sentindo-se autorizados a não observar certas
normas até se chegar às diferentes formas de criminalidade organizada, tráfico
de pessoas, narcotráfico e violência muito difícil de erradicar.
Se a política não é capaz de romper uma
lógica perversa e perde-se também em discursos inconsistentes, continuaremos
sem enfrentar os grandes problemas da humanidade.
Uma estratégia de mudança real exige
repensar a totalidade dos processos, pois não basta incluir considerações
ecológicas superficiais enquanto não se puser em discussão a lógica subjacente
à cultura actual.
Uma política sã deveria ser capaz de
assumir este desafio.
198. A política e a economia tendem a
culpar-se reciprocamente a respeito da pobreza e da degradação ambiental.
Mas o que se espera é que reconheçam os
seus próprios erros e encontrem formas de interacção orientadas para o bem
comum. Enquanto uns se afanam apenas com o ganho económico e os outros estão
obcecados apenas por conservar ou aumentar o poder, o que nos resta são guerras
ou acordos espúrios, onde o que menos interessa às duas partes é preservar o
meio ambiente e cuidar dos mais fracos. Vale aqui também o princípio de que «a
unidade é superior ao conflito».[vi]
5.
As religiões no diálogo com as ciências
199. Não se pode sustentar que as ciências
empíricas expliquem completamente a vida, a essência íntima de todas as
criaturas e o conjunto da realidade.
Isto seria ultrapassar indevidamente os
seus confins metodológicos limitados.
Se se reflecte dentro deste quadro
restrito, desaparecem a sensibilidade estética, a poesia e ainda a capacidade
da razão perceber o sentido e a finalidade das coisas.[vii]
Quero lembrar que «os textos religiosos
clássicos podem oferecer um significado para todas as épocas, possuem uma força
motivadora que abre sempre novos horizontes (...).
Será razoável e inteligente relegá-los
para a obscuridade, só porque nasceram no contexto duma crença religiosa?»[viii]
Realmente, é ingénuo pensar que os
princípios éticos possam ser apresentados de modo puramente abstracto,
desligados de todo o contexto, e o facto de aparecerem com uma linguagem
religiosa não lhes tira valor algum no debate público.
Os princípios éticos que a razão é capaz
de perceber, sempre podem reaparecer sob distintas roupagens e expressos com
linguagens diferentes, incluindo a religiosa.
200. Além disso, qualquer solução técnica
que as ciências pretendam oferecer será impotente para resolver os graves
problemas do mundo, se a humanidade perde o seu rumo, se esquece as grandes motivações
que tornam possível a convivência social, o sacrifício, a bondade.
Em todo o caso, será preciso fazer apelo
aos crentes para que sejam coerentes com a sua própria fé e não a contradigam
com as suas acções; será necessário insistir para que se abram novamente à graça
de Deus e se nutram profundamente das próprias convicções sobre o amor, a
justiça e a paz.
Se às vezes uma má compreensão dos nossos
princípios nos levou a justificar o abuso da natureza, ou o domínio despótico
do ser humano sobre a criação, ou as guerras, a injustiça e a violência, nós,
crentes, podemos reconhecer que então fomos infiéis ao tesouro de sabedoria que
devíamos guardar.
Muitas vezes os limites culturais de
distintas épocas condicionaram esta consciência do próprio património ético e
espiritual, mas é precisamente o regresso às respectivas fontes que permite às
religiões responder melhor às necessidades actuais.
201. A maior parte dos habitantes do
planeta declara-se crente, e isto deveria levar as religiões a estabelecerem
diálogo entre si, visando o cuidado da natureza, a defesa dos pobres, a
construção duma trama de respeito e de fraternidade.
De igual modo é indispensável um diálogo
entre as próprias ciências, porque cada uma costuma fechar-se nos limites da
sua própria linguagem, e a especialização tende a converter-se em isolamento e
absolutização do próprio saber.
Isto impede de enfrentar adequadamente os
problemas do meio ambiente.
Torna-se necessário também um diálogo
aberto e respeitador dos diferentes movimentos ecologistas, entre os quais não
faltam as lutas ideológicas.
A gravidade da crise ecológica obriga-nos,
a todos, a pensar no bem comum e a prosseguir pelo caminho do diálogo que
requer paciência, ascese e generosidade, lembrando-nos sempre que «a realidade
é superior à ideia».[ix]
CAPÍTULO VI
EDUCAÇÃO
E ESPIRITUALIDADE ECOLÓGICAS
202. Muitas coisas devem reajustar o
próprio rumo, mas antes de tudo é a humanidade que precisa de mudar.
