Ao
ver a Seus pés aquele pai angustiado, com certeza que Jesus Se debruçou a
levantá-lo do solo. Jairo é tão claro e determinado, mostra tanta confiança e
fé que Jesus «foi com ele».
Cristo
não precisa de grandes discursos, de interpelações grandiloquentes para que a
Sua misericórdia se manifeste. Deseja tão só que Lhe peçamos o que queremos.
Ele já decidirá se o nosso pedido é justo e nos convém que seja atendido. Orar,
no fim e ao cabo, é a forma que temos de nos relacionarmos com o Senhor e Ele
sabe muito bem quem nós somos e o que somos, conhece-nos intimamente e, por
isso mesmo, não se importa que nos consideremos indignos, como de facto somos,
e de, não obstante, nos dirigirmos a Ele com familiaridade. Quer, deseja, que
sejamos Seus amigos e, os amigos, não têm “cerimónias” uns com os outros. «Não mais vos chamarei servos, porque o
servo não sabe o que faz o seu senhor; mas chamo-vos amigos, porque vos dei a
conhecer tudo o que ouvi de Meu Pai.»
Ser servo e ser amigo
Há de facto uma diferença e vê-se bem qual
é. O amo pode ser amigo do seu servo, isto é, sente amizade por ele porque faz
o que lhe manda fazer, é diligente, não recalcitra, aceita de bom grado o
trabalho que lhe encomenda, a sua liberdade para escolher outro servo está
condicionada pela aptidão que esse outro possa ter para cumprir as tarefas que
este cumpre a contento, mas mesmo querendo-lhe como amigo tratá-lo-á sempre
como servo.
O inverso pode também ser verdadeiro, o
servo pode ter amizade pelo seu senhor porque é justo, o trata com urbanidade,
não lhe exige tarefas que vão além das suas capacidades, mas sempre o
considerará como seu amo e não tem a liberdade de poder escolher outro. Então a
diferença está exactamente nisto: os amigos verdadeiros são-no em qualquer
circunstância e não se exigem nada um ao outro, pelo contrário, gozam com as
diferenças e idiossincrasias de cada um encontrando sempre pontos comuns ou que
se completam. São livres de ter outros amigos, diferentes interesses e
objectivos. Sim, de facto existem diferenças e de monta, mas também existe algo
que é comum e, esse algo, é exactamente o serviço.
Os amigos verdadeiros prestam-se serviços
mútuos, pequenos ou grandes, de muita ou escassa importância. Serviço que
começa na disponibilidade gratuita para suprir uma necessidade, ajudar a
ultrapassar um momento menos bom, na partilha da alegria e da dor do outro,
tudo como que balizado por um profundo respeito mútuo pela privacidade de cada
um. É esta a amizade à qual o Senhor Se refere e, de facto, uma amizade assim
pode conduzir à dádiva da própria vida pelo amigo.
Esta
realidade que me atinge como um raio, deixa-me sem palavras: Jesus é meu amigo!
Sendo eu o que sou. Sendo eu como sou. Durante os anos, e não são poucos,
quantas conversas, quantos desabafos, queixas e pedidos Lhe fiz! Meu amigo!
Jesus é meu amigo. Com esta certeza, com este AMIGO, que mais posso precisar?
Que posso temer?’
Não
tenhamos receio que o que pedimos seja algo grande, muito importante,
absolutamente desajustado aos nossos méritos (na verdade, não temos qualquer
mérito). Aprendamos a ser simples nas nossas conversas com o Senhor.
Porque
a oração de Jairo foi assim, simples, concreta, confiada, Jesus foi com ele sem
mais delongas ou perguntas. Não temos junto de nós, fisicamente, como Jairo
tinha naquele momento, a Pessoa de Jesus, não podemos fixar o Seu olhar
amabilíssimo, apreender os Seus gestos de acolhimento e amor, mas, nos
Sacrários de toda a terra, talvez algum bem próximo onde nos encontramos, Ele
está realmente presente em Corpo, Sangue, Alma e Divindade, aguardando a nossa
visita diária para uma pequena e íntima conversa a dois. Jairo teve de
informar-se por onde andava Jesus naquela hora, qual o Seu caminho, por onde
passaria e tem de apressar-se pois Jesus,
caminhava continuamente pelos caminhos da Palestina. Detinha-Se junto dos
doentes, dos aflitos, demorava-Se por vezes em pregações mais demoradas que as
multidões ansiavam por ouvir. Embora sem pressas, nunca Se detém num local por
tempo além do necessário. Tem muito que fazer!
Nós
não temos de fazer grande esforço para encontrar Jesus.
Temo-Lo
ali, à nossa espera, sempre disponível para nos atender o tempo que quisermos
dedicar à nossa conversa. Somos, na verdade, muito mais afortunados que aqueles
contemporâneos de Jesus – que Jairo – que tinham de percorrer distâncias consideráveis,
ficando muitas vezes sem comer, beber ou descansar, só para terem a dita de O
ver ou de O escutar. O Evangelho fala-nos concretamente das multidões que O
seguiam há três dias sem sequer comer. Visitar Jesus no Sacrário é, portanto,
um dever de amor porque, Ele está ali única e exclusivamente por amor de nós e,
amor, com amor se deve pagar.
