Semana V da Páscoa
Evangelho:
Jo 14 27-31
27 «Deixo-vos a paz, dou-vos a Minha
paz; não vo-la dou como a dá o mundo. Não se perturbe o vosso coração, nem se
assuste. 28 Ouvistes que Eu vos disse: Vou e voltarei a vós. Se vós Me
amásseis, certamente vos alegraríeis de Eu ir para o Pai, porque o Pai é maior
do que Eu. 29 Eu vo-lo disse agora, antes que aconteça, para que, quando
acontecer, acrediteis. 30 Já não falarei muito convosco, porque vem o príncipe
deste mundo. Ele não pode nada contra Mim, 31 mas é preciso que o mundo conheça
que amo o Pai e que faço como Ele Me ordenou. Levantai-vos, vamo-nos daqui.
Comentário:
«Já não falarei muito convosco, porque vem o
príncipe deste mundo.»
Jesus
Cristo fala claramente do demónio que está à espera do que será o seu
derradeiro acto como “dominador” do mundo de então: a Morte do Senhor.
Será
um engano porque, de facto, não é o seu poder que dá a morte ao Senhor mas a
vontade soberana de Cristo que a escolhe.
Mas,
claro, os homens que servirão de instrumentos ao demónio para esse derradeiro
sacrifício redentor, agem realmente sob o seu “império”.
Depois
disso, o poder do “príncipe deste mundo” fica absolutamente reduzido e não pode
mais que tentar dominar a vontade dos homens no sentido de fazerem o que vai
contra a Vontade de Deus.
Sim,
é verdade, tem esse poder, mas, o Senhor, também deu aos homens os meios para o
vencer e não permitirá que faça coisa alguma que vá contra a livre escolha dos
Seus amigos.
(ama,
comentário sobre Jo 14, 27-31, 2014.05.20)
Leitura espiritual
a beleza de
ser cristão
PRIMEIRA PARTE
X – A santificação
…/21
Só
Ele, Deus feito homem, pode realizar semelhante ousadia, que tampouco cabe na
imaginação de nenhum ser humano.
Teria
servido de muito pouco, para este fim, simplesmente deixar memória escrita dos
factos acontecidos durante a sua estada na terra.
Tampouco
teria sido adequado continuar actuando até ao fim dos tempos da forma que viveu
sobre a terra entre a Ressurreição e a Ascensão.
A
Realidade da sua Encarnação e da sua Presença logo acabariam confundidas com a
nebulosidade que se origina à volta de um fantasma, de um ser irreal, sem
morada nem no céu nem na terra.
Cristo
estabeleceu os sacramentos e instituiu a Eucaristia, para que cada homem
pudesse receber o enxerto da Sua própria vida; para que cada homem pudesse
viver enxertado na natureza divina. «Deus fez-se homem para que o homem se
fizesse Deus”, ousa dizer Santo Atanásio com visão certeira.
E,
desta forma, Cristo une-se a cada ser humano, homem e mulher; e cada ser humano
«endeusa-se”: «Porque o Deus que nos inspira a ser humildes é o mesmo que transformará o corpo da nossa humildade e o
fará conforme o seu glorioso, com a mesma virtude eficaz com que também pode
sujeitar ao seu império todas as coisas.[i]
Nosso Senhor faz-nos seus, endeusa-nos com o seu endeusamento bom” [ii].
Nós
não podemos imitar plenamente Cristo nem chegar a umaidentificação pessoal com
Ele; todavia, tal não é obstáculo para que vivamos com Ele, para que Ele viva
em nós e para que cheguemos a amar Deus Pai e os nossos irmãos os homens, com o
coração de Cristo.
O
desejo de Jesus Cristo de recapitular nele toda a criação, o homem, movido pela
caridade, corresponde, amando com o no próprio coração de Cristo, aa Deus, aos
homens e a toda a criação que também «o firmamento anuncia a glória das obras
de Deus”; realizando á letra na Fé, e no espírito de Esperança, as palavras de
São João: «O que não tem caridade não conhece Deus porque Deus é caridade.
Nisto se manifestou o amor de Deus por nós: que enviou o seu Filho Unigénito ao
mundo, para que por ele recebamos a vida.
E
nisto está o amor: Em que não somos nós quem amou a Deus, mas sim que ele
próprio nos amou a nós e enviou o seu próprio Filho, como sacrifício expiatório
pelos nossos pecados”.[iii]
Cada
ser humano, cada homem, varão ou mulher, é, de certo modo, toda a criação, que
não só espera a «manifestação dos filhos de Deus”,[iv]
mas também, com o seu viver em caridade, a provoca, torna possível essa
manifestação, ao dar-lhe um canal por onde pode transcorrer a luz de Cristo e
tornar-se patente no mundo, a Verdade, a Vida de Cristo.
Henri
de Lubac expressa-o assim: «O cristianismo nunca terá eficácia nem existência
real nem fará conquistas reais a não ser por força do próprio espírito dele, pela força da caridade” [v].