Falta a consciência duma origem comum,
duma recíproca pertença e dum futuro partilhado por todos.
Esta consciência basilar permitiria o
desenvolvimento de novas convicções, atitudes e estilos de vida.
Surge, assim, um grande desafio cultural,
espiritual e educativo que implicará longos processos de regeneração.
1.
Apontar para outro estilo de vida
203. Dado que o mercado tende a criar um
mecanismo consumista compulsivo para vender os seus produtos, as pessoas acabam
por ser arrastadas pelo turbilhão das compras e gastos supérfluos.
O consumismo obsessivo é o reflexo
subjectivo do paradigma tecno-económico.
Está a acontecer aquilo que já assinalava
Romano Guardini: o ser humano «aceita os objectos comuns e as formas habituais
da vida como lhe são impostos pelos planos nacionais e pelos produtos fabricados
em série e, em geral, age assim com a impressão de que tudo isto seja razoável
e justo».[x]
O referido paradigma faz crer a todos que
são livres pois conservam uma suposta liberdade de consumir, quando na
realidade apenas possui a liberdade a minoria que detém o poder económico e
financeiro.
Nesta confusão, a humanidade pós-moderna
não encontrou uma nova compreensão de si mesma que a possa orientar, e esta
falta de identidade é vivida com angústia.
Temos demasiados meios para escassos e
raquíticos fins.
204. A situação actual do mundo «gera um
sentido de precariedade e insegurança, que, por sua vez, favorece formas de
egoísmo colectivo».[xi]
Quando as pessoas se tornam
auto-referenciais e se isolam na própria consciência, aumentam a sua
voracidade: quanto mais vazio está o coração da pessoa, tanto mais necessita de
objectos para comprar, possuir e consumir.
Em tal contexto, parece não ser possível,
para uma pessoa, aceitar que a realidade lhe assinale limites; neste horizonte,
não existe sequer um verdadeiro bem comum.
Se este é o tipo de sujeito que tende a
predominar numa sociedade, as normas serão respeitadas apenas na medida em que
não contradigam as necessidades próprias.
Por isso, não pensemos só na possibilidade
de terríveis fenómenos climáticos ou de grandes desastres naturais, mas também
nas catástrofes resultantes de crises sociais, porque a obsessão por um estilo
de vida consumista, sobretudo quando poucos têm possibilidades de o manter, só
poderá provocar violência e destruição recíproca.
(cont)
[i]
Mensagem para o Dia Mundial da Paz de
2010, 9: AAS 102 (2010), 46.
[ii] Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2010, 9: AAS 102
(2010), 46.
[iii] Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2010, 5: o. c.,
43.
[iv] Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de Junho
de 2009), 50: AAS 101 (2009), 686.
[v] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de
Novembro de 2013), 209: AAS 105 (2013), 1107.
[vi] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de
Novembro de 2013), 228: o. c., 1113.
[vii] Cf. Francisco, Carta enc. Lumen fidei (29 de Junho de
2013), 34 [AAS 105 (2013), 577]: «Enquanto unida à verdade do amor, a luz da fé
não é alheia ao mundo material, porque o amor vive-se sempre com corpo e alma;
a luz da fé é luz encarnada, que dimana da vida luminosa de Jesus. A fé ilumina
também a matéria, confia na sua ordem, sabe que nela se abre um caminho cada
vez mais amplo de harmonia e compreensão. Deste modo, o olhar da ciência tira
benefício da fé: esta convida o cientista a permanecer aberto à realidade, em
toda a sua riqueza inesgotável. A fé desperta o sentido crítico, enquanto
impede a pesquisa de se deter, satisfeita, nas suas fórmulas e ajuda-a a compreender
que a natureza sempre as ultrapassa. Convidando a maravilhar-se diante do
mistério da criação, a fé alarga os horizontes da razão para iluminar melhor o
mundo que se abre aos estudos da ciência».
[viii] Cf. Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de
Novembro de 2013), 256: AAS 105 (2013), 1123.
[ix] Cf. Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de
Novembro de 2013), 231: o. c., 1114.
[x] Das Ende der Neuzeit (Würzburg9 1965), 66-67.
[xi] João Paulo II, Mensagem para o Dia Mundial da Paz de
1990, 1: AAS 82 (1990), 147.