Muito
admirados terão ficado os que O rodeavam ao verem o novo rumo do caminho de
Jesus. Os mais próximos ter-se-ão dado conta da Sua atitude perante Jairo ao escutar
a sua interpelação suplicante e confiada. Não ouvindo resposta alguma do
Mestre, mas tão só a Sua pronta decisão de ir com Jairo, deverão ter entendido
que o Coração de Jesus fora profundamente tocado a satisfazer o que Lhe pedia.
Alguns terão guardado este exemplo de como abordar o Mestre. Todos têm algo que
Lhe pedir, talvez… nem saibam bem o quê porque sofrem tantas necessidades,
sentem tantas carências. Sabem que Ele é o refúgio, o consolo, a solução e,
também, ficaram a saber, pela atitude de Jairo, como obter tudo isso.
O
mistério da oração tem-me sempre suspenso como que numa espécie de limbo
nebuloso. Eu penso, quero confiar no Senhor e, por isso, rezo, mas, cá no meu
íntimo, sei que não mereço nada e que a minha oração, muito provavelmente, não
será ouvida. Que mal estaria, se o Senhor só ouvisse as orações dos que têm
algum merecimento…! Eu sei, também, que o próprio Jesus insistiu, tantas vezes,
em que rezássemos continuamente, sem desfalecer. Deu-nos exemplos que constam
nos Evangelhos. Só que, por vezes, é tão difícil rezar! Parece-me sempre tanto
tempo!
Na
verdade, muitas vezes procuro consolações na oração, um empolgamento do
espírito que me arrebate e eleve o coração no espaço espiritual onde me sinta
mais perto de Deus. Infelizmente, parece que, assim, estou a rezar a mim
próprio, num contentamento espiritual que é, desde logo, a paga almejada. É uma
pena porque assim, perco aquela outra paga, extraordinariamente mais importante
e de valor incomensuravelmente maior, porque é uma paga divina. Nem sei “fazer
as contas” que o Senhor usa para conmigo.
Conta-se
que Alexandre o Grande mandou dar o governo de cinco cidades a um pobre
camponês que lhe dera uma indicação útil. O pobre homem, espantado, terá dito:
Senhor, nunca me atreveria a pedir tanto! Ao que Alexandre respondeu: Tu pedes
como quem és, eu dou como quem sou!
Eu
peço como quem sou: um pobre miserável que precisa de tudo, absolutamente tudo,
do seu Senhor. Nada tenho, nada valho e tudo o que tenho ou possa valer é
d’Ele, desse Senhor que me deu uma alma imortal e nela imprimiu a Sua imagem. É
o meu único bem de valor – aliás, incalculável – a imagem de Deus impressa na minha
alma. Ele ouve a minha oração e dá-me não o que Lhe peço, mas o que entende
dar-me, com uma generosidade e uma grandeza que me espantam. E atrevo-me a
dizer-lhe profundamente agradecido: Peço-te,
Senhor, que recebas o meu amor como se fosse o único amor que tens na terra.
Assim não notarás como é pequeno, miserável... Serei feliz porque mesmo sabendo
o pouco que é, como to dou todo... fico disponível para me “encher” do Teu...
Esta é uma situação, que, seguindo a cronologia de São
Lucas, muito se assemelha a outra de há tempos atrás. Nessa altura fora um
Centurião a implorar pelo seu servo doente. Não se achara digno de comparecer
ante Jesus e, assim pedira por interpostas pessoas. Fez mais, declarou
expressamente ao Mestre que se sentia indigno de O receber em sua casa, mas que sabia que bastaria uma palavra Sua para
se cumprir o que desejava. Jesus ficou admirado com a sua fé e fez o que lhe
pedia. Agora o que se passa é mais
grave. Jesus sabe muito bem que a filha de Jairo já morreu. Pode, Se quiser,
devolvê-la à vida em qualquer momento, em não importa que local, mas encontra
uma ocasião propícia para edificar o povo que O seguia e, talvez
principalmente, os três discípulos que convocará para O acompanharem.
Estes três escolhidos terão sempre um lugar muito
particular nos grandes momentos da vida pública de Jesus. Muito provavelmente
teriam estado nas bodas de Caná - era usual os “rabis” fazerem-se acompanhar de
alguns dos seus discípulos mais chegados -, talvez, na altura, não se tivessem
dado bem conta do portentoso milagre que, a instâncias de Sua Mãe, Jesus operou:
por uma razão simples e muito humana, poder-se-ia dizer,: “salvar a face” dos
noivos aflitos com a falta de vinho.
Não são necessárias grandes causas ou magnos problemas
para que Cristo Se compadeça do ser humano. O Seu Coração amantíssimo move-Se
pelos mais singelos problemas dos homens e, ainda mais, quando a Sua Mãe
intervém.
A ti, Mãe, recorro nesta hora de preocupação. Como em
Caná intervieste em favor dos noivos que, sem terem pedido, obtiveram por teu
intermédio uma graça inesperada, diz-lhe também agora: Este meu filho não tem!
E como é uma graça que por tua maternal intercessão, solicito, tenho a certeza
que a obterei.
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