«Já
não sou eu quem vive; é Cristo que vive em mim. E, ainda que no presente vivo
na carne, vivo na fé do Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim”,[vi]
diz São Paulo e, com ele, todos os cristãos que estão enxertados em Cristo e na
Igreja, pela graça dos sacramentos.
Cristo
continua vivendo na terra, continua a participar na história dos homens e o
fará até ao fim do mundo, até que o céu tenha visto cumprido o número dos seus
eleitos.
Na
segunda parte analisaremos com mais detalhe as acções que o cristão deve
realizar para ir crescendo paulatinamente nestas virtudes: Fé, Esperança e
Caridade, que se denominam teologais porque provêm de Deus, são sustentadas por
Deus na alma e conduzem o homem a Deus.
Têm
Deus como origem, como objecto e como fim.
Agora
concluímos este capítulo com uma breve consideração acerca da actuação conjunta
destas três virtudes e das relações entre elas, na tarefa de ir engendrando em
cada baptizado a «nova criatura em Cristo” e desenvolvendo a riqueza humana
natural, humana espiritual, humana-sobrenatural que transporta.
Como
virtudes teologais, a Fé, a Esperança e a Caridade criam no homem uns hábitos
de fazer o bem, procurando Deus em todas as coisas.
«Entender
para crer»; «Crer para entender, estas duas afirmações de Santo Agostinho
expressam bem a acção da Graça nas potências do homem.
Podemos
também acrescentar: «Entender para esperar»; «Esperar para entender»; «Entender
para amar»; «Amar para entender»: «Esperar para entender»; «Amar para entender
e para esperar», e ficarão mais claras a extensão e o influxo da «participação
da natureza divina», na nossa natureza humana em correspondência com a
inspiração divina.
Na
fé apresenta-se-nos a realidade de Deus, que está mais para além de todo o
conhecimento natural, e não só da inteligência do homem, mas também da dos
anjos; e, à luz de Deus, a mente humana abre-se à compreensão mais profunda da
verdade dos seres, da verdade da criação.
A
esperança é o anseio tenso e confiado na eterna bem-aventurança da participação
completa e intuitiva na vida trinitária de Deus.
A
esperança tem sede da vida eterna, que é o próprio Deus, à Qual espera chegar
guiada pela própria mão de Deus.
A
caridade vincula-se ao Sumo Bem, revelado num modo confuso na fé.
No
Coração de Cristo, o nosso coração abre-se a um amor sem limites a Deus e aos
homens.
Só
em Cristo, o homem alcança verdadeiramente a ciência da caridade, a ciência do
amor.
A
relação mútua da fé, da esperança e da caridade pode resumir-se assim:
_
A fé, a esperança e a caridade infundem-se na natureza humana – na
inteligência, na memória, na vontade – as três no mesmo instante e
simultaneamente com a realidade da graça - «participação na natureza divina» -,
único fundamento entitativo de toda a vida cristã.
_
Em ordem à formação actual da nova criatura e da sua vida cristã, a fé é
anterior à esperança e à caridade e a esperança é anterior à caridade,
E,
pelo contrário, na desordem culpável da dissolução perde-se, primeiro, a
caridade, depois, a esperança e, por último, a fé.
_
Na hierarquia da perfeição, a caridade tem o primeiro lugar, a fé o ultimo e a
esperança, o lugar intermédio, porque sem esperança é impossível a caridade.
Deste
modo, num movimento que podíamos chamar circular, a fá, a esperança e a
caridade confluem em si mesmas.
A
fé abre o horizonte da esperança e alimenta a caridade.
Quem é levado à esperança pela caridade tem
uma esperança mais perfeita; e crê, ao mesmo tempo, mais firmemente.
A
caridade sustém a debilidade e a obscuridade da fé e dá asas à esperança, na
renovada confiança amorosa do Ser Amado, de Deus.
Podemos
dizer brevemente que a vida cristã – com Cristo, em Cristo – no homem tem um
único manancial que a alimenta: a Graça. Manancial que o homem tem a missão de
manter sempre fluente, convertendo-se todos os dias a Deus, com a oração, e
desenterrando as raízes do pecado, com a Reconciliação.
Assim,
a Graça vivifica o «Eu” do homem e, na liberdade humana, consegue fecundar até
aos últimos resquícios do espírito humano: na Fé, na Esperança e na Caridade.
E
logicamente, o cristão também expressará esta acção da Graça vivendo as
conhecidas virtudes cardeais – prudência, justiça, fortaleza, temperança -, as
quais trataremos na Segunda Parte.
(cont)
ernesto juliá, La belleza de ser cristiano, trad. ama)
[ii] são josemaria escrivá, Amigos de Dios, n. 98.
[v] henri de lubac, El drama del humanismo
ateo, Encuentro, 2ª ed., p. 